Foco de conflito
Por
Olavo Soares – Gazeta do Povo
Brasília

Os cabeças da CPI da Covid: Renan Calheiros, relator; Omar Aziz, presidente; e Randolfe Rodrigues, vice-presidente.| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

A retomada da CPI da Covid do Senado após o fim do recesso parlamentar manterá a investigação de militares entre suas prioridades. Integrantes das Forças Armadas, na ativa ou da reserva, são vinculados a algumas das denúncias sob o radar do colegiado, como a de um suposto superfaturamento na compra de vacinas. A CPI, porém, enfrenta um dilema: como promover as investigações sem intensificar a crise instalada entre a cúpula militar e o Congresso? A resposta, segundo membros da comissão, é enfatizar que as investigações se darão sobre indivíduos, e não sobre as instituições.

“Apesar de [os citados] serem militares, as investigações estão sendo feitas sobre a época em que exerceram cargos como civis e não como militares. Na CPI, temos cuidado para apurar com responsabilidade qualquer um, seja militar ou não”, disse à Gazeta do Povo o presidente da comissão, o senador Omar Aziz (PSD-AM).

A necessidade de se evitar o confronto ganhou corpo na quinta-feira (22), após reportagem de O Estado de S. Paulo contar que o ministro da Defesa, Braga Netto, teria dito ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que o governo não permitiria a realização de eleições em 2022 se o voto impresso não fosse implantado. O jornal sustenta também que a conduta do ministro se explicava pelos avanços da CPI e as investigações que comprometem o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Tanto Braga Netto quando Lira negaram o conteúdo da reportagem, que foi mantida pelo Estadão. O texto motivou reações de parlamentares de diferentes correntes, que viram tendências golpistas na postura atribuída ao ministro da Defesa.

Ainda antes do episódio mais recente, Braga Netto já havia se indisposto com a CPI. No último dia 7, o ministro e os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica divulgaram uma nota em que diziam que “não aceitarão qualquer ataque” vindo da comissão. A fala foi motivada por um pronunciamento feito por Aziz no dia anterior, quando a CPI recebeu Roberto Dias, ex-diretor de logística do Ministério da Saúde.

Na ocasião, Aziz disse que o “lado podre das Forças Armadas” tinha conexão com falcatruas. O senador chamou a nota dos militares de “desmedida e intimidatória”, mas declarou que o texto “não vai parar a CPI”. ” É nosso trabalho, é nossa obrigação garantir justiça aos mais de 540 mil mortos e aos milhares que ficaram com sequelas da Covid-19″, acrescentou.


Ministro da Defesa teve convocação para depor aprovada na CPI
Braga Netto é uma das pessoas que já tiveram sua convocação à CPI aprovada, mas sem data para realização do depoimento. O senador Humberto Costa (PT-PE) foi o autor de dois requerimentos pedindo a presença do ministro. Elaborados em maio e junho, quando as denúncias de corrupção ainda não eram a principal prioridade da CPI, as requisições abordam a fabricação de cloroquina por laboratórios do Exército e a utilização de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para o transporte de cilindros de oxigênio.

As notícias recentes, porém, devem nortear a eventual participação de Braga Netto na comissão parlamentar. A avaliação é do próprio senador do PT. “Ele foi chamado à CPI porque era o coordenador de um grupo interministerial para combater a pandemia. Mas o fato de hoje [quinta-feira] é algo que ameaça o Estado democrático. Não há como negar que isso aumenta muito o mau-humor em relação a ele dentro da CPI. Isso pode estimular a realização da sessão”, declarou Costa.

O parlamentar também adota o discurso da necessidade de se distinguir os militares investigados e as Forças Armadas. “Ninguém fez nenhuma acusação às Forças Armadas como instituição”, declarou.

“A CPI dá uma demonstração clara de que foi um grande equívoco colocar militares da ativa para o exercício de cargos civis. E, tomada essa decisão, não é possível que eles queiram um tratamento diferenciado. Responderão como qualquer pessoa que está exercendo um cargo civil”, acrescentou.

Documentos e mais documentos
A cúpula da CPI determinou que, já durante o período do recesso, a comissão será dividida em sete núcleos. Os subconjuntos analisarão temas como contratos suspeitos, a presença de intermediários para a compra de vacinas e a divulgação de informações falsas sobre a pandemia.

Não há, entre os grupos, um específico para abordar as questões relacionadas aos militares. Mas episódios que envolvem membros das Forças Armadas estão presentes em quase todos os grupos da comissão. Por exemplo, a investigação sobre intermediárias resvala na atuação do coronel Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, e de Roberto Dias, que também tem origem militar. E um dos grupos, conduzido pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE), abordará a utilização da cloroquina contra a Covid-19.

O Exército chegou a enviar à CPI um relatório sobre a produção de cloroquina em seus laboratórios. O documento foi uma resposta a uma requisição elaborada pelo relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL). No texto, o Exército diz, entre outras informações, que distribuiu 2,4 milhões de comprimidos de cloroquina em 2020. Em 2019, ano anterior à deflagração da pandemia de Covid-19, não houve distribuição do medicamento.

A CPI também pediu a relação de documentos conectados com a exoneração de Dias do Ministério da Saúde, que se deu durante a gestão do general Eduardo Pazuello.

Os documentos sobre os militares se somam a outros sobre diferentes temas que levam a CPI a ter um acervo de mais de 1 terabyte de conteúdo, que está sob análise dos parlamentares durante o período de recesso.


Quem são os militares no radar da CPI


Eduardo Pazuello: general do Exército e ministro da Saúde entre maio de 2020 e março de 2021. Ele já depôs à CPI em duas ocasiões e alguns parlamentares defendem nova convocação. Pazuello estaria por trás de ações como o estímulo ao tratamento precoce e o retardamento da compra de vacinas. Mais recentemente, foi também envolvido nas denúncias de corrupção, após a divulgação de um vídeo que o mostrou, na condição de ministro, dialogando com empresários que queriam vender a Coronavac ao Ministério.


Elcio Franco: general do Exército, ex-“número 2” da Saúde e ainda ocupante de cargos de confiança no governo. Franco teria, segundo as acusações, ligação com o esquema que privilegiaria a compra das vacinas Covaxin. Ele foi citado pelo servidor Luís Ricardo Miranda, irmão do deputado Luís Miranda (DEM-DF). A menção levou Franco a dar uma entrevista coletiva ao lado do ministro Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral) para tentar rebater as declarações do parlamentar.


Alex Lial Marinho: tenente-coronel do Exército e ex-integrante do Ministério da Saúde. Segundo Luís Ricardo Miranda, irmão do deputado, Marinho teria sido um dos principais autores das pressões que recebeu para agilizar a aquisição da vacina Covaxin.


Marcelo Bento Pires: coronel do Exército, também mencionado por Luís Ricardo Miranda como um dos autores das pressões para a Covaxin.


Luciano Dias Azevedo: tenente da Marinha que redigiu a minuta da nova bula da cloroquina, que mencionaria o medicamento como eficiente para o combate à Covid-19. Apesar de figurar formalmente como investigado na CPI, porém, Azevedo teve seu nome relegado ao segundo plano na comissão, já que o foco recente das investigações se pautou mais nas denúncias de corrupção.


Marcelo Blanco: tenente-coronel do Exército. Ele teria sido um dos participantes do jantar em que Roberto Ferreira Dias, de acordo com a acusação, pediu propina para garantir que o Ministério da Saúde adquirisse vacinas intermediadas pela Davati.


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