Reforma administrativa

Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília

Relator da reforma administrativa, Arthur Maia (DEM-BA), presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e presidente da comissão especial da PEC 32, Fernando Monteiro (PP-PE), falam em coletiva à imprensa: clima político para a aprovação da proposta é favorável.| Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

O clima político para a reforma administrativa mudou 180°. Se há quase três meses o cenário era desolador para os defensores de uma reestruturação do Estado, hoje o ambiente é propenso à aprovação do parecer do relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) 32/2020, Arthur Maia (DEM-BA).

“O relatório melhora o texto original em 1.000%. É um avanço extraordinário em relação ao [texto] que o governo mandou”, afirmou o senador Antonio Anastasia (PSD-MG) na quarta-feira (1.º), em um evento da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado realizado em conjunto com o site Ranking dos Políticos e o Centro de Liderança Pública (CLP). Ao todo, compareceram 19 parlamentares.

A avaliação de Anastasia, vice-presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, é contundente. Ex-vice-presidente do Senado e ex-governador de Minas Gerais, ele é um parlamentar respeitado entre seus pares e também na Câmara, onde atuou como um dos principais colaboradores e articuladores da espinha dorsal da reforma administrativa: a regulamentação da gestão da avaliação de desempenho.

A avaliação de desempenho e a manutenção da estabilidade para todos os servidores públicos concursados – uma das principais reivindicações de deputados – foram as principais mudanças em relação ao texto original da PEC 32 enviada pelo governo. E são essas alterações as principais responsáveis por criar as condições de aprovação do texto.


A PEC 32 foi classificada por Anastasia como a “reforma da gestão da avaliação de desempenho”. Ele lembrou de quando atuou, em 1998, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que aprovou uma reforma administrativa que incluiu na Constituição a possibilidade de desligamento de servidores por insuficiência de desempenho. Porém, isso nunca foi regulamentado e, desde então, é uma “letra morta” constitucional.

O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, reconhece que a regulamentação da gestão de desempenho é um dos fatores que ajuda a criar um clima favorável pela aprovação. “Enquanto não for aprovada uma lei de regulamentação, vale o que está na PEC. Então, temos um avanço significativo para que a avaliação de desempenho possa começar a valer após 23 anos”, avaliou.

A manutenção da estabilidade aos servidores públicos também é um assunto pacificado dentro da bancada temática da reforma administrativa, entre deputados independentes e até da base do governo. A oposição, naturalmente, é favorável.

“Acho que, durante muito tempo, ficou uma discussão muito centrada no fim da estabilidade ou não. Fim de estabilidade não é uma ‘bala de prata’ que vai resolver todos os problemas do setor público e também não é um ‘manto sagrado’ que não poderia ser discutido”, disse Mitraud.

O fim da estabilidade acabou tomando uma proporção sobre como se “fosse resolver a administração pública”, reforçou Mitraud. Ele entende ser uma decisão acertada a do relator em manter a estabilidade para, assim, criar as condições de se aprovar a matéria no Congresso, avançando nas possibilidades de perda de função em decorrência da avaliação de desempenho.

Outro ponto avançado pelo relatório de Arthur Maia e que pode ser mantido como substituição ao fim da estabilidade é o de avaliações semestrais durante os três anos de estágio probatório do servidor, que, em caso de insuficiência de desempenho, poderia ser desligado. “Hoje, isso quase não acontece”, destacou Mitraud.

Os fatores políticos que favorecem a aprovação da reforma administrativa
As mudanças no relatório ajudaram a criar as condições de se aprovar a PEC 32 na comissão especial e no plenário da Câmara. Mas para chegar até a redação apresentada foram necessárias muitas costuras políticas de bastidores e muito diálogo. Como a Gazeta do Povo informou anteriormente, o presidente Jair Bolsonaro “tirou o pé” da discussão sobre a matéria a pedido de aliados políticos e coube ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), manter seu compromisso como ministro da Economia, Paulo Guedes, e a agenda econômica.

O presidente da Câmara atuou nos bastidores como um “primeiro-ministro” e negociador político do governo para articular modificações substanciais que tornariam possível a aprovação da PEC 32, mesmo ciente das pressões corporativistas existentes no Congresso até entre parlamentares do Centrão – e não apenas na oposição, em geral mais alinhada ao funcionalismo.

Os principais sinais do interesse de Lira em aprovar a PEC 32 foram dados quando ele anunciou um aliado pessoal para presidir a comissão especial da matéria, o deputado Fernando Monteiro (PP-PE), e escolheu Arthur Maia o relator. O demista foi um dos que ajudaram a rachar o DEM e ampliar o apoio a Lira em sua candidatura à presidência da Casa.

Mesmo sem influência de Bolsonaro, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), manteve contato próximo de Lira e Maia nas últimas semanas sobre a montagem do relatório. O Centrão, grupo político que eles integram, é muito pragmático. Há uma preocupação maior da base do governo em ter uma reforma que possa ser aprovada do que o “texto ideal” que não seria aprovado.

