Editorial
Por
Gazeta do Povo
Colheita de soja.| Foto: Michel Willian/Arquivo/Gazeta do Povo
Recentemente, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos produziu um relatório no qual analisa a evolução do agronegócio brasileiro e afirma que o Brasil fez a maior revolução tecnológica do mundo no setor, tornando-se um dos mais importantes atores mundiais na produção e exportação de alimentos. É o reconhecimento de que o país, apesar de continuar sendo nação emergente, conseguiu surpreendente revolução no setor primário no período de 40 anos e passou a ser uma das esperanças para alimentar a população mundial, que passou de 3 bilhões de habitantes em 1960 para 7,8 bilhões atualmente, caminhando para chegar em torno de 9,5 bilhões daqui a 30 anos. O agronegócio, recorde-se, não diz respeito apenas às atividades produtivas na lavoura, mas a toda a cadeia econômica que vai desde o plantio até a mesa do consumidor, incluindo transporte, armazenagem, indústria, comércio, portos, distribuição etc.
A alimentação da enorme população mundial e a possibilidade de um dia eliminar a fome na Terra, mesmo nas mais pobres das nações, vão depender do aumento da produção de alimentos e, também, do livre comércio entre as nações. Os países mais pobres do mundo precisarão ter acesso à produção mundial de alimentos para conseguirem alimentar seus milhões de crianças e adultos que passam fome ou estão no grupo dos parcialmente subnutridos. A fome não é problema somente das nações pobres e famintas, mas do mundo inteiro, seja por razões humanitárias ou como instrumento para obtenção da paz e da prosperidade. Nessa linha, o livre comércio entre as nações deixa de ser um assunto apenas econômico de curto prazo para se tornar uma questão política e de segurança internacional.
Tornou-se muito difícil debater e estudar opiniões divergentes ligadas ao agronegócio, à fome, ao meio ambiente e ao comércio entre as nações, principalmente por obra de posições radicais e slogans simplistas – quando não falsos
A revolução do agronegócio foi impulsionada mais pela ameaça da falta de alimentos para a população, que cresceu aceleradamente nos últimos tempos (faz apenas 190 anos que o mundo atingiu 1 bilhão de habitantes, em 1830), e pelos riscos oriundos dos conflitos políticos e/ou militares entre as nações. Dito de outra forma, parte relevante da expansão do comércio internacional é fruto da essencialidade dos produtos alimentícios para a existência humana, mesmos nos momentos em que mais vicejaram o protecionismo e o fechamento das economias nacionais. Depois da Segunda Guerra Mundial, em especial, até o fim dos anos 1970 muitos países adotaram ideologias e políticas econômicas contrárias à abertura internacional, hostis ao capital estrangeiro e prejudiciais à ampliação do comércio exterior. Na América Latina, por pelo menos três décadas vigorou a rejeição ao capital estrangeiro e às empresas multinacionais – inclusive no Brasil, quando era moda os políticos fazerem carreira atacando as multinacionais e a prática exportadora.
Mesmo com alguma expansão do comércio entre as nações, órgãos internacionais como o Banco Mundial afirmam que o crescimento do comércio internacional de alimentos continua esbarrando em práticas protecionistas diversas, como taxação de importação, subsídios a produtores internos e barreiras não tarifárias. Nas duas décadas iniciais deste século 21, entrou em cena mais fortemente a questão do meio ambiente, devido à constatação de que em muitos países a exploração dos recursos naturais para a produção de alimentos e outros bens primários estava (e está) sendo feita com prejuízos à natureza. Ainda que ninguém tenha a verdade absoluta e final a respeito do impacto exato da ação do homem no meio ambiente, é fato inegável que há exploração ineficiente de recursos naturais esgotáveis, desmatamento, pauperização do solo, poluição e malefícios à biodiversidade.
Esses são alguns elementos que acenderam a luz vermelha quanto ao futuro da vida humana na Terra e suas condições de sobrevivência saudável, de forma que é um equívoco pensar, planejar e agir no grande espectro do agronegócio fora das questões políticas ligadas à fome e à preservação das condições ambientais. Não apenas porque práticas ambientais irresponsáveis em certa nação prejudicam as vendas do seu agronegócio, mas porque as alterações ambientais têm o poder de reduzir a produtividade no campo, quebrar safras e anular os ganhos da revolução agrícola.
Todos esses assuntos e problemas acabaram tendo seu debate, estudos, conhecimento e políticas prejudicados pelo radicalismo. Tornou-se muito difícil debater e estudar opiniões divergentes ligadas ao agronegócio, à fome, ao meio ambiente e ao comércio entre as nações, principalmente por obra das posições radicais e slogans simplistas – quando não falsos – opondo direita e esquerda, capitalismo e socialismo, globalização e protecionismo, conservadores e “progressistas”, pobres e ricos etc. Exemplo recente foi dado pelo Movimento dos Sem-Terra e pela Via Campesina, que dias atrás vandalizaram a sede da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), em Brasília, pichando frases como “agro mata” e afirmando, em nota, que o agronegócio “impulsiona a inflação dos alimentos e contribui para o aumento da fome no Brasil”.
Ocorre que os problemas estão aí clamando por solução, entre os quais se destacam a pobreza, a miséria, a fome e o desemprego em grande parte das nações do mundo. Esses são problemas de todos, não de qualquer classe específica, e os períodos de eleição deveriam ser propícios para a ampliação dos estudos e debates, até para a sociedade conhecer o que pensa e o que propõe cada candidato pretendente a dirigir as gigantescas estruturas estatais que terão de dar resposta a tais questões.
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