Editorial
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Gazeta do Povo
AGU pediu esclarecimentos sobre decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso.| Foto: Bigstock
Desde a segunda-feira, dia 13, os postos de fronteira brasileiros estão cobrando dos viajantes que pretendem ingressar no Brasil o comprovante de vacinação contra a Covid-19. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) enviou uma notificação sobre a exigência após decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, em liminar publicada no dia 11, atendendo a pedido do partido Rede Sustentabilidade – o plenário do Supremo deve analisar o tema ainda nesta semana. Além disso, o governo federal também trabalha na elaboração de uma portaria interministerial que substitua o texto publicado no último dia 8, que permitia a entrada de não vacinados, desde que tivessem teste negativo recente e cumprissem quarentena após entrar no Brasil.
Definir exigências de entrada – desde a simples necessidade de passaporte válido, ou visto, até o estabelecimento de critérios sanitários – é prerrogativa de qualquer nação soberana, que o faz levando em consideração as circunstâncias que julga mais adequadas: países que costumam atrair imigrantes ilegais costumam ser mais rígidos, enquanto destinos interessados em promover o turismo podem adotar restrições mínimas para atrair mais visitantes, e assim sucessivamente. Exigências de vacinação não são novidade e já são aplicadas há algum tempo – a mais comum, ao menos para turistas brasileiros, é a obrigatoriedade de imunização contra a febre amarela, imposta por vários países. Se um país quer adicionar a vacina contra a Covid-19 à lista de exigências de entrada, tem todo o direito de fazê-lo; se considera que basta ao visitante apresentar testes negativos ou comprovação de já ter sido infectado, com imposição de quarentena, também exerce sua soberania da mesma forma. Seria possível até mesmo usar o princípio da reciprocidade – por exemplo, o Brasil aplicaria aos cidadãos de certo país a mesma regra que essa nação impõe para permitir a entrada de brasileiros.
Se Barroso considera que as regras atuais para entrada no Brasil apresentam “ambiguidades e imprecisões”, poderia pedir esclarecimentos ao governo, mas jamais decidir no lugar dele
Mas, ao menos no caso brasileiro, está é uma decisão que cabe única e exclusivamente ao Poder Executivo, que, ouvindo os pareceres das autoridades sanitárias e outros órgãos, estabelece aquela que considera ser a política mais adequada para regular a entrada de viajantes. Se Barroso considera que as regras atuais apresentam “ambiguidades e imprecisões”, poderia pedir esclarecimentos ao governo, mas jamais decidir no lugar dele. Quando concede liminar determinando a exibição de comprovantes de vacinação, o Supremo – mais uma vez – atropela as competências de outros poderes. Ainda por cima, neste caso, o fez de maneira imprecisa, por exemplo ao não deixar claro se a exigência vale apenas para estrangeiros, ou também para brasileiros, que poderiam até mesmo ser impedidos de regressar ao próprio país, situação que a Advocacia-Geral da União, em pedido de esclarecimentos ao STF, considera desproporcional.
Como já lembramos em inúmeras ocasiões, o avanço da vacinação tem servido para controlar a Covid, como se observa nas estatísticas de novos casos, internações e mortes em estados e municípios Brasil afora – quanto maior a cobertura vacinal, melhores vêm sendo os indicadores. Mesmo assim, o cenário ainda pede cautela, especialmente diante do surgimento de novas variantes como a ômicron, cujas características em termos de transmissibilidade e letalidade ainda estão sendo estudadas. A preocupação em impedir que o Brasil volte a perder o controle da doença é legítima e, se há inúmeras pessoas de boa fé que julgam ser necessário exigir a vacinação de quem entra no país, também há inúmeras pessoas de boa fé que consideram válidas alternativas como a apresentação de testes negativos, o cumprimento de quarentenas ou a comprovação de imunidade adquirida em contaminação anterior. A decisão final, no entanto, cabe ao governo, que em breve será avaliado nas urnas pelo que tenha feito ou deixado de fazer no enfrentamento da pandemia.
De qualquer forma, ainda que seja razoável e proporcional a exigência de comprovantes de vacinação de visitantes estrangeiros como forma de impedir que a Covid retorne com força ao Brasil, o mesmo não se pode dizer de outra forma de “passaporte de vacina”, aquele de “uso interno” e que infelizmente tem se espalhado pelo país. Como já explicamos neste espaço, exigir a vacinação para usufruir de determinados serviços ou estar em certos ambientes ou eventos é uma imposição desnecessária em um país que tem aderido à vacinação de forma voluntária. Ela faz dos não vacinados cidadãos de segunda classe, verdadeiras ameaças ambulantes – ainda que não estejam infectados. A decisão de não se imunizar (muitas vezes motivada por fatores que precisam ser levados em consideração) acaba transformada em um “crime” horrendo cujos autores ficam privados de direitos que podem ser exercidos até por verdadeiros criminosos, condenados pela Justiça por violações a artigos reais do Código Penal, bastando que estejam vacinados e dependendo do seu regime de cumprimento de pena.
O combate à Covid não aceita relaxamento, e a vitória ainda não foi conquistada. Mas os avanços têm sido possíveis sem violar a autonomia dos brasileiros em relação à vacina. Na luta contra a pandemia, há exigências razoáveis, e outras completamente desproporcionais; que saibamos distinguir entre umas e outras, e respeitar as prerrogativas de cada ator público responsável por tomar tais decisões.
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