Versão governista
Por
Olavo Soares – Gazeta do Povo
Brasília
Senadores governistas da CPI: Luis Carlos Heinze, Eduardo Girão, Jorginho Mello e Marcos Rogério| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
O relator da CPI da Covid do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), indicou que deve entregar seu relatório final sobre os trabalhos da comissão na segunda quinzena de setembro. Calheiros faz oposição ao presidente Jair Bolsonaro e, por isso, é esperado que o relatório seja carregado em críticas ao chefe do Executivo. Como resposta, tem ganhado corpo a ideia de que os senadores governistas que integram a CPI devem produzir um relatório alternativo. O senador Marcos Rogério (DEM-RO) está na liderança do processo.
A ideia do texto governista é combater o que eles chamam de narrativas seletivas por parte da oposição. Os apoiadores de Bolsonaro contestam a CPI por, na avaliação deles, ter avançado pouco nas denúncias de corrupção que envolvem governos estaduais e municipais que receberam verbas federais para o combate à pandemia de coronavírus.
Os senadores pró-Bolsonaro pretendem enfatizar questões que costumam reforçar durante as reuniões públicas do colegiado, como a acusação de desvios que teriam sido promovidos pelo Consórcio Nordeste, que envolve os nove estados da região. O tema pode ser foco de uma nova CPI. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) está angariando apoios para a instalação de uma CPI mista, unindo senadores e deputados, que teria como objetivo exclusivo a análise de denúncias que recaem sobre os gestores locais.
Outro ponto que os governistas pretendem enfatizar no relatório alternativo é a defesa do chamado tratamento precoce contra a Covid-19, com o uso de medicamentos como cloroquina e ivermectina – este campo é um dos que mais opõe governistas e oposicionistas na CPI. Os defensores do governo se posicionam como favoráveis à autonomia médica e dizem que o tratamento precoce acabou criminalizado por critérios políticos.
Ao portal UOL, o senador Marcos do Val (Podemos-ES), membro suplente da comissão, disse que é possível que o relatório alternativo traga críticas à atuação do governo federal. Entre os elementos que podem ser citados como exemplos disso são a politização em torno das vacinas e a resistência ao uso de máscaras. Mas, em contraste ao texto dos oposicionistas, as eventuais críticas à gestão Bolsonaro serão mencionadas como falhas, e não como crimes.
A reportagem do UOL sobre o relatório alternativo cita ainda que a produção do texto conta com a participação do próprio Palácio do Planalto. Segundo o texto, senadores governistas se reuniram com ministros do governo e com o ex-ministro Eduardo Pazuello, que foi o titular da Saúde por mais de um ano. Os integrantes do governo, de acordo com o UOL, sustentaram a versão de que eventuais suspeitas de irregularidades que envolvem o Ministério teriam sido praticadas por funcionários de escalões inferiores e que não houve despesas efetivamente concretizadas. Este argumento é habitualmente pelos senadores bolsonaristas da CPI.
Ideia de relatórios alternativos é antiga
Declarações recentes de parlamentares governistas confirmaram a ideia de se produzir um relatório alternativo para a CPI. Mas a ideia de se elaborar um texto paralelo surgiu ainda nas semanas iniciais da comissão.
Em maio, ainda antes de o colegiado completar um mês de existência, os governistas já discutiam a concepção de um texto paralelo. A análise dos parlamentares pró-Bolsonaro era de que o ambiente na CPI tenderia a ser difícil para os governistas, já que eles não apenas estavam em minoria contando a totalidade dos membros, mas também de que todos os postos-chave da comissão – presidência, vice-presidência e relatoria – ficaram com adversários do Palácio do Planalto.
Na ocasião, ainda não se falava em episódios como o caso Davati, o “jantar da propina” e o suposto privilégio para a compra das vacinas Covaxin dentro do Ministério da Saúde. Mas o governo já era alvo de duras críticas por conta da gestão do combate à pandemia. A oposição, à época, se pautava principalmente em argumentos como a demora para o início da vacinação, a insistência na defesa do tratamento precoce e o que considerava uma “atitude negacionista” por parte de Bolsonaro, como a recusa em utilizar máscaras e evitar aglomerações.
Mesmo o front oposicionista da CPI chegou a cogitar a produção de relatórios alternativos para além do texto definitivo. Mas aí o intuito seria diferente do sugerido pela oposição. As ideias que foram aventadas eram as de construir textos mensais ou com alguma periodicidade antes do texto final, ou mesmo textos que teriam enfoque em questões específicas da CPI. Parlamentares chegaram a dizer que o volume de conteúdo discutido pela comissão poderia fazer com que alguns assuntos “morressem” e deixassem de ser debatidos pelo colegiado, e os relatórios preliminares evitariam o problema. Mas a proposta acabou descartada.
O relatório simboliza a conclusão da CPI. O texto sintetiza as investigações feitas pela comissão e pode resultar no indiciamento das pessoas citadas. Seu principal resultado efetivo é o repasse de informações aos órgãos de controle, como o Ministério Público, que se torna responsável por, eventualmente, dar continuidade nas investigações e pedir a abertura de ações penais.
Qual o potencial de um relatório alternativo?
O relatório elaborado pelo relator da CPI precisa ser submetido a votação da totalidade dos membros da comissão. Se aprovado, ganha a chancela de documento “oficial” da CPI.
Já o paralelo dispensa esta etapa. A explicação é do advogado Bruno Milanez, doutor em Direito Processual Penal e especialista em criminologia: “nada impede que outros membros da comissão venham a atingir conclusões diversas daquelas obtidas pelo Presidente, apresentando, em paralelo e através de simples requerimento, outros pedidos de providência que entendam cabíveis. Não se trata, propriamente, de um documento oficial da CPI, mas um simples requerimento, que poderia inclusive ser formulado por qualquer parlamentar que teve acesso aos autos e verificou a existência de possíveis condutas irregulares não acobertadas no relatório da CPI”.
A possibilidade de construção de outro relatório, aponta Milanez, é acessível até mesmo a senadores que não fizeram parte da CPI, nem mesmo na condição de suplentes. “Como os resultados da CPI podem ser acessíveis aos parlamentares em geral – não sendo incomum que senadores e deputados que não integram a CPI participem de algumas sessões –, nada obsta que qualquer deles que tenha contato com os elementos produzidos identifique a ocorrência potencial de ilícitos não descritos no relatório oficial, comunicando-os aos órgãos competentes para que as providências legais sejam concretamente adotadas”, disse o advogado.
E em termos de consequências – ou seja, do que ocorre após a entrega do relatório – o texto oficial e o alternativo pouco diferem, segundo Milanez. Isso porque quem dá o encaminhamento posterior são os órgãos de controle, não havendo atuação do Congresso nesta parte do processo.
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