PEC 110
Por
Célio Yano
Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ao centro, recebe o relatório da PEC 110, da reforma tributária| Foto: Pedro Gontijo/Agência Senado
A proposta de emenda à Constituição (PEC) 110/2019, que trata da reforma do sistema tributário sobre consumo no país, ficou estacionada no Senado nos últimos meses de 2021, mas deve ser prioridade na retomada dos trabalhos legislativos, a partir de fevereiro de 2022. A reforma tributária tem apoio do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
“Independentemente daqueles que são favoráveis ou contrários, nós temos que deliberar pela importância e pelo significado da matéria. Constará da pauta da primeira reunião [da CCJ] a leitura do relatório”, disse no fim de dezembro o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre, segundo o “Valor”.
O parecer apresentado pelo relator da matéria, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), traz um substitutivo que propõe a unificação de tributos e a criação de um imposto seletivo.
O texto também dispõe sobre o fim de isenções para itens da cesta básica, com um mecanismo de devolução de tributos para famílias de baixa renda em contrapartida, além da cobrança de IPVA sobre embarcações e aeronaves e da instituição de um Fundo de Desenvolvimento Regional.
O substitutivo dá base constitucional ao projeto de lei de autoria do Executivo, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) em substituição aos atuais PIS e Cofins. O relatório tem o apoio do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) e da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), além do aval do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Confira as principais mudanças propostas no substitutivo de Rocha:
IVA dual
A principal inovação da PEC é prever um modelo de imposto sobre valor agregado (IVA) “dual”, ou seja, composto de dois tributos: um de competência federal – a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – e um de responsabilidade de estados e municípios – o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
A CBS, conforme já previso em projeto de lei do Executivo que tramita na Câmara dos Deputados, substituirá os atuais PIS e Cofins. Já o IBS resultará da fusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é estadual, e do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), de competência dos municípios.
De acordo com o texto, os tributos não serão cumulativos, ou seja, incidirão apenas sobre o valor agregado em cada fase da produção ou comercialização do produto ou serviço, não reincidindo sobre cada etapa da cadeia produtiva.
Segundo o relator da PEC, a opção pelo IVA dual se deu em razão da percepção de que, dessa forma, União