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Há cerca de vinte anos, acessar um acervo físico e escolher um filme em uma locadora fazia parte da rotina dos apaixonados por cinema. Naquela época, um icônico nome dominava as ruas do mundo todo: Blockbuster. A empresa nasceu em 1985, em Dallas. Seu fundador, David Cook, abriu a primeira unidade com um estoque de 8 mil fitas VHS para oferecer aos clientes um serviço de aluguel de filmes e games.
A empresa foi criada em um cenário promissor, onde os reprodutores de videocassetes se tornavam cada vez mais comuns nas casas das famílias americanas. Além disso, Cook usou a tecnologia a seu favor. O empreendedor equipou sua loja com um sistema de computadores que usavam um scanner de código de barras para ler os principais dados de cada fita alugada, calculando os valores. Em dois anos de atuação no mercado, a Blockbuster já era uma rede com 19 lojas em operação.
A partir daí, Cook investiu ainda mais na experiência dos clientes, transformando as unidades da Blockbuster em “big stores” — ou seja, grandes lojas com atendimento exclusivo, variedade de títulos e venda de produtos complementares aos filmes. O negócio deslanchou e, em pouco tempo, se tornou uma marca relevante nos Estados Unidos. Foi então que, em 1987, Cook vendeu a empresa para o milionário Wayne Huizenga.
Primeira unidade da Blockbuster foi aberta com um estoque de 8 mil fitas VHS.
Sob a liderança de Huizenga, a Blockbuster começou um plano de expansão internacional colocando em prática uma estratégia de aquisições. Ao longo dos anos, a companhia comprou redes de lojas como Erol’s, Sound Warehouse, Music Plus e Super Club Retail Entertainment. Em 1988, se tornou a principal cadeia de vídeos da América, com cerca de 400 lojas.
No início dos anos 90, a Blockbuster abriu sua milésima unidade. Já em 1994, foi adquirida pela gigante da mídia Viacom por US$ 8,4 bilhões, atingindo a marca de 4.500 lojas abertas. Alguns anos depois, em 1999, a companhia foi eleita a 13ª marca mais conhecida dos Estados Unidos em uma lista de duas mil empresas.
Nasce um rival
Em paralelo ao grande sucesso da Blockbuster, nascia a Netflix. A empresa foi criada em 1997 por Marc Randolph, Reed Hastings e Mitch Lowe, como um serviço de entregas de DVDs pelo correio. Na época, os empreendedores entenderam que as fitas VHS eram frágeis demais para serem despachadas aos clientes — oferecendo uma opção menor, mais leve e totalmente inovadora para a época.
A proposta era simples: no início, os usuários alugavam, em um site, os títulos por preços separados. Alguns meses depois, a empresa lançou um sistema de assinaturas. Por um valor mensal de US$ 21,99, os consumidores tinham acesso a diversos filmes, sem cobrança de multas ou data fixa para entrega. Os títulos eram entregues diretamente no endereço escolhido.
Envelopes com os DVDs eram enviados aos clientes da empresa.
Para colocar em prática esse novo modelo de assinaturas, a Netflix refez a engenharia de seu site e adaptou seu software. Em apenas um ano, o negócio faturou US$ 1 milhão. Em 1999, chegou a US$ 5 milhões de faturamento. Apesar do crescimento, a empresa ainda era instável financeiramente.
A oferta recusada
Em 2000, Randolph e Hastings se reuniram com John Antioco, CEO da Blockbuster. Os executivos dicutiram uma possível compra da Netflix pela atual líder mundial no ramo de aluguel de filmes. O valor oferecido foi de US$ 50 milhões. O acordo foi recusado por Antioco. No mesmo ano, a Blockbuster continou crescendo e acumulou mais de 7 mil lojas físicas abertas.
Já a Netflix, registrava 420 mil assinantes em seu serviço de entregas. Mesmo sem ter sido adquirida, a empresa continuou se desenvolvendo. Em 2002, as ações da Netflix começaram a crescer e foram negociadas na NASDAQ, bolsa de valores de Nova York. Além disso, seu número de assinantes saltou para 600 mil. Com uma expansão acelerada, a empresa atingiu, em 2004, US$ 500 milhões de faturamento. Um ano depois, o número de assinantes chegou a 4,2 milhões.
Enquanto isso, a Blockbuster ainda registrava receitas bilionárias. Em 2004, a companhia faturou US$ 6 bilhões. Além disso, chegou ao auge atingindo 9 mil unidades espalhadas por 9 países. No mesmo ano — e com algum tempo de atraso — entrou no mercado de locação online para concorrer com a Netflix. Por US$ 19,99 por mês, os clientes alugavam quantos filmes quisessem. Porém, na visão da empresa, a experiência de ir em lojas físicas ainda tinha o seu valor.
