Áreas como transformação digital, autogestão, resolução de problemas e relacionamento interpessoal se destacam na lista do Fórum Econômico Mundial; especialistas apontam capacidades complementares
Texto: Nathalia Molina e Fernando Victorino, especiais para o Estadão / Ilustrações: Marcos Müller
- EQUILIBRAR HABILIDADES
- SOFT SKILLS
EM DIA - ATITUDE EMPREENDEDORA
- CULTURA
DIGITAL - LIFELONG LEARNING
- ONDE
APRENDER
Em até cinco anos, 40% das habilidades essenciais exigidas atualmente dos profissionais vão mudar. No mesmo período, o tempo gasto em tarefas executadas por seres humanos e máquinas tende a se igualar. As conclusões apontadas no relatório The Future of Jobs 2020, divulgado em outubro pelo Fórum Econômico Mundial, destacam disrupções relacionadas à pandemia, observadas até o momento em 15 setores econômicos de 26 países. O documento também projeta a expectativa de mudança nas habilidades valorizadas no cenário futuro.
As dez principais a serem desenvolvidas até 2025, segundo o Fórum Econômico, estão relacionadas a fatores como transformação digital, autogestão, resolução de problemas e capacidade de lidar com pessoas. “Percebemos uma combinação de habilidades técnicas e comportamentais na lista, além da tendência das competências ligadas à tecnologia”, diz Milton Beck, diretor-geral do LinkedIn para a América Latina.
Para Beck, o profissional do futuro deve estar preparado para as mudanças do mercado, que já estão acontecendo e modificando o modo como as empresas montam seus times. “Mais do que conseguir realizar determinada tarefa, as pessoas precisam saber trabalhar em equipe, pensar de forma criativa e crítica, e se comunicar de maneira efetiva.”
Entre as competências essenciais, algumas vêm ganhando importância nos últimos anos, caso das soft skills. As empresas já perceberam a importância de ter profissionais com habilidades socioemocionais fortes. E começam a modificar seus processos seletivos para identificar talentos nessa área. Às vezes, antes mesmo de fazer uma análise das chamadas hard skills, ligadas ao desempenho técnico.
“As empresas perceberam que contratavam por capacidade técnica e, na maioria das vezes, demitiam por comportamento”, conta Luiza Helena Trajano, presidente do conselho da empresa (leia entrevista no fim desta reportagem). “No Magazine Luiza, começamos a realizar os primeiros testes cegos, nos quais analisam-se os comportamentos. Só depois dessa fase inicia-se a análise técnica.”
DE OLHO EM 2025: HABILIDADES VALORIZADAS
● Pensamento analítico e inovação: capacidades ajudam a planejar e a concretizar projetos para resolver problemas de modo inovador
● Aprendizado ativo: aqui entram atividades de lifelong learning
● Resolução de problemas complexos: quanto maior a habilidade, melhor o profissional vai gerenciar os desafios no mercado
● Pensamento crítico e análise: garantem autonomia e ampliam a capacidade de avaliar e se posicionar diante de diferentes situações
● Criatividade, originalidade e iniciativa: ter ideias fora da caixa é fator de diferenciação
● Liderança e influência social: habilidades são fundamentais para lidar com pessoas e se comunicar bem
● Habilidade tecnológica: em diferentes frentes, como uso, controle e monitoramento
● Autonomia tecnológica: para programação e design tecnológico
● Resiliência, gestão de estresse e flexibilidade: essas três soft skills são muito destacadas também por especialistas
● Raciocínio, solução de problemas e ideação: todas as habilidades que ajudam na solução de problemas vêm ganhando atenção
FONTE: Fórum Econômico Mundial
TIMES MULTIDISCIPLINARES
Outro aspecto que reforça a importância das soft skills é a forma como as companhias estão se estruturando, em equipes formadas por profissionais de áreas diversas. “Uma habilidade muito valorizada no mercado é a capacidade de trabalhar com perfis diferentes, entendendo que cada um tem pontos fortes e fracos”, diz Lachlan de Crespigny, cofundador da Revelo, startup de recursos humanos. “Você tem de desenvolver um jeito para conseguir se comunicar.”
Além de empresas novas, como o Nubank, o Quinto Andar e a própria Revelo, ele menciona que até organizações tradicionais vêm se adaptando ao modelo. “No Itaú, os novos departamentos já estão sendo criados nesse formato também”, diz Crespigny.
