Editorial
Por
Gazeta do Povo
André Mendonça, ex-ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), foi indicado por Bolsonaro para o STF em meados de julho e será sabatinado no início de dezembro.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado realizará nesta quarta-feira, dia 1.º, a sabatina do ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União André Mendonça, quatro meses e meio após sua indicação por Jair Bolsonaro para uma vaga no Supremo Tribunal Federal. A segunda nomeação presidencial para cadeiras no STF se dá em circunstâncias bastante diferentes da primeira. No fim de 2020, Kassio Nunes Marques, apadrinhado pelo Centrão, passou tranquilamente por uma amistosa sabatina na CCJ e não teve problemas na votação, tanto na comissão quanto no plenário do Senado. Mendonça encontrará um ambiente bastante diverso.
O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP), aproveitando que o regimento do Senado não dava prazos fixos para a marcação de sabatinas de autoridades, segurou a indicação pelo máximo possível de tempo, e não é segredo para ninguém em Brasília que o senador gostaria de ver outro nome no Supremo, o de Augusto Aras, procurador-geral da República. Não será surpresa se senadores do grupo de Alcolumbre tentarem colocar Mendonça nas cordas, na esperança de que o indicado cometa algum deslize que custe o voto de algum senador indeciso – nos bastidores, acredita-se em uma confirmação de Mendonça, mas por margem muito curta; algumas poucas mudanças de opinião poderiam levar à rejeição de seu nome, na CCJ ou no plenário.
A composição atual do STF não tem nenhum ministro com o “pacote completo” tão desejável para fazer do Judiciário um poder que trabalhe efetivamente pelo bem do país
O Brasil sabe, há muito tempo, de que tipo de ministro do STF o país precisa. Vida ilibada, envergadura intelectual e o “notório saber jurídico” são essenciais, mas não bastam: precisamos de alguém que prestigie o bom combate à corrupção e não seja leniente com a roubalheira; que seja um defensor da vida e da família; que não se deixe levar por corporativismos ou estatismos; que respeite a separação de poderes e as prerrogativas do Executivo e do Legislativo; e que entenda seu grande papel de guardião da Constituição, e não seu redator, defendendo com todas as forças as liberdades e garantias individuais. O passado recente mostrou como o Supremo tem falhado em vários desses assuntos, do apagão da liberdade de expressão à vergonhosa sequência de decisões teratológicas que fizeram de Lula um ficha-limpa e de Sergio Moro um magistrado suspeito.
E a composição atual do STF não tem nenhum ministro com o “pacote completo” tão desejável para fazer do Judiciário um poder que trabalhe efetivamente pelo bem do país. Há ministros que têm posturas corretas em temas de vida e família, mas cujas decisões e votos estão destruindo a Lava Jato e minando o combate à corrupção; há ministros duros com a ladroagem, mas que defendem o que há de pior na pauta de costumes “progressista”; há quem decepcione em ambos os aspectos; há os que não demonstram o menor respeito pelas garantias do artigo 5.º da Constituição e seguem adiante com inquéritos ilegais e abusivos; há os que veem o Supremo como um “superpoder” e não titubeiam antes de tomar o lugar do Executivo e do Legislativo.
Mas nem sempre o ministro de que o Brasil precisa é o ministro que os senadores querem ver entronizado em uma cadeira do Supremo. Muitos parlamentares não escondem a preocupação com a possibilidade de Mendonça representar uma sobrevida para a Lava Jato dentro do STF – e o novo ministro terá como destino a Segunda Turma, que julga processos relativos à operação. Na comunidade jurídica, Mendonça é descrito como “lavajatista” ou “punitivista” moderado, mas ele vem afirmando que, no Supremo, será um “garantista” – ninguém será ingênuo de imaginar que o sabatinado comprometerá suas chances desagradando senadores; se Mendonça resolver contemporizar, no entanto, estará revelando mais sobre os senadores que sobre si mesmo, pois é muito preocupante o fato de haver um número razoável de senadores que veriam com maus olhos um candidato que afirme com todas as letras seu compromisso com o bom combate à corrupção.
Talvez este seja o grande problema com a eventual “dureza” dos senadores em relação a Mendonça na sabatina. Ordinariamente, é o que se esperaria de uma sessão de perguntas e respostas: que fosse ocasião não de salamaleques, mas de um interrogatório objetivo, com pressão, cobrança de posicionamentos e esclarecimentos, questionamentos sobre possíveis incoerências. Todo candidato ao Supremo deveria passar por uma sabatina criteriosa. Mas o rigor, aqui, servirá não para que tenhamos um indicado com o perfil de que o país necessita, mas para atender os interesses de um grupo político que preferia outro nome, ou para arrancar compromissos de leniência em um tema tão importante quanto o combate à corrupção. Que na quarta-feira o Brasil esteja atento às respostas de Mendonça, mas também às perguntas dos senadores.
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