A liderança do governo, agora, faz as costuras políticas e começa a fazer a contagem dos votos na comissão especial e no plenário. Para a matéria, o Executivo espera ter os votos de PSL, PP e PL e trabalha para obter os votos do Republicanos e PSD. “Essa é a espinha dorsal. O PSL vai votar a favor, PP e PL vão caminhar juntos, sem pressão. Se vier o Republicanos e o PSD, acabou, está aprovada”, disse uma liderança do governo.

O líder do Novo, Paulo Ganime (RJ), também acredita que a proposta será aprovada na Câmara. “Acho que passa, até porque o Arthur Lira quer ter essa vitória. Porque se não for este ano, ano que vem que não será”, avaliou, em referência ao calendário eleitoral de 2022.

Deputados prometem luta por aprimoramentos no texto
Mesmo o relatório atual sendo melhor e evitando atritos políticos que poderiam contaminar a aprovação, deputados mantêm a defesa de aprimoramentos ao texto. Tiago Mitraud, por exemplo, defende a inserção de critérios técnicos para a ocupação de cargos comissionados e a inclusão de membros do Judiciário e do Ministério Público na reforma administrativa.

Autor da emenda que inclui juízes e promotores na reforma, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) considera ser “absolutamente inaceitável” propor uma reforma administrativa sem incluir a “elite do funcionalismo público”.

“É preciso reverter esse cenário de Estado concentrador de renda, de pobreza e perpetuador de desigualdade social. Não faz sentido sequer a existência de um Estado se a gente tem uma realidade em que ele tira dinheiro do pobre para passar para o mais rico”, declarou.

A deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF) defendeu a aprovação da reforma e comemorou que ela esteja sendo discutida antes de uma profunda reforma tributária. “Não adianta arrumarmos a ‘casa’ e continuarmos gastando a mesma coisa. A reforma administrativa é fundamental para termos a condição de administrar e fazer uma governança de qualidade”, destacou.

A favor do aprimoramento, Mitraud promete lutar contra os retrocessos ao texto. Para ele, a tendência em uma reforma como a sugerida pela PEC 32 é “sempre piorar” nas votações dos destaques. “Acho difícil piorar na comissão [especial]”, analisou o deputado, que prevê interesses corporativistas nas propostas de destaques em plenário, como a inclusão de algumas categorias nas carreiras exclusivas da reforma.

“Acho que é o principal ponto de pressão que vai ter. Já começou: ‘professor tem que ser carreira exclusiva, profissional da saúde [também]’. E o grosso das emendas [apresentadas na comissão especial] eram nessa linha”, justificou Mitraud. O parecer propôs tratamentos diferenciados a algumas carreiras exclusivas, em que vetou o regime de contrato temporário e redução salarial e de jornada.

Embora discordem de pontos específicos da reforma, deputados do Novo acreditam que a forma atual é “melhor do que não ter” uma reforma. O que os preocupa é a inserção de uma categoria como a dos professores nesse mesmo tratamento diferenciado, uma vez que é uma classe que tem muitas contratações temporárias.

“Eu espero que tenha melhoras, mas, sendo realista, acredito que vão tentar mudar todos para pior. O problema todo é o corporativismo”, disse Ganime, lembrando que mesmo entre o Centrão há deputados sensíveis às pressões de corporações. “Abriram brechas no congelamento de salários na PEC Emergencial. Na reforma administrativa, esse é um perigo que corremos”, acrescentou.

Quais as chances de aprovação da reforma administrativa no Senado
O senador Antonio Anastasia é otimista quanto à perspectiva de aprovação da PEC 32 no Senado, caso ela passe pela Câmara. Ele entende que a temperatura política “está muito bem”. “Me parece positiva, mas tudo é muito relativo”, ponderou. Em seu partido, o PSD, ele calcula que a maioria votaria a favor da reforma.

“Não posso dizer que seria unânime, mas praticamente isso. Acho que todo político percebe que a reforma administrativa é um tema relevante em que o país precisa avançar, até a oposição ao governo”, afirmou. Anastasia disse que, pelo pouco contato que teve com o presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, deputado Professor Israel Batista (PV-DF) — que é opositor do governo —, sentiu que há condições favoráveis para o debate.

“A reforma tem que ser dinâmica, a administração tem que ser dinâmica. Existem temas e proposições contraditórias, que é o normal da democracia. A reforma é imprescindível para um governo e um poder público mais eficiente, para nós todos”, sustentou.

Apesar da confiança de Anastasia, a leitura feita pela liderança do governo na Câmara não é a mesma, sobretudo após a rejeição e arquivamento da medida provisória 1.045, que, modificada pelos deputados, virou uma “minirreforma trabalhista”. “O Senado não entrega nada”, criticou um deputado da base governista.

O arquivamento da MP levou Lira a criticar o Senado. O texto originalmente previa apenas a renovação do programa emergencial de corte de jornada e de salários na iniciativa privada, mas passou a prever programas de emprego — resgatando medidas do programa Carteira Verde e Amarela, que vigorou por alguns meses em 2020 — e requalificação profissional. Parte deles seria bancada com recursos que, hoje, são destinados pelas empresas ao Sistema S.


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