‘Uma habilidade muito valorizada no mercado é a capacidade de trabalhar com perfis diferentes’Lachlan de Crespigny, cofundador da Revelo
A Mondelez International é outra empresa que está investindo agora para acelerar as soft skills e mover a cultura da empresa. “Todo time de executivos participa atualmente de um programa de formação customizado, em parceria com a Harvard, chamado Grow, que combina a teoria, mas estimula principalmente a prática de novos comportamentos”, conta Betina Corbellini, diretora de Recursos Humanos da Mondelez Brasil.
VEJA DICAS DE CURSOS, LIVROS E SITES:
Toda habilidade é treinável, e isso não é diferente com as comportamentais. As soft skills mudam de pessoas para pessoa, tanto as que o profissional já tem quanto aquelas escolhidas para focar em desenvolver. Sandra Betti, sócia-diretora da consultoria MBA Empresarial, lembra que um estudo da Universidade de Stanford constatou que 85% do sucesso tem a ver com atitudes positivas e 15% com as hard skills.
No vídeo abaixo, Sandra cita as principais habilidades – entre as socioemocionais e as técnicas – que estão sendo valorizadas no mercado de trabalho. Leia também, nesta página, trechos da entrevista que a especialista deu para o projeto de Lives do Sua Carreira.https://www.youtube.com/embed/OTw84fSH9mI?color=white&playsinline=1&rel=0&enablejsapi=1&origin=https%3A%2F%2Fwww.estadao.com.br
As soft skills estão dentro dessas atitudes mais positivas de vida. “Tem outro estudo que indica que três fatores muito importantes são compaixão, perdão e gratidão. Antes, quem falava essas coisas era meio ridicularizado. Hoje, é um professor de Stanford que diz”, conta a especialista em desenvolvimento gerencial e identificação de talentos.
O aprendizado contínuo, então, é o caminho natural para o aperfeiçoamento. “Antes, nos 20 primeiros anos, você estudava; nos 35 anos seguintes, trabalhava; e nos 15 anos finais, aproveitava a vida. Hoje, faz tudo junto”, diz Daniela Diniz, diretora de Conteúdo e Eventos da Great Place to Work (GPTW). “Isso é o lifelong learning: a vida juntou tudo. E a pandemia só catalisou essas mudanças.”
Daniela esteve entre os convidados das lives do Estadão sobre carreiras. No vídeo abaixo, ela fala sobre como profissionais de diferentes faixas etárias estão interagindo no mercado de trabalho – baby boomers e integrantes das gerações X, Y e Z.https://www.youtube.com/embed/B4bVwkBY6wM?color=white&playsinline=1&rel=0&enablejsapi=1&origin=https%3A%2F%2Fwww.estadao.com.br
Para Daniela, não é correto imaginar que algumas características, que geralmente são atribuídas a uma ou a outra geração, são exclusivas delas. Vai ocorrendo uma mescla. Ela dá um exemplo, dizendo que algumas pessoas atrelam o desejo de trabalhar com propósito, pensando em valores, é algo típico da geração Y ou da geração Z. “Mas os mais velhos também querem trabalhar por propósito, também querem um alinhamento de valores. Eles não querem fazer como antigamente e apenas ganhar o salário no fim do mês.”
ENTREVISTA
LUIZA HELENA TRAJANO
PRESIDENTE DO CONSELHO DO MAGAZINE LUIZA
‘Uma equipe diversa é mais criativa e inovadora’
● Ao longo da sua experiência profissional, o mundo e, consequentemente, as empresas foram mudando. Atualmente, habilidades socioemocionais são, em algumas carreiras, até mais valorizadas do que as técnicas. Como você vê essas transformações e como você mesma se adaptou e se desenvolveu para atuar nesta nova realidade?
Essa mudança já está ocorrendo há algum tempo. As empresas perceberam que contratavam por capacidade técnica e, na maioria das vezes, demitiam por comportamento. No Magazine Luiza, começamos a realizar os primeiros testes cegos, nos quais analisam-se, em primeiro lugar, os comportamentos. Somente após essa fase, inicia-se a análise técnica. Cada vez mais as características socioemocionais devem ser valorizadas pelas empresas.
