A pregação de punições rigorosas, a repressão e a ameaça de cadeia para corruptos são fórmulas que apenas iludem a sociedade.
Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, O Estado de S.Paulo
Existem temas que são adotados por políticos como símbolos de sua atuação dentro ou fora do Parlamento. Lembro-me da persistência – quase obstinação – do senador Nelson Carneiro em relação ao divórcio. Empreendeu uma incansável batalha em prol da possibilidade do rompimento do vínculo matrimonial. Contra a sua pregação ergueram-se vozes e forças poderosas. A Igreja, as entidades religiosas, a imprensa conservadora e todos os segmentos sociais que por razões diversas defendiam a ideia de ser o matrimônio indissolúvel se voltaram contra ele e contra o seu pleito.
Outra ardorosa postulação foi em prol da adoção da pena de morte no País. O seu prosélito foi o deputado Amaral Netto.
Discussões acerbas, nos dois casos, envolveram a sociedade, que se dividia. A favor ou contra.
O divórcio foi finalmente aprovado, mas a pena de morte continua proibida. O aborto é outra questão de infindáveis debates.
Essas questões, no entanto, foram postas de forma clara, sem subterfúgios, sem encobrir a intenção de enganar.
Pois bem, o inverso ocorre com o apregoado combate à corrupção por meio da sanção penal, em que é omitido um aspecto fundamental: a punição só é aplicada após o crime ter sido cometido. Assim, ela não o evita. É óbvio: as causas deste crime, sim, é que deveriam ser combatidas, e não apenas as suas consequências.
Os defensores daqueles temas nunca procuraram usar falsos argumentos de persuasão. Não apresentam alegações ilusórias e distantes da realidade. A opção é feita como um ato de vontade que se apresenta sem vícios.
O posicionamento nesses temas pode ter se transformado num canal político, mas como decorrência natural, sem constituir o objetivo visado.
Quanto à corrupção, uma primeira observação é de que ela não suscita controvérsias como o divórcio ou a pena de morte. Ninguém – rigorosamente ninguém – se coloca a favor da corrupção. Obviamente, nem os corruptos.
O problema reside no que fazer e como fazer para estancá-la. A corrupção não é extinta com uma lei, como se fez com a adoção do divórcio.
Deve-se, de início, ter presente que a corrupção está intimamente ligada à ética. E a ética não se impõe, se induz a adotá-la. Com certeza, a corrupção diminuiria substancialmente se aumentasse o número dos que pautam as suas condutas pelo cuidado em não prejudicar terceiro nem a coletividade. Na vida gregária, os direitos de cada qual devem respeitar os direitos e os interesses alheios, os da própria sociedade e os da Nação. É a ética aplicada à convivência social.
Por outro lado, outra proposição importante no combate à corrupção seria a revisão do nosso ordenamento legal, com a edição de leis eficientes de defesa, proteção e fiscalização do erário, por meio de órgãos de controle. Não adiantam leis mais rigorosas. A ameaça de prisão não inibe. Nem sequer o homem que esteve preso se sente desencorajado a voltar a praticar atos lesivos, quando em liberdade.
Ter ética e adotar medidas de proteção ao erário diminuirão a corrupção, porque atingem as suas causas, ao passo que a punição só alcança os seus efeitos, portanto quando ela já foi praticada. Não a evita. Debelar as causas, sim, é necessário.
Nesse sentido, conclui-se que a pregação de punições rigorosas, a repressão e a ameaça de cadeia são fórmulas que apenas iludem a sociedade. Pensa-se que o delito está sendo combatido, mas não está. É mentira, é ludibrio, é falácia, é enganação pura.
Saliente-se que, em nome deste pseudocombate à corrupção, muitas injustiças foram praticadas. Permitiu-se a adoção de um instituto que contraria o nosso sistema penal, o da delação premiada, que conduziu à prática da barbárie judiciária. Transformou-se, inclusive, num caminho para a impunidade. Grandes assaltantes dos cofres públicos e do dinheiro alheio, por terem acusado terceiros, muitas e muitas vezes falsamente, estão em liberdade, enquanto os delatados estão presos e com a sua vida destruída.
Dentro deste quadro enganoso de “combate à corrupção”, encontramos um perigoso componente, que é a sua instrumentalização política. Veículo de promoção pessoal com objetivos eleitorais, parte da sociedade prefere comprar essa falsa ideia a desnudá-la pela via da análise isenta.
Bastaria a verificação incontestável de que a corrupção continua a campear e a atingir todos os setores da vida nacional. Ela está, atualmente, instalada de forma sólida nas próprias relações interpessoais. Lesar o próximo, infelizmente, é o objetivo de não poucos cidadãos.
O verdadeiro combate à corrupção se dará quando forem desprezadas as tapeações, a falsa retórica e a demagogia. A sua utilização política para o alcance do poder não pode mais ser aceita pela sociedade. Esta não deve mais se deixar iludir; deve, sim, dizer basta.
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ADVOGADO