Opinião
Por
Thaméa Danelon – Gazeta do Povo
Ações recentes do Poder Legislativo ajudaram a enfraquecer leis e mecanismos de combate à corrupção| Foto: Rodrigo Viana /Senado Federal
A Operação Lava Jato inaugurou uma fase de mudanças no cenário de combate à corrupção no Brasil, pois além de trazer um novo paradigma de investigação, a operação contribuiu para diminuir a impunidade no país, pois indivíduos com grande poder político e econômico que cometeram desvios de verbas públicas foram investigados, processados, condenados e presos.
Essa atuação eficiente da Justiça brasileira resultou não só na devolução de mais de R$ 4 bilhões aos cofres públicos, mas também em grandes progressos e avanços sistêmicos no combate à corrupção. Por exemplo, no ano de 2016 o STF autorizou a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância, e esse fato inibiu novas práticas corruptas e também fomentou diversas colaborações premiadas, que resultaram na devolução de milhões de reais à União.
Contudo, em 2019 esse cenário mudou bastante e, na minha percepção, o combate à corrupção ficou severamente enfraquecido e danificado quando o Supremo alterou seu entendimento e proibiu a prisão após condenação em segunda instância. Constata-se que após essa decisão, diversas outras instituições — e até o próprio STF — adotaram posturas que apenas enfraqueceram esse combate.
Ainda em 2019 o Supremo decidiu retirar da Justiça Federal de Curitiba e encaminhar para a Justiça Eleitoral todos os processos da Lava Jato que envolvessem — além de corrupção e lavagem de dinheiro — o crime de caixa dois eleitoral. Nesse mesmo ano, o STF também anulou o processo do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine ao criar uma nova regra processual na qual os rés delatados deveriam se manifestar na fase final dos processos após os réus delatores.
Em abril de 2021, o Supremo anulou quatro processos da Lava Jato contra o ex-presidente Lula, e esse perigoso precedente foi utilizado para anulação de outros casos relevantes, como do ex-presidente Michel Temer e do ex-ministro Guido Mantega.
Já em maio desse ano, o Supremo decidiu aumentar o foro privilegiado de congressistas, entendendo que caso um deputado inicie um mandato como senador, e vice e versa, as investigações e processos contra esse parlamentar continuariam perante o STF, criando o chamado foro privilegiado cruzado. Também no mês de maio, o STF anulou o recebimento de denúncia referente ao quadrilhão do PP, onde diversos políticos — inclusive o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira — estariam envolvidos em desvios na Petrobras de valores em torno de R$ 390 milhões.
Em relação ao Poder Executivo, em fevereiro desse ano, o governo elencou 34 propostas legislativas prioritárias, mas dentre elas não havia temas relacionados ao combate à corrupção, e esse fato chamou muita atenção dos profissionais que trabalham com essa pauta.
Já no que se refere ao Poder Legislativo, diversos pacotes de enfrentamento à corrupção não foram aprovados e, por outro lado, foram votadas leis que enfraqueceram esse combate. Como exemplo, em dezembro de 2016 a Câmara dos Deputados desfigurou completamente o pacote das 10 medidas contra a corrupção; pois os principais pontos não foram aprovados, e foram inseridos destaques que não se relacionavam ao combate à corrupção.
Em 2019 os principais pontos do pacote anticrime também não foram aprovados, como a prisão após condenação em segunda instância; as reformas no sistema de recursos processuais — que objetivava tornar os processos mais céleres e a Justiça mais otimizada; e também não foi aceita a proibição das saidinhas de presos, que é um benefício ao criminoso sem qualquer razoabilidade.
Por outro lado, foi aprovada a instituição do juiz de garantias, que na minha opinião somente vai burocratizar ainda mais a Justiça. Neste ano de 2021 a aprovação de alterações na Lei de Improbidade Administrativa também foi um grande retrocesso no combate à corrupção, pois, por exemplo, foram diminuídos os prazos para investigação dos atos de improbidade — o que inviabiliza essa apuração — e também foram encurtados os prazos de prescrição, ocasionando impossibilidade de apuração dessas condutas.
Também nesse ano, agora no começo de dezembro, o Senado não aceitou a indicação de um juiz de direito que atuou na Lava Jato, feita pelo STF, para integrar o CNMP, o Conselho Nacional do Ministério Público. No âmbito do MPF, em fevereiro desse ano a força-tarefa da Lava Jato foi extinta, contribuindo com essa percepção de retrocessos.
Assim, percebemos que após a Lava Jato, a impunidade aumentou e o combate à corrupção ficou muito enfraquecido, pois PECs importantes ainda não foram aprovadas, como a PEC da prisão após condenação em segunda instância; a PEC da redução do foro privilegiado; e a PEC que altera a forma de escolha dos ministros do STF, e estabelece um mandato de 10 anos a eles.
Mas, apesar de todos esses retrocessos, é essencial que a população não perca as esperanças, pois é primordial que a sociedade continue acompanhando a vida política do nosso país e a atuação dos nossos governantes e parlamentares para que essas pautas sejam retomadas e, de preferência, aprovadas. O combate à corrupção não é um trabalho fácil, ao contrário, é árduo, persistente e por vezes atropelado e engolido pelo sistema corrupto. Mas, ainda assim, devemos seguir nessa batalha, e o apoio do povo brasileiro é essencial para que tenhamos a vitória nessa guerra.
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