● Como a inclusão das chamadas minorias (mulheres, negros e LGBTs, por exemplo) nas empresas é importante para o desenvolvimento das habilidades socioemocionais de toda a equipe, como liderança, empatia, comunicação e flexibilidade?
Uma empresa não é uma ilha. Como ela pode falar com seus consumidores se internamente não existe diversidade? Uma equipe diversa é mais criativa e inovadora, e sabe se comunicar melhor com a sociedade.
● O empreendedorismo foi incluído na reforma do ensino médio como uma competência a ser desenvolvida nos estudantes, incluindo aspectos como resolução de problemas e melhor uso de recursos humanos e naturais. Ter uma atitude empreendedora ajuda na carreira?
No Magazine Luiza, nós treinamos e cobramos uma visão empreendedora de todos os colaboradores há muito tempo. Atitude empreendedora é fundamental para qualquer profissional que deseja se destacar em qualquer organização. Desenvolver competências empreendedoras nas escolas será um diferencial para a carreira desses estudantes.
ENTREVISTA
SANDRA BETTI
PSICÓLOGA, MASTER COACH E ESPECIALISTA EM DESENVOLVIMENTO DE PESSOAS E TALENTOS
‘Quer treinar liderança? Tente ser síndico do seu prédio’
Na hora de desenvolver uma habilidade socioemocional, estudar é apenas parte do caminho. Sandra Betti recomenda que a pessoa também busque exercitar na prática a competência, seja liderança, desenvoltura ou qualquer outra soft skill. Seguindo esse conceito, fazer teatro pode ajudar, por exemplo. Ou mesmo enfrentar a função de síndico de prédio. Confira:
● Qual é a melhor maneira de desenvolvermos soft skills? Existe um curso para melhorar ou adquirir uma nova?
Primeira coisa, 70% do nosso aprendizado é na prática. Se eu quero desenvolver comunicação, eu posso assistir a Ted Talks de comunicação, ler livros sobre comunicação, fazer cursos. Mas isso é 10 ou 20%. O ideal é viver situações que vão exercitar aquela competência. Se você quiser aprender a nadar, não adianta ficar só lendo livro ou vendo vídeo. Você tem de entrar na piscina. On the job, na prática. Quero ficar mais desenvolta? Passada a pandemia, se matricule em um curso de teatro amador. Lembro de um rapaz que trabalhava em informática e queria exercer liderança, mas diziam que ele tinha perfil técnico e ninguém deixava ele se desenvolver. Falei: por que você não tenta ser síndico do prédio? ‘Pô, mas todo mundo briga’, ele respondeu. Eu disse: ‘Acho ótimo porque você vai aprender a negociar, a mediar conflitos, e ainda não vai pagar condomínio’.
● Em relação à diversidade e à questão dos vieses inconscientes, peca-se no recrutamento de candidatos exigindo hard skills que, às vezes, eles não adquiriram porque pertencem a grupos de baixa renda, sem acesso a uma melhor formação educacional? Como lidar com isso?
Na consultoria em que trabalho, havia muitas pessoas com problemas de português. A gente contratou um professor, deu aulas. Empresas e escolas podem ajudar muito, mas cada um de nós tem de ser uma máquina de aprendizagem. Para aprender, é preciso ter um plano, um projeto, e ralar. Hoje em dia, tem cursos gratuitos na internet. Tem a Coursera, por exemplo. As melhores faculdades do mundo têm cursos online e dão certificado. Com inglês, você pode acelerar muito a sua carreira. A maioria dos empregos não requer inglês, mas exige se você quiser subir.
● Como faço para que minha mensagem como empresa chegue ao mercado e eu consiga atrair os talentos certos? No processo de seleção, como saber que aquele talento tem o fit cultural para a vaga?
Uma coisa que é muito clara: é uma relação de confiança. Para mim, o mais importante é a coerência entre o que a empresa fala e o que a empresa faz. Muitas empresas falam de cuidado com as pessoas, respeito com as pessoas. E de diversidade também. Discurso bonito todas elas têm. Se você entrar nos valores, é tudo muito parecido. Às vezes, muda um pouquinho a redação. O mais importante não é o que a empresa fala, mas o que ela faz. Sob a perspectiva dos funcionários, a referência para mim sempre foi importante. Se quiser saber da cultura de uma empresa, converse com quem saiu de lá ou com alguém que está lá. Daí a gente vai ver se o discurso que é bonitinho existe na prática.