A morte de Tarcísio Meira faz refletir sobre o modo de enfrentamento do luto de um dos parceiros Dra. Andréa Ladislau é psicanalista, psicopedagoga, Membro da Academia Fluminense de Letras e colunista de diversos veículos de imprensa nacional Perdeu a arte, perdeu a televisão e o cinema, perdeu a família, perderam os fãs e amigos, perdeu o Brasil…um de seus maiores artistas: o ator Tarcísio Meira. Essa semana por complicações da Covid-19 fomos todos surpreendidos pela morte de Tarcísio que aos 85 anos deixa filhos, netos e a companheira de uma vida inteira: Glória Menezes. Os dois foram casados por quase 60 anos. Cúmplices da vida e da arte, Tarcísio e Glória mostravam total sintonia em cada trabalho nas telas e sempre deixavam claro nas entrevistas que não saberiam viver um sem o outro. A partida do ator Tarcísio Meira, nos leva a refletir sobre o enfrentamento do luto e como lidar com a ausência e a perda de uma pessoa com quem se conviveu por muitos anos. Uma dor imensurável, carregada de muita tristeza e dor, modificando de forma drástica a realidade de Glória Menezes; obrigando-a a conviver com a saudade e ausência de seu grande companheiro. Falar de luto nos remete à melancolia e suscita lembranças que causam dor e muita nostalgia. Sentimentos saudosos de pessoas queridas que se foram e o sofrimento por reviver na memória essa perda emocional. O luto é uma experiência profunda e individual que se define pela capacidade de enfrentamento da partida do outro. É o estado de recolhimento. E esse estado passa por algumas etapas, das quais naturalmente, o ser humano vivencia conforme sua individualidade. Alguns com mais ou menos intensidade. Ou seja, a intensidade está ligada à estrutura sentimental de cada um ao aprender a lidar com as etapas nas quais o luto se apresenta. Mas, o mais importante é não pular nenhuma dessas etapas. Se cada uma delas for bem elaborada o indivíduo poderá alcançar um equilíbrio consciente, apesar de toda dor envolvida. Vamos então, à uma breve análise das fases do luto: a primeira fase do luto é a negação, quando as pessoas negam a situação para combater as emoções que estão experimentando por causa de sua perda. A raiva é a segunda etapa, que ocorre quando os efeitos da negação começam a se desgastar. A raiva envolve uma efusão de emoções da pessoa que sofre, que pode se sentir irritada com a pessoa que a deixou ou com o que possa ter perdido. Em seguida, temos a fase de negociação. Uma negociação, em que a pessoa de luto pode experimentar pensamentos do tipo “se apenas…”. Na quarta fase do luto temos a depressão, que surge quando as pessoas têm de enfrentar os aspectos práticos da sua perda. E por fim, temos a fase da aceitação, em que após externar sentimentos e angústias, inveja pelos vivos e sadios, raiva pelos que não são obrigados a enfrentar a morte, lamento pela perda iminente de pessoas e de lugares queridos, a tendência é que o parceiro que ficou aceite sua condição e comece a elaborar estratégias pessoais de adaptação dentro de sua nova realidade. Mas resistir e pular etapas pode fazer com que o sofrimento seja prolongado e gere assim, traumas emocionais. Por esse motivo, é importante vivenciar o luto, entregar-se à dor e chorar. Respeitando, claro, o tempo de cada um. Mas quando falamos em luto é normal que se faça associações equivocadas em relação à atmosfera que envolve esse tema. Fato é que não sabemos lidar com a morte e temos um compromisso cultural com a nossa própria felicidade e com a felicidade do outro. Agimos, instintivamente, na direção da eliminação da dor da perda de alguém ou da rápida recuperação de um amigo enlutado. E não estamos preparados para tratar disto. O que precisa ficar claro é que o luto não é doença, assim como a tristeza não é depressão e, é um equívoco acreditar que existe um tempo cronológico para essa tristeza ou essa dor terminar. Somos seres individuais e cada um irá agir de uma maneira. O luto não se define por seu tempo de duração, mas sim pelo processo de elaboração sobre a morte. E desta forma podemos classificar o luto como prolongado ou complicado. A maneira como compreendemos o momento do luto, pode ser crucial. Temos um tempo interno, que se chama Kairós, ele sim irá designar o tempo correto em que essa dor será amenizada. Diferente do tempo Chronos, o tempo que mede os dias e as horas. Se expressar sobre o luto é importante, já que, psicologicamente não poder manifestar sua dor é uma agressão e pode alimentar outras dores somatizadas com angústia. Verbalizar é o que vai ajudar a elaborar e a sair do luto mais rápido. É um recurso muito positivo e muito saudável. Falar e ouvir sua dor. E aqui, entra uma outra questão importante em todo esse processo: como é difícil aguentar ouvir a dor do outro e como não estamos preparados ou não preparamos nossos filhos para essa atitude diante do sofrimento alheio. Nem sempre estamos preparados emocionalmente para esse ato empático. É importante entendermos que não existe dor maior ou menor. Existe dor e cada um vive essa dor conforme sua própria bagagem de vida. Não existe fim do luto, existe fim do processo de sua elaboração. É exatamente o momento em que o enlutado começa a fazer planos sem a pessoa que morreu ou sem aquilo que perdeu ou teve fim (como um relacionamento amoroso, por exemplo). É quando o indivíduo se permite ser feliz sem culpas. Onde a maior constatação que temos, é exatamente a de que essa elaboração leva o tempo interno que cada um necessita. A tolerância à frustração, a capacidade de adaptação e a resiliência são características muito humanas, que podem facilitar o aceite dessa nova realidade. Sabemos que a vida não é um contínuo estático, vivemos em uma constante mudança e o ser humano, nesta perspectiva, pode ser capaz de seguir em frente nas situações mais adversas. O importante não é cair, mas voltar a se levantar. Portanto, o fato de estarem sempre muito juntos, em uma união duradoura e envolvidos em atividades prazerosas, como é o caso de Tarcísio e Glória, faz com que ela possa vir a ter ainda mais dificuldades para superar o luto. Porém, diante de todo relato, é igualmente importante que a perda não seja reprimida. Do contrário, até em função da idade e dos anos já vividos por ela, a dor do luto pode se manifestar, posteriormente, como algum outro sintoma. Nesse momento, até por sua idade também avançada, o acolhimento, a atenção e uma boa rede de apoio são de suma importância para que ela consiga desejar viver, mantendo a alegria e espontaneidade que sempre esteve muito presente ao lado do marido. Além disso, o luto não é considerado uma condição patológica. E é comum que haja mudanças temporárias no estilo de vida, na diminuição do interesse pelo convívio social e pelas atividades do cotidiano. Sensações e emoções normais que surgem neste período. Mais do que nunca, nossa querida atriz, assim como qualquer outra pessoa que vive a ausência de alguém tão especial, do grande amor de sua vida, deverá trabalhar a elaboração da perda para se fortalecer e encontrar ferramentas para enfrentar as frustrações e dores causadas pela perda de seu companheiro de vida e de tantos trabalhos. Enfim, se essa elaboração for difícil, o mais recomendável quando não se está dando conta de todo esse turbilhão é buscar a ajuda de um profissional de saúde mental para que se possa desenvolver uma visão mais realista do processo do luto. Desta forma, Glória e outras tantas pessoas que vivem a dor da perda de um ente querido, conseguirá eliminar o desespero e dar lugar a uma maior serenidade, através do enfrentamento consciente da saudade. |