A um ano das eleições

Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília

Manifestantes acompanham a votação do projeto Escola sem Partido na Assembleia Legislativa do Paraná: pauta conservadora foi apresentada no Congresso em 2014 e segue à segunda legislatura consecutiva sem perspectivas de aprovação| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo / Arquivo

O projeto de lei do governo federal que propõe o estabelecimento de regras para a moderação de conteúdo por parte dos grandes provedores de redes sociais – a exemplo de Facebook, Instagram e Twitter – pode ser uma das últimas chances de congressistas avançarem em alguma pauta apoiada pelo eleitorado conservador.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do chamado projeto de lei das fake news, o PL 2630/20 – originário do Senado -, sugeriu incluir em seu parecer a análise da proposta do presidente Jair Bolsonaro, o PL 3227/21, sobre remoção de conteúdo e de perfis em redes sociais. A proposta é discutida em um grupo de trabalho.

A inclusão da proposta do governo no grupo de trabalho dependeria do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Embora não agrade a base mais alinhada ao governo, também é vista por uns como uma alternativa aprovar no Congresso ao menos uma pauta que tem o apoio de parlamentares conservadores.

Outros, entretanto, entendem que não há clima para prosperar essa pauta. “O grupo de trabalho já não tem um ritmo legal, não teve, necessariamente, o grande foco. As discussões estão um tanto arrastadas”, aponta um membro conservador do grupo. “E essa é uma discussão muito difícil de qualquer maneira. A proposta do presidente tem méritos, mas a narrativa que se criou na imprensa é bem diferente do espírito do texto e isso contamina o ambiente”, complementa.

Mesmo com a renovação do Congresso após as eleições de 2018, o avanço de pautas conservadoras ou que tenham maciço interesse e apoio de conservadores terá dificuldades para avançar até 2022, segundo avaliam deputados ouvidos pela Gazeta do Povo.

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Quais as dificuldades de avançar uma agenda conservadora
Desde o início da atual legislatura, parlamentares favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro na Câmara e no Senado tentam aprovar pautas de mérito conservador ou que representem o eleitorado conservador. Em 2020, a deputada Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), até articulou a criação de uma frente parlamentar conservadora. A ideia, contudo, não prosperou.

A pandemia da Covid-19 e a consequente necessidade de aprovação de pautas relativas à retomada econômica e ao combate à crise sanitária ocuparam a agenda legislativa e travaram a criação da frente e a discussão de pautas conservadoras ao longo de 2020 e até boa parte de 2021. Agora, com a proximidade da “janela eleitoral”, o período de 12 meses que antecede as eleições gerais, o clima é menos propenso ainda para o debate. Nesse período, mesmo pautas econômicas costumam enfrentar dificuldades de tramitação.

O clima político também não é simples para a discussão, admitem parlamentares. Após o arquivamento da PEC do voto impresso na Câmara e a subida de tom de Bolsonaro contra ministros do STF em uma escalada da crise entre poderes – que resultou nas manifestações de 7 de setembro e no recuo do próprio presidente da República -, o ambiente ficou impróprio para avançar pautas conservadoras.

O recuo de Bolsonaro na crise entre poderes com o apoio do ex-presidente Michel Temer (MDB) levou o deputado conservador Márcio Labre (PSL-RJ) a prever um cenário de maior pragmatismo na política. “[A agenda conservadora] vai ser igual dar ‘biscoitinho’ para a extrema esquerda”, diz.

“De vez em quando, ela vai lá pedir pauta da esquerda, pessoal do PSOL propõe ‘isso’ ou ‘aquilo’ para votar. Aí, a direita vai ‘encher o saco’ com pauta armamentista. O que vai ser daqui para frente nos próximos 15 meses, na minha leitura, vai ser agenda de conciliação com grandes business com a China”, avalia Labre.

O deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) calcula que, mesmo na Câmara, onde há, proporcionalmente, maior número de parlamentares identificados com a agenda conservadora, a bancada conservadora gira em torno de 50 a 70 deputados.

“A população elegeu 400, 450 deputados que são do modelo anterior, são de esquerda, extrema esquerda, jacobinos, socialistas e progressistas. E tem um Centrão que gosta da máquina pública inchada. Esses dois estavam em simbiose e, ainda, foram majoritariamente eleitos. Temos aí 50, talvez mais, 60 e 70 deputados que se definem como conservador e liberal”, avalia.

