Há cerca de 150 anos, os primeiros passos rumo a uma matriz energética global sustentável eram dados
Guy Perelmuter, O Estado de S.Paulo
A US Energy Information Administration (EIA, Agência de Informação de Energia) faz parte do Departamento de Energia dos Estados Unidos, e é responsável pela obtenção e análise de informações sobre o setor. De acordo com a entidade, em 2013 o mundo consumiu cerca de 567 EJ (um exajoule é aproximadamente equivalente à energia contida em 174 milhões de barris de petróleo). A energia solar absorvida pela atmosfera, oceanos e continentes a cada 90 minutos é de cerca de 660 EJ. Em outras palavras, a Terra recebe mais energia em uma hora e meia do que sua população consome em um ano. Os desafios tecnológicos para transformar este potencial em eletricidade residem, entre outros fatores, nos próprios painéis solares, que atualmente atingem entre 15% e 25% de eficiência na conversão da radiação solar em eletricidade (há casos em que taxas de 40% são alcançadas) e na capacidade de armazenamento de energia das baterias.
Vimos aqui que a primeira tentativa documentada de transformar energia solar em eletricidade é de 1883, quando Charles Fritts – morador de Nova Iorque – relatou que “revestir selênio com uma fina camada de ouro produz uma corrente contínua, constante e de força considerável”. A eficiência da conversão não chegava a 2%. Em setembro de 1888, o químico e engenheiro inglês naturalizado norte-americano Edward Weston (1850-1936) recebeu duas de suas trezentos e trinta e quatro patentes nos EUA por sua invenção para “transformar a energia radiante derivada do sol em energia elétrica ou, por meio da energia elétrica, em energia mecânica”. Menos de dez anos depois, em agosto de 1897, foi a vez de Harry Reagan patentear as baterias térmicas (que, como o próprio nome diz, armazenam energia térmica e não eletricidade).
Uma curiosidade científica pouco conhecida é que Albert Einstein (1879-1955) ganhou o Prêmio Nobel de Física de 1921 “por seus serviços à Física Teórica, e especialmente por sua descoberta da lei do efeito fotoelétrico”. Este é justamente o efeito observado quando luz com um nível mínimo de energia atinge um metal e “liberta” um elétron (que passa a ser chamado de fotoelétron), e é o motivo pelo qual painéis solares funcionam.
Foi em 1954 que Daryl Chapin, Calvin Fuller e Gerald Pearson – três cientistas do famoso Bell Labs, de onde surgiram múltiplas tecnologias revolucionárias como o transistor, o laser e o sistema operacional UNIX – criaram a primeira célula solar capaz de converter energia solar em quantidade suficiente para fornecer energia para um equipamento elétrico através de uma célula fotovoltaica de silício. A eficiência obtida na conversão da energia solar em energia elétrica era de cerca de 6%. Ao longo dos últimos cinquenta anos, avanços em ciências de materiais e em manufatura permitiram o incremento gradual deste percentual, que deve seguir aumentando. O custo por watt das células fotovoltaicas despencou de US$76,00 em 1977 para US$0,30 em 2015 – uma redução de 99,6% – segundo dados da Bloomberg New Energy Finance e da EnergyTrend.
No segmento de geração de energia, um dos conceitos fundamentais para avaliação de uma tecnologia é o “custo nivelado da energia” (LEC, levelized cost of energy), que procura representar a receita média necessária para recuperar os custos de construção e operação de uma usina. As decisões de investimento em fontes renováveis ou não-renováveis passam por esse conceito, e seus desdobramentos são importantes para que possamos atuar em um dos principais causadores do efeito estufa – quando gases na atmosfera impedem que raios solares refletidos a partir da superfície do planeta voltem para o espaço, causando assim o aquecimento global. Dados da plataforma Climate Watch indicam que em 2018 as emissões globais de gases de efeito estufa eram equivalentes a 48,94 bilhões de toneladas de CO2, sendo a geração de energia elétrica responsável por quase um terço deste valor (ou 15,59 bilhões de toneladas de CO2 equivalente).
A importância deste tema não pode ser subestimada, considerando-se a crescente demanda por energia em nossa sociedade. Na próxima coluna, iremos falar sobre as tecnologias e os custos de geração de eletricidade. Até lá.
*FUNDADOR DA GRIDS CAPITAL E AUTOR DO LIVRO “FUTURO PRESENTE – O MUNDO MOVIDO À TECNOLOGIA”, VENCEDOR DO PRÊMIO JABUTI 2020 NA CATEGORIA CIÊNCIAS. É ENGENHEIRO DE COMPUTAÇÃO E MESTRE EM INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL