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Madeleine Lacsko – Gazeta do Povo
Presidente Jair Bolsonaro discursa na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York| Foto: Alan Santos/PR
Pouco importa se você gosta ou não gosta do presidente Jair Bolsonaro. Vi todo tipo de fala sobre o discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas. Como quem comenta não tem, na maioria das vezes, a menor familiaridade com este universo, o comentário não é sobre o discurso. Quem gosta de Bolsonaro diz que discursou como um estadista. Quem não gosta diz que é a maior vergonha mundial.
Como eu não sou psiquiatra, não julgo as duas visões. Tenho experiência no ambiente e em estrutura de discurso. Em termos de conteúdo, praticamente repete os anteriores mas com tintas mais suaves, foi mais ameno. Já sobre a estrutura, a eterna questão do dinheiro mal gasto. Especialistas ganham melhor que você e eu para escrever isso e montam uma redação de quinta série em vez de um discurso de Chefe de Estado. Paciência, a gente paga qualquer coisa desde sempre sem reclamar.
Ocorre que a presença de Jair Bolsonaro na Assembleia das Nações Unidas não é uma vergonha para o Brasil, é o retrato do Brasil. Ele não tomou o poder à força e não se mantém à força. Chegou por maioria de votos e se mantém porque conta com o apoio de quem manda nos universos político, econômico e militar. Quem sempre foi contra Bolsonaro faz parte do jogo de forças que deu este resultado. Fôssemos adultos, assumiríamos.
Diga com toda sinceridade se tem um suco de Brasil mais legítimo do que o nosso ministro da Saúde pegar COVID justo na Assembleia da ONU e a Anvisa botar toda a comitiva presidencial em quarentena? Eu tenho plena convicção de que o roteirista da política do Brasil já se perdeu no vício em crack muitos capítulos atrás. Nessa, no entanto, fiquei preocupada. Se continuar essa esculhambação, daqui a pouco não deixam a gente viajar nem para Osasco.
A política do “nós contra eles” está entranhada na alma do brasileiro. Pouco importa quem começou com isso, o fato é que ficou e trata-se de uma dinâmica social maligna. Aliás, repare bem, foi só piorando com os anos e com as redes sociais. Já vivemos como se fosse normal brasileiro contra brasileiro, defender espancamento por divergência política, comemorar morte e achar que tudo é culpa do outro grupo. Ocorre que não tem outro grupo, só tem a gente, povo brasileiro.
Jogar a culpa no coleguinha virou esporte nacional. O divisionismo é maligno porque incapacita a sociedade civil, impede qualquer reação. Geralmente é nesse ponto que alguém aponta que o Lula começou com isso. Verdade, só que a gente terminou, nos deixamos dominar por isso, lulistas ou antilulistas. Estamos divididos em grupos cada vez menores e mais fracos porque ninguém é bom o suficiente para estar naquele grupo.
Nós nos deixamos dividir e resolvemos passar os dias nas redes sociais buscando culpados. Claro, não fui eu, não tenho culpa de nada, eu avisei, eu sempre disse isso, a culpa é de quem foi contra mim. É outro suco de Brasil acreditar em coitadismo e passar a mão na cabeça de incompetente. Quem esteve contra Bolsonaro foi derrotado pela própria incompetência, mas continua agindo igual. O retrato disso é um presidente que fala só para seus apoiadores, nós produzimos isso e não parece que mudamos de atitude.
Cada formador de opinião fala só para os seus apoiadores, todo o resto não presta. E os motivos são sempre muito chocantes, como fascismo, comunismo, racismo, gayzismo, machismo, algo que precisa ser rejeitado com veemência. Na maioria das vezes não é nada disso, mas basta gritar algum “ismo” para alguém e a discussão está vencida. A pessoa será atacada em massa porque aquele grupo não a considerará boa o suficiente para ter o direito de existir. Quem liderou o ataque ganha poder.
Com toda sinceridade, quem é melhor Chefe de Governo de uma nação onde o poder está na capacidade de atacar o grupo oposto e agradar o seu? Alguém que sabe fazer isso bem. Você pode odiar Jair Bolsonaro, mas não pode negar o óbvio. Ele continua agradando seu grupo mais fiel, aquele que jamais tampou o nariz para militar pelo presidente, muito pelo contrário. E é por isso que continuam ao lado dele outros grupos que pelo menos fingem discordar de excessos.
A imprensa poderia desfazer este nó, mas virou refém da dinâmica de redes sociais. Não importa o que faça Jair Bolsonaro ou alguém do seu governo, jornalistas demonstrarão indignação no Twitter. É exatamente dessa forma que Jair Bolsonaro saiu do baixo clero direto para a Presidência da República. Aprendeu a manipular a indignação da imprensa para ditar a pauta. Não parece que o ciclo será interrompido tão rápido. Arrogância é bicho que come o dono.
Eu vi aquela foto da pizza e também passei raiva do quanto de coisa “barata” que sai uma pequena fortuna nós ainda vamos pagar para político. Não bastasse as consequências psicológicas de 25 anos vendo só homem feio demais na cobertura política, ainda aquela cafonalha. Certo ele. Enquanto houver otário, malandro não morre de fome. É óbvio que a imprensa iria viralizar a foto dizendo que ele ficou para fora porque não foi vacinado.
Cá entre nós, não me arrisco a colocar a mão no fogo com essa história de que não foi vacinado. Eu posso até compreender político ou ter simpatia, mas só confio em Jesus e documento. Jesus não respondeu nada quando perguntei sobre a vacina do presidente. Até depois pedi perdão por ter perguntado no guichê errado. Documento ainda não vi, mas político dando rasteira na gente cansei de ver.
Manter a imagem de “grupo dos puros”, livres de vacina, é interessante para o presidente. Este grupo que já está formado na internet é todo de apoiadores fiéis de Bolsonaro, por que iria desagradá-los no tipo de cenário público que vivemos? Alguns analisaram que é uma maneira de demonstrar simplicidade, proximidade com o povão. Já disse várias vezes que a matemática salvará o Brasil. Mas fiquei tentada a postar uma foto comendo misto quente no restaurante do 3o piso da Torre Eiffel para mostrar meu lado simples e do povo.
Vejo a esquerda brasileira e progressistas bradando nas redes sociais que não fazem parte disso e alertaram sobre o “fascismo”. Alertaram sim. De Marina Silva até o pólo da direita, passando pelo centro, era todo mundo fascista. Agora a Tabata Amaral já é fascista. Acharam fascismo até em barraquinha de cachorro quente. Tentar fazer política agredindo e difamando todo mundo que discorda pode dar certo nos primeiros silenciamentos, mas o caldo entorna.
O fato é que a maioria dos brasileiros não tem mais paciência com conflitos constantes, só que não sente-se representada por nenhum grupo específico. Até porque, verdade seja dita, ninguém é perfeito o suficiente para participar dos grupos políticos da forma como eles vivem hoje. Ou a pessoa aceita 100% o pacote ideológico e os surtos vaidosos dos grandes líderes ou é esculhambada. Nem todo mundo está disposto a isso e muitos perdem a paciência.
Os líderes políticos e formadores de opinião seguem ignorando as dúvidas, medos e anseios da maioria dos cidadãos. Estão fechados em seus grupos, suas bolhas, onde as únicas possibilidades de ação são odiar ou amar Bolsonaro acima de tudo. Como essa atitude é o que rende reconhecimento em seus grupos pequenos, autoritários e fechados, imaginam estar no caminho correto. O Brasil só tem um caminho correto, aceitar-se como é para mudar o necessário.
Vi um monte de gente postando o vídeo do Gilberto Gil tocando em uma Assembleia Geral da ONU. Esse é o Brasil que queremos mostrar, dizem. Outros postam Fernando Henrique, Lula, Dilma. Aquele foi o Brasil daquele momento, a nossa cara agora é Jair Bolsonaro, gostem ou não. A soma de todas as nossas forças políticas, intelectuais, culturais e econômicas produziu o fenômeno do bolsonarismo. Ninguém está fora disso.
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