Quais pautas da agenda conservadoras ficam travadas no Congresso
A bancada conservadora costurada pela deputada Bia Kicis tinha por intuito pautar o voto impresso e outras pautas: o Estatuto do Nascituro (PL 478/07), que fala do direito dos bebês que ainda não nasceram; a redução da maioridade penal (PEC 115/15); o homeschooling (PL 2401/19), prática de educar crianças e jovens em casa; o chamado Escola sem Partido (PL 7180/14), proposta que, entre outros assuntos, regula o uso do termo “gênero” ou “orientação sexual” em salas de aula; e a ampliação do porte de armas para mais categorias do serviço público (PL 6438/19).

A deputada conservadora Paula Belmonte (Cidadania-DF), que apresentou um projeto de lei para estender os direitos e garantias assegurados à criança na primeira infância ao nascituro, entende que seu projeto, que foi apensado ao PL 478/07, não será aprovado, bem como o Escola sem Partido.

Entretanto, Paula avalia que a não tramitação dessas pautas é até melhor do que aprová-las sob uma redação final desconfigurada em relação ao projeto inicial, o que, no entender dela, é um cenário provável, caso projetos conservadores tramitem hoje no Congresso.

“Uma vez que um projeto [conservador] esteja sendo negado, isso dificulta o trâmite dele. Tem coisas que até prefiro que não seja [votado] nessa legislatura, onde a gente tem ainda uma predominância de esquerda, para que a gente possa votar com mais maturidade na próxima legislatura”, justifica.

A parlamentar faz até uma leitura positiva sobre as dificuldades de tramitação de uma agenda conservadora. Para ela, o não avanço de pautas de costumes da esquerda também foi uma vitória. “Eu vejo que o grande avanço dessa entrada de conservadores, de defesa da família, da não sexualização das crianças e defesa da vida barrou muita legislação que estava em trânsito. Isso é um grande avanço”, justifica.

“Nós tínhamos projeto dentro de comissão de minorias que autorizava o amor entre pai e família. Na comissão de seguridade social, tinha um projeto que dava a possibilidade da criança adotada mudar de nome, não de Júlia para Maria, mas de Júlia para João”, cita a deputada.

“A gente fica na expectativa de as pautas conservadoras avançarem, mas o Parlamento está sendo amadurecido e a população sendo amadurecida, para que a gente possa mudar o clima. Já melhorou? Melhorou. Mas ainda temos uma grande maioria com pautas esquerdistas”, observa.

Bia Kicis destaca aprovação de projetos de interesse dos conservadores
A deputada Bia Kicis diz que, embora algumas pautas conservadoras não tenham avançado, alguns projetos de interesse do eleitorado conservador foram aprovados na CCJ sob seu mandato. “Acabamos de aprovar um relatório da subcomissão especial de direito penal, fizemos um trabalho muito bom e estamos conseguindo até votar por acordos com a oposição para mexer na legislação penal”, sustenta.

A CCJ aprovou no fim de setembro dois anteprojetos de lei com alterações ao Código Penal e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Um dos textos trata sobre o Estatuto do Idoso. “Aumentamos a pena para quem pratica crimes contra idosos”, destaca. Bia também fala que o colegiado trabalhou para endurecer e preencher vácuo para crimes contra a administração pública e planeja mexer na lei de execuções penais. “Pretendemos diminuir essa história de ‘saidão’ e mudar esse regime muito benéfico para os criminosos”, diz.

A presidente da CCJ também destaca que o colegiado aprovou, em maio, um projeto que aumenta pena para crimes contra crianças e adolescentes. “Aprovamos uma legislação mais rigorosa para quem comete crime sexual contra crianças, adolescentes e vulneráveis, e estamos criando uma subcomissão para tratar dos direitos das crianças e dos adolescentes, muito em parceria com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”, destaca.

Todas essas pautas, reforça Bia, são matérias que interessam “a todo mundo que não idolatra bandido”. Demais pautas conservadoras ela explica que vai retomar o foco em 2022, quando deixar a presidência do colegiado. “O Escola sem Partido, por exemplo, espero que a gente volte a discutir no próximo ano. É uma pauta muito importante para a gente tratar que, à frente da CCJ, eu não tinha como tocar. Saindo da presidência da CCJ dá para me dedicar a ela”, afirma.

