Editorial
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Gazeta do Povo
O ministro das Relações Exteriores, Carlos França, recebeu o chanceler argentino, Santiago Cafiero, para discutir tarifas do Mercosul.| Foto: Lincoln Siebra/MRE
Em março e abril deste ano, aproveitando as comemorações dos 30 anos do Mercosul, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes fizeram dois pedidos: que os países-membros pudessem ter liberdade para negociar isoladamente acordos comerciais, e que a Tarifa Externa Comum (TEC) do bloco fosse gradativamente reduzida. À época, o presidente argentino, Alberto Fernández, rejeitou as duas ideias, ganhando por aqui o apoio dos ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso.
O governo argentino, no entanto, acaba de dar algum ouvido à voz da razão. No dia 8, os chanceleres de Brasil e Argentina se encontraram em Brasília e anunciaram um acordo para aplicar a redução de 10% à TEC, que é a tarifa aplicada por todos os membros do Mercosul aos produtos que vêm de fora do bloco. Paraguai e Uruguai não participaram das negociações, mas a concordância dos dois pesos-pesados do grupo – incluindo o mais protecionista entre todos os membros, a Argentina – permite imaginar que não haverá objeções nem em Montevidéu, nem em Assunção.
Mesmo com a redução na Tarifa Externa Comum, o Mercosul continuará a ser um bloco bastante avesso à ampla abertura comercial
Os uruguaios, aliás, queriam cortes ainda maiores; em abril, propuseram redução de 20% em duas etapas, uma já naquele mês e outra até o fim de 2021. Guedes apoiou a ideia, mas os argentinos a rejeitaram. O Brasil passou a sugerir uma redução de 10% neste ano e mais 10% em 2022, mas continuou esbarrando na recusa da Argentina, que só concordou quando a proposta se limitou a um único corte de 10%.
Esta não foi a única concessão feita aos argentinos, normalmente avessos à abertura comercial. A ideia original brasileira era aplicar a redução da TEC às alíquotas de todos os produtos importados, mas isso não deve ocorrer. O acordo “permitirá a diminuição de 10% de um universo muito amplo de produtos”, disse o chanceler Carlos França, após o encontro com seu colega argentino, Santiago Cafiero – que até pouco tempo atrás era chefe de gabinete de Fernández, mas foi removido do posto depois do motim da ala do governo chefiada pela vice-presidente Cristina Kirchner. Há o risco de que acabem ficando de fora desse “universo muito amplo” alguns produtos importantes para os quais uma redução nas tarifas de importação seria extremamente bem-vinda.
Mesmo com a redução, o Mercosul continuará a ser um bloco bastante avesso à ampla abertura comercial. A TEC é diferente para cada tipo de produto, mas a média das tarifas, segundo o Ministério da Economia brasileiro, é de 13%, contra 4% a 5% no resto do mundo. O mercado consumidor formado por brasileiros, argentinos, paraguaios e uruguaios seguirá em boa parte privado do acesso a produtos estrangeiros a preços competitivos, mantendo a inserção internacional do bloco em níveis que pouco ajudarão os países do Mercosul a crescer.
No caso brasileiro, estudos da OCDE e do Banco Mundial divulgados em 2018 estimam os efeitos de uma autêntica abertura comercial. Na conta da OCDE, apenas a redução de tarifas de importação e o fim de políticas de conteúdo nacional mínimo elevariam o PIB em 10 pontos porcentuais adicionais ao longo de 15 anos. Segundo o Banco Mundial, se o Mercosul reduzisse a TEC pela metade e se o Brasil retirasse os impostos de exportação, as importações brasileiras subiriam 6,6% e as exportações, 7,5%, resultando em crescimento adicional do PIB de 0,93 ponto porcentual ao ano.
Uma economia fechada como a brasileira é excelente para quem tem preservada sua reserva de mercado, mas péssima para os consumidores, especialmente os mais pobres
Tamanha abertura, no entanto, é difícil de ocorrer, e os culpados não estão apenas do outro lado da fronteira. Se o Brasil tentasse seguir as sugestões da OCDE e do Banco Mundial, setores pouco competitivos da economia brasileira protestariam e usariam sua influência no Congresso. A esquerda brasileira, tão avessa à abertura comercial quanto seus companheiros argentinos, lançaria slogans sobre a necessidade de proteger o produto nacional contra a “invasão estrangeira”. E o projeto de abertura acabaria ou naufragado ou extremamente atenuado.
Uma economia fechada como a brasileira é excelente para quem tem preservada sua reserva de mercado, mas péssima para os consumidores, especialmente os mais pobres, que têm negada a chance de adquirir produtos ou mais baratos, ou de melhor qualidade, fossem estrangeiros ou nacionais, já que a indústria brasileira precisaria se tornar mais competitiva em uma economia aberta. Uma redução tímida nas tarifas ainda é melhor que redução nenhuma, mas, com a experiência mundial mostrando as vantagens evidentes de uma inserção internacional mais intensa, é triste perceber como o protecionismo segue forte neste canto do planeta.
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