Do DVD ao streaming
Foi em 2007 que a Netflix tomou uma decisão que mudaria o mercado. A empresa abandonou o serviço de aluguel de DVDs e lançou sua própria plataforma de streaming. Nela, os assinantes poderiam assistir séries e filmes instantaneamente no computador. A partir daí, a empresa teve um crescimento consistente a cada ano.
Em contrapartida, a Blockbuster passou a perder mercado. Desde 2008, a receita da companhia despencou, assim como o número de lojas. Em 2010, enquanto a Netflix registrava 16 milhões de assinantes e uma receita de US$ 2 bilhões, a Blockbuster declarava falência. No mesmo ano, a empresa entrou com um pedido de recuperação judicial no Tribunal de Falências dos Estados Unidos para lidar com cerca de US$ 1 bilhão em dívidas. Em 2011, foi leiloada à emissora Dish Network, operadora de TV por assinatura, por US$ 320 milhões.
Dois anos depois, em 2013, a Blockbuster anunciou o fechamento de suas 300 lojas restantes nos Estados Unidos, descontinuando o aluguel de filmes nas unidades físicas e na plataforma online. “Esta não é uma decisão fácil, mas o consumidor agora opta claramente por ferramentas de distribuição digital de entretenimento em vídeo”, disse Joseph Clayton, CEO da Dish, em um comunicado. Hoje, apenas uma loja continua aberta — em Bend, uma pequena cidade nos Estados Unidos. A unidade, franqueada em 2000, se tornou “peça rara” e possui vários anos de contrato com a Dish.
A importância da transformação
Depois de se tornar referência mundial na indústria de filmes, a Blockbuster fechou suas portas. A companhia, que se concentrava em aumentar seu número de lojas e crescer ainda mais no modelo convencional de locação de vídeos, não construiu uma estratégia para competir com seus novos concorrentes.
Por outro lado, a Netflix repensou seu modelo tradicional para a Era Digital. Em 2007, seus fundadores perceberam que o consumo de filmes já não era mais o mesmo e decidiu acompanhar esse novo cenário, readaptando sua estratégia. Para isso, transformaram seu negócio incorporando tecnologias e novas práticas focadas no cliente.
A partir daí, a empresa investiu em uma infraestrutura digital e em um sistema de recomendações baseadas no comportamento dos usuários. Além disso, construiu uma cultura data-driven (baseada em dados) e times focados em marketing, operações, finanças, ciência e analytics.
Além da aposta em tecnologia, o modelo de gestão da companhia também passou por grandes mudanças — se tornando referência no mundo todo. A capacidade de se adaptar e se reinventar se tornou um dos principais pilares da empresa. Além disso, a companhia focou em uma gestão horizontal, sem hierarquia e com mais autonomia aos funcionários.
A busca pela excelência e o lema “liberdade com responsabilidade” tem gerado grandes resultados. Em 2018, a empresa atingiu um importante marco: se tornou a companhia de mídia mais valiosa do mundo, ultrapassando a Disney por um dia. Enquanto a gigante do streaming foi avaliada em US$ 152,3 bilhões na bolsa, a Walt Disney Company chegou a US$ 151,7 bilhões.
Até outubro de 2020, a Netflix já registrava 195 milhões de assinantes e possui um valor de mercado de US$ 235 bilhões. Além disso, se destacou por suas produções próprias, se juntando a grandes nomes da indústria cinematográfica em premiações do Oscar.
Novos passos
Depois de se reinventar algumas vezes, a Netflix se prepara para alcançar novos objetivos. Mitch Lowe, um dos fundadores, traçou um cenário sobre o mais provável futuro da companhia. A Netflix poderá seguir na produção de conteúdos baseados em outra plataforma: o Youtube. O foco? Acompanhar, mais uma vez, a mudança no perfil do consumidor.
“As pessoas têm cada vez menos espaço de atenção, é difícil se concentrar em um filme de duas horas. Ao mesmo tempo, elas querem que os personagens se desenvolvam. É por isso que vamos ter produtos com episódios cada vez mais curtos. O sucesso de vídeos no YouTube mostra que as pessoas na verdade querem episódios de 10, 20 ou 30 minutos que você possa juntar”, afirmou o executivo.
Além disso, segundo estimativa da empresa norte-americana BMO Capital Markets, a companhia pretende investir cerca de US$ 18 bilhões em produção de conteúdos neste ano — um aumento de US$ 2 bilhões em relação a 2019. Nos próximos anos, esse valor pode chegar a US$ 26 bilhões.
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