Editorial
O fim da democracia em Hong Kong
Por
Gazeta do Povo

Autoridades eleitorais abrem urnas para contar os votos da eleição legislativa em Hong Kong, 19 de dezembro.| Foto: EFE/EPA/Jerome Favre

A democracia em Hong Kong deu seus últimos suspiros no fim de 2021, com uma série de medidas impostas pelo governo local, completamente subserviente ao Partido Comunista da China, e em desafio explícito ao acordo que permitiu a devolução do território pelo Reino Unido em 1997. O processo eleitoral foi corrompido a ponto de só permitir a eleição de representantes pró-Pequim e a liberdade de imprensa já é inexistente, com prisões de jornalistas e fechamento de veículos de imprensa pró-democracia.

Em 1997, a devolução de Hong Kong ocorreu sob a condição de que a China respeitasse o que ficou conhecido como o modelo de “um país, dois sistemas”: as liberdades democráticas que vigoravam sob o domínio britânico continuariam valendo para os cidadãos do território por 50 anos. Mas o que havia sido aceito por Jiang Zemin de nada valeu para o atual ditador chinês, Xi Jinping, que não quis esperar até 2047 para transformar Hong Kong em uma extensão do resto do país em todos os sentidos.

Os cidadãos de Hong Kong tentaram resistir, tomando as ruas em 2019 contra um projeto de lei sobre extradições e elegendo candidatos pró-democracia para 90% das cadeiras em disputa nas eleições locais. A resposta de Pequim foi a aprovação de uma nova lei de segurança nacional para Hong Kong, que basicamente criminaliza qualquer ato de oposição ao Partido Comunista. A nova legislação vem sendo usada em conjunto com uma lei de sedição da época colonial britânica para coibir manifestações, destruir a liberdade de expressão, prender ativistas pró-democracia e silenciar toda a imprensa que não seja estatal ou não reproduza o discurso oficial de Pequim.

Xi Jinping pode não repetir em Hong Kong o massacre da Praça da Paz Celestial, mas isso não torna democrático um regime que coíbe todas as liberdades individuais, impede qualquer pluralidade política, censura a opinião, vigia seus cidadãos e massacra minorias étnicas como os uigures

Em 29 de dezembro, o chefe da Associação de Jornalistas de Hong Kong, Ronson Chan, e mais cinco funcionários ou ex-funcionários do site noticioso pró-democracia Stand News foram presos e acusados de “conspiração para veicular publicações sediciosas (insurreição contra a autoridade estabelecida)”. No início de dezembro, a Justiça local já havia condenado três pessoas, incluindo Jimmy Lai, dono do site Apple News, por participarem de uma vigília em memória dos mortos no massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989. O Apple News, também pró-democracia, encerrou suas atividades em junho de 2021 após severa perseguição do governo chinês.

Em outra frente, para evitar uma nova derrota eleitoral como a de 2019, a legislação do país foi alterada para praticamente impedir a participação de candidatos que não estivessem alinhados com Pequim em futuros pleitos. Como resultado, nas eleições legislativas de 2021, realizadas pouco antes do Natal, quase todos os assentos em disputa (e que já são a minoria do Conselho Legislativo de Hong Kong) foram vencidos por candidatos pró-China.


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Os protestos das potências ocidentais contra a destruição da democracia em Hong Kong têm sido amplamente ignorados; em primeiro lugar, porque até agora não foram além de simples manifestações de desagrado, ainda que veementes; em segundo lugar, porque a China realmente se considera capaz de seguir fazendo o que bem entender – seja com Hong Kong, seja no Mar do Sul da China –, testando os limites da comunidade internacional e sem esconder que seu grande objetivo é submeter também a ilha de Taiwan. O “boicote diplomático” anunciado por vários países aos Jogos Olímpicos de Inverno, marcados para fevereiro em Pequim, gerou reação mista por parte do governo, que ora manifesta indignação, ora minimiza o protesto – um jornal estatal chegou a afirmar que a ausência de autoridades estrangeiras seria até benéfica por não contribuir para a expansão da pandemia de Covid-19, que começou justamente na China.

Ao comentar os resultados das eleições legislativas, Pequim mencionou uma certa “democracia com características de Hong Kong” – uma tônica repetida por autoridades do Partido Comunista e representantes diplomáticos chineses mundo afora, como se a China fosse apenas um “tipo diferente” de democracia, mas ainda assim uma democracia. Uma estratégia de propaganda típica dos adeptos de uma ideologia para quem a verdade pouco importa. Xi Jinping pode não atropelar os cidadãos de Hong Kong com tanques, como a ditadura chinesa fizera na Praça da Paz Celestial em 1989, mas isso não torna democrático um regime que coíbe todas as liberdades individuais (em Hong Kong e no resto do seu território), impede qualquer pluralidade política, censura a opinião, vigia seus cidadãos e massacra minorias étnicas como os uigures.


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