Outra pauta conservadora que ela planeja colocar em votação é o ensino domiciliar. “A gente aprovou aquela lei que deixa muito claro que homeschooling não é crime e eu consegui colher as assinaturas para que possa ir ao plenário em regime de urgência”, afirma. “Isso é muito importante e vai dar um alívio para as famílias que praticam o homeschooling e que sofrem perseguição”, complementa.

Falta de apoio do Centrão também compromete a agenda conservadora
Não é só a rejeição da esquerda que compromete o avanço de uma agenda conservadora. A falta de apoio ou desentendimento entre Centrão e conservadores também é um obstáculo no Parlamento. O homeschooling, por exemplo, ficou travado por falta de acordo entre parlamentares da base governista mais pragmática e pelos que buscam uma lei considerada “ideal” para as famílias educadoras.

Os conservadores querem um projeto mais liberal do ensino domiciliar, algo mais próximo de uma “permissão” e sem tantas amarras e regulamentações. Já nomes do Centrão e até outros independentes até admitem discutir a pauta, mas com regras e maior normatização.

O cenário não é muito diferente em relação a pautas armamentistas, que mal têm unanimidade entre a direita. O advogado Marcos Pollon, presidente da Associação Nacional Movimento Pró Armas (Proarmas), também vê com dificuldades as chances de prosperar uma agenda capaz de assegurar ao menos critérios objetivos e segurança jurídica do direito adquirido da propriedade de armas.

“Nós acreditamos que a única forma de tratar desse assunto é tentar achar uma liderança de centro que esteja sensibilizada a trabalhar essa pauta”, avalia. Embora Pollon entenda que nomes como os senadores Marcos do Val (Podemos-ES) e Marcos Rogério (DEM-RO) sejam sensíveis à agenda armamentista, o quadro político é adverso para a discussão da pauta.

“São muitos bons para nos ajudar na defesa ideológica dos projetos, mas, para efetivamente apresentar, é um cenário complicado. Não basta apresentar o projeto de lei. Tem que haver toda uma articulação de quem vai ser o relator, como vai evoluir, se vai ser colocado em pauta”, explica.

“Não adianta ter alguns favoráveis [no Congresso], temos que ter maioria. Por isso, sou bem conservador em relação à articulação, para que a gente trabalhe com elementos que são, efetivamente, de bom senso”, acrescenta Pollon.

Mesmo sem descartar a aprovação do PL 6438/19, a “janela eleitoral” é uma barreira para a aprovação da pauta. O presidente do Proarmas avalia, contudo, que o eleitorado conservador cobrará os parlamentares que se omitirem do debate.

Conservadores esperam aprovar proposta sobre ações contraterroristas
Uma pauta que interessa os parlamentares conservadores e pode ir a votação é o PL 1595/19, que cria o Sistema Nacional Contraterrorista. A proposta estabelece diretrizes para as agências de inteligência, as forças policiais e as Forças Armadas tenham condições de se anteciparem à localização e possam enfrentar possíveis células terroristas.

O líder do PSL, Vitor Hugo (GO), diz que o texto ganhou mais apoio e espera poder votá-lo no plenário da Câmara ainda este ano. “Há sinalização de que teremos semanas temáticas na Casa até o fim do ano e uma delas será dedicada à segurança pública”, justifica.

O relator, deputado Sanderson (PSL-RS), apresentou ainda na comissão especial mudanças de redação e no mérito da matéria para favorecer a aprovação. E embora reconheça que é uma proposta que tenha apoio do eleitorado, o parlamentar nega que o texto seja ideológico.

“Este projeto das ações contraterroristas ou antiterroristas, como queira, é um projeto de Estado, não é um projeto do governo Bolsonaro, de um ideal bolsonarista, não é um projeto ideológico”, justifica. “Todos que estudaram a segurança pública mundo afora, todos os países civilizados têm um regimento para enfrentamento das ações terroristas”, enfatiza Sanderson.

“E este regimento, que é um estatuto aprovado pelo Parlamento desses países, não visa apenas penalizar, busca ações administrativas, também. Em caso de atentado a bomba em um hospital público de grande cidade, por exemplo. O que vai caber fazer à Polícia Militar naquela cidade? Qual ação dos bombeiros, dos médicos, o que cabe às polícias civis?”, acrescenta o relator.


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