Monumentos históricos
Por
Célio Martins
Estátuas do bandeirante Borba Gato, do escravagista Edward Colston e do colonizador Cristovão Colombo.| Foto: Reprodução/Redes sociais
Nas últimas décadas, o mundo tem presenciado a derrubada e destruição de estátuas em diversos países. Os monumentos em homenagem a Josef Stalin desapareceram dos países do Leste Europeu após a queda da União Soviética. Em 2003, soldados do Exército norte-americano destruíram a estátua de Saddam Hussein, em Kerbala, após a invasão do Iraque. Nos EUA, diversos monumentos vinculados à escravidão e ao colonialismo, como as estátuas de Colombo, foram alvo de ataques no ano passado. No Reino Unido, a estátua do traficante de escravos Edward Colston foi ao chão. E no sábado (24), em São Paulo, manifestantes incendiaram uma estátua do bandeirante Borba Gato – um fugitivo da Lei, contrabandista de ouro, ligado à escravidão de índios e negros no Brasil e que teve papel de destaque nas entradas pelo sertão brasileiro.
As ações de manifestantes, com foco em estátuas e monumentos de figuras históricas controversas, revelam o anseio das populações de um grande número de países de revisar a história. Da mesma forma, há pessoas nesses países que defendem a manutenção da história como foi contada. Após o episódio em São Paulo, por exemplo, enquanto muitos se manifestaram a favor da retirada das estatuas e monumentos ligados à escravidão, outros se posicionaram a favor da manutenção delas por entender que fazem parte da história.
“Borba Gato, bandeirante, foi um escravocrata responsável pela morte de povos indígenas durante a interiorização do território brasileiro. Hoje, a estátua de Borba Gato, situada no bairro de nome homônimo, no distrito de Santo Amaro, presta homenagem à sua biografia genocida”, descreve uma das petições online endereçadas à Secretaria Municipal de Cultura cobrando a retirada da estátua.
Em 2020, quando apareceu na mídia o movimento pela retirada da estátua do bandeirante Manuel de Borba Gato, o jornalista e escritor Laurentino Gomes, autor dos dois volumes de Escravidão (Globo Livros), publicou nas redes sociais ser contra a demolição das estátuas e outros monumentos que representam figuras controversas. “Estátuas, prédios, palácios e outros monumentos são parte do patrimônio histórico. Devem ser preservados como objetos de estudo e reflexão”, escreveu no Twitter numa sequência de posts sobre a história de Borba Gato.
Nos EUA, em junho de 2020, a presidente da Câmara dos Representantes (deputados), Nancy Pelosi, exigiu que estátuas de confederados que se opunham ao fim da escravidão no país fossem removidas da sede do Legislativo americano. “Os monumentos de homens que defenderam a crueldade e a barbárie para alcançar um fim puramente racista são uma afronta grotesca aos ideais americanos de democracia e liberdade”, escreveu Pelosi.
Governadores de vários estados anunciaram a retirada de estátuas de personalidades escravagistas. No estado da Virgínia foi retirado um monumento ao oficial militar Robert E. Lee. No Alabama, outro escravagista, o almirante confederado Raphael Semmes, também teve sua estátua removida.
Estátua do general confederado Stonewall Jackson é removida em Richmond, Virgínia (EUA).| Reprodução/Facebook
Em Londres, também em junho do ano passado, o prefeito Sadiq Khan anunciou que todas as personalidades homenageadas em forma de estátuas seriam analisadas, a fim de retirar as que apresentassem ligação com o sistema da escravidão. A decisão do prefeito foi tomada após manifestantes terem derrubado em Bristol a estátua de mais de 5 metros de altura do comerciante Edward Colston (1636-1721), responsável pelo tráfico de escravos, levando milhares de negros da África às Américas para mover as atividades de suas empresas.
Figuras que apoiaram o sistema escravocrata ao redor do mundo, assassinos de povos originários, ditadores cruéis e outros genocidas são homenageados em várias partes do mundo por meio de estátuas, monumentos e livros de história. A onda revisionista que tem como alvo estatuas de figuras controversas mostra a necessidade de recontar a história, sem parcialidade.
Quem estudou no estado de São Paulo, como eu, por exemplo, sabe que a história dos bandeirantes paulistas durante muito tempo foi ensinada nas escolas parcialmente. Os livros escolares contavam que os bandeirantes eram heróis, escondendo o lado bárbaro e cruel daqueles que adentravam os sertões.
As estátuas de figuras com histórico marcado por ataque aos direitos humanos precisam ser retiradas e contextualizadas com os fatos reais. Faz mal à história e ao mundo pintar genocidas, ditadores, escravagistas e outros bárbaros como heróis, apagando as atrocidades que praticaram. Ao colocar esses personagens em seus devidos lugares, sem parcialidades, abre-se a possibilidade para gerações futuras terem conhecimento integral dos fatos que determinaram a formação da sociedade.
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