Manifesto dos jovens pela mudança climática será lançado nesta quinta-feira; na sexta-feira haverá a tradicional passeata pelas ruas de Glasgow
João Gabriel de Lima, O Estado de S.Paulo
LISBOA – O documentário “Uma Verdade Inconveniente”, do americano Al Gore, mudou a vida da brasileira Eduarda Zoghbi. Ela estava com dez anos de idade quando, por sugestão de uma professora, viu pela primeira vez o político ambientalista falar sobre mudança climática. Nascida e criada em Brasília, Eduarda está em Glasgow, e participa nesta quinta-feira de um dos eventos mais importantes da conferência: a divulgação de um documento com sugestões de jovens para deter a mudança climática, de cuja elaboração participou.
O documento foi desenvolvido em vários grupos de trabalho na pré-COP de Milão, no início de outubro. Entre as sugestões está a disseminação da educação ambiental: “É fundamental para o mundo que os jovens saibam da mudança climática o quanto antes. Foi fundamental também na minha vida”, diz Eduarda, que hoje tem 28 anos.
Foi a primeira vez na história das COPs que jovens elaboraram um documento para apresentar aos líderes mundiais. Não é por acaso. Quem tem 20 anos hoje irá sofrer no futuro se o filme de terror das mudanças climáticas – secas, enchentes, falta de alimentos – se transformar em realidade. O site da Unesco chamou de “Geração Greta” aos jovens que se dedicam ao ativismo sobre o clima. Eles são, no entanto, apenas a face mais visível de um fenômeno muito maior: a crescente identidade entre os jovens e a causa ambiental.
Pesquisas realizadas na Alemanha e nos Estados Unidos mostraram que o eleitorado sub-30 repudia crescentemente os candidatos que não têm propostas para o meio ambiente. Por idealismo ou busca de oportunidades na economia verde do futuro, cada vez mais jovens se dedicam a estudar profundamente as questões da mudança climática. Os jovens que elaboraram o documento da COP, como Eduarda, sabem do que estão falando.
O contingente de jovens brasileiros na COP 26 é também o maior da história. São mais de 80 participando das diversas programações, nas contas do paulista Marcelo Rocha, outro integrante da delegação jovem do Brasil. Assim como Eduarda, Marcelo, de 24 anos, começou cedo a se preocupar com o meio ambiente, ainda quando estudava na Escola Estadual Maria Helena Colônia, em Mauá, município da Grande São Paulo. Juntou-se ainda adolescente a um movimento pela despoluição do rio Tamanduateí, que corta sua cidade. “Vi o verde da minha região ir desaparecendo e, com meus amigos, achei que precisava fazer alguma coisa”, diz Marcelo.
Ele irá participar de vários eventos da COP, incluindo um promovido pelo jornal The New York Times. Marcelo é o fundador do Instituto Ayika, que desenvolve, entre outras coisas, projetos de educação ambiental com parceiros estatais – como a prefeitura de Recife e os governos de São Paulo e Rio Grande do Sul.https://www.youtube.com/embed/0cZgn8tdexU?enablejsapi=1&origin=https%3A%2F%2Fsustentabilidade.estadao.com.br
Tanto Eduarda quanto Marcelo participam de redes internacionais, como é comum na era da sociedade civil globalizada. Marcelo é um dos articuladores da versão brasileira da Fridays For Future, movimento que ficou famoso por abrigar a ativista sueca Greta Thurnberg. “No Brasil não dá para se preocupar só com a questão da sustentabilidade. A carência social é muito forte”, diz ele. “Durante a pandemia, por exemplo, levantamos fundos para combater a fome na Amazônia”.
Eduarda participou do grupo Engajamundo, uma rede de ativistas ambientais brasileiros, formou-se em Ciência Política na Universidade de Brasília e passou pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. Morando em Nova York e estudando na Universidade Columbia, ela participa de fóruns internacionais sobre o tema – o conhecimento acadêmico, assim como o ativismo, hoje acontece em redes.
Chega de ‘blá-blá-blá’
A reunião de jovens na Pré-COP de Milão recebeu o nome de Youth4Climate. Três brasileiros participaram dela: Eduarda Zoghbi, Erick Marky Terena e Paloma Costa. Erick Marky é DJ e é originário da terra indígena Cachoeirinha, no Mato Grosso do Sul. Foi uma das estrelas do evento de Milão, ao discursar numa passeata convocada por Greta Thurnberg que reuniu mais de 50 mil pessoas. Vídeos da manifestação – que teve como trilha sonora a música “Bella Ciao”, recentemente revivida na série “A Casa de Papel” – congestionaram as redes sociais, com destaque para o discurso em que Greta criticava o “blá-blá-blá” dos líderes mundiais. Erick fez uma foto com Greta, que também circulou pelas redes sociais.
A terceira integrante da comitiva brasileira, a brasiliense Paloma Costa, é outra a atuar na rede do Engajamundo. Atualmente, ela faz parte de um grupo que assessora o secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres. Paloma é formada em Direito e foi uma das articuladoras da participação da ativista indígena Txai Suruí, única brasileira a discursar na abertura da COP de Glasgow. “No grupo, sou responsável por levar ideias da América Latina e do Caribe, e foi muito bom ter atuado como facilitadora para a participação de Txai Suruí”, diz Paloma.
Aos 24 anos, Txai acabou se tornando uma das estrelas do contingente de jovens brasileiros na COP. Ela estuda Direito e é filha do cacique Almir Suruí, há muito tempo um ativista dos direitos indígenas. Depois de sua fala na COP, ela disse ao Estadão que os povos originários presenciam as causas e consequências das mudanças climáticas: “Estamos vendo a invasão de terras, a mineração sujando os rios, o aumento das queimadas, o desmatamento das florestas”. As consequências disso seriam, segundo ela, a escassez da chuva, o desaparecimento dos animais e a morte dos rios.
Manifesto Jovens Vozes da Amazônia para o Planeta
Se nesta quinta-feira Glasgow verá a apresentação das propostas do Youth4Climate, na sexta-feira será o “dia da juventude” na COP 26. No Brazil Climate Action Hub, o movimentado pavilhão da sociedade civil brasileira na conferência do clima, será lançado o “Manifesto Jovens Vozes da Amazônia para o Planeta”. Está prevista também uma grande manifestação, pelas ruas de Glasgow, reunindo jovens do mundo inteiro, como já se tornou tradição nas COPs. “Nossa esperança é que desta vez nossas propostas sejam efetivamente ouvidas pelos líderes mundiais”, diz Paloma Costa.
As notícias sobre os efeitos da mudança climática – que já se fazem sentir em secas e enchentes mundo afora – podem soar aterrorizantes. “Já houve um tempo, no entanto, em que as pessoas jogavam o lixo pela janela do carro, e todo mundo achava normal”, diz Eduarda Zoghbi. Os integrantes da “Geração Greta” estão na trilha do ativismo há tempo suficiente para saber que as coisas mudam, ainda que às vezes não na velocidade desejada – e isso os enche de energia para lutar pelo próprio futuro.
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