Editorial
Por
Gazeta do Povo

Dinheiro / Real – 25-05-2017 – O Real é a moeda corrente oficial da República Federativa do Brasil. A cédula de um real deixou de ser produzida, entretanto continua em circulação alguns exemplares. As demais cédulas de real continuaram sendo produzidas normalmente pela Casa da Moeda. Entre elas, as notas de: 2,5,10,20,50 e 100. Na foto, detalhes de uma nota de 100 reais.

| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo


Neste 2021 que termina com vários indicadores econômicos bastante preocupantes – inflação, dólar e juros em alta; e desemprego ainda persistente, embora em trajetória de queda –, há alguns números que merecem destaque no campo positivo: o aumento da arrecadação, a melhoria no resultado primário e a redução na dívida pública como proporção do PIB; em todos esses casos, há forte chance de o resultado consolidado de 2021 ser bem melhor que as previsões feitas no início do ano, embora as explicações para tal estejam também nos indicadores ruins, mostrando que a recuperação não se baseia apenas em fatores virtuosos e que o mercado financeiro tem razão quando continua a desconfiar da saúde fiscal brasileira.

O ano de 2020 foi movido a enormes gastos governamentais para conter os efeitos econômicos da quebradeira geral provocada pelas medidas de combate à pandemia de Covid-19. Foram centenas de bilhões de reais em programas como o auxílio emergencial e o pagamento de compensações aos trabalhadores que tiveram contratos de trabalho suspensos ou tiveram jornada e salário reduzidos – um dinheiro muito bem gasto, pois colaborou para a preservação de vários postos de trabalho e manteve ao menos parte do poder aquisitivo das famílias mais pobres. Mas mesmo uma despesa necessária e justificada deixa sua marca nas contas públicas – no caso, um déficit primário de 9,44% do PIB e uma dívida pública que passou de 75,2% para 88,8% do PIB, considerando a soma dos resultados de União, estados, municípios e estatais.

A quebra de confiança no ajuste fiscal brasileiro, provocada por medidas como a PEC dos Precatórios, leva o investidor a exigir juros cada vez maiores na compra de títulos brasileiros

Em 2021, no entanto, houve uma reversão na trajetória da dívida pública: depois de bater os 89,4% em fevereiro, o indicador começou a recuar até chegar a 82,9% em outubro, com previsões para fechar o ano em 81,2% do PIB na estimativa de instituições do mercado financeiro. Um contraste enorme com as previsões de início do ano, quando as projeções colocavam a dívida perto de 93% do PIB no fim deste ano. E o resultado primário do setor público tem melhorado a ponto de o déficit primário dos 12 meses terminados em outubro ser de apenas 0,24% do PIB; há quem considere que 2021 pode terminar com superávit primário, o que não ocorre há muitos anos.

No entanto, especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo explicam que parte dessa melhoria é efeito justamente de um dos mais problemáticos indicadores do ano: a inflação fora de controle, voltando aos dois dígitos pela primeira vez desde 2015. Preços de produtos e serviços em alta geram mais impostos, especialmente quando o modelo brasileiro tributa pesadamente a produção e o consumo; e puxam o PIB nominal para cima, reduzindo a proporção dívida/PIB. Em outras palavras: a proporção caiu não porque a dívida esteja sendo reduzida, mas apenas porque o PIB subiu, e parte desta subida se deve não à recuperação econômica (que inegavelmente existe), mas à elevação nominal de preços do que é produzido no país.


E o que a inflação trouxe “de positivo” (e essa expressão precisa ser usada com muito comedimento, dados os enormes prejuízos que a inflação causa) em 2021 será tomado de volta em 2022, já que a alta dos juros para conter a espiral inflacionária aumentará a dívida pública, que é em parte atrelada à Selic. Além disso, a quebra de confiança no ajuste fiscal brasileiro, provocada por medidas como a PEC dos Precatórios, leva o investidor a exigir juros cada vez maiores na compra de títulos brasileiros, encarecendo mesmo a dívida não atrelada à Selic. Como resultado, o mercado estima que proporção entre dívida e PIB voltará a subir, até chegar a quase 89% em 2026 e 2027, antes de começar a cair. Esta porcentagem, é preciso ressaltar, corresponde ao critério do Banco Central, que não considera os títulos do Tesouro em posse do próprio BC. Instituições internacionais como o FMI incluem esses títulos em seu cálculo, resultando em uma proporção dívida/PIB ainda maior – nesta conta, a dívida pública encerrou 2020 em 98,9% do PIB, dez pontos porcentuais a mais que pelo critério do BC.

Depois dessa melhora ilusória nas contas públicas em 2021, o próximo ano deve ter um aumento da proporção dívida/PIB e a volta de um déficit primário substancial – R$ 79,3 bilhões, segundo a recém-aprovada lei orçamentária. Que 2022 ao menos sirva para Executivo e Legislativo lançarem as bases para que os anos seguintes vejam melhoras com bons fundamentos, sem novas gambiarras orçamentárias, com a aprovação de reformas como a administrativa e tributária, com inflação sob controle e juros novamente em trajetória de baixa. Um compromisso real com a saúde fiscal do Brasil recuperará a confiança do mercado e atrairá mais investimentos que geram emprego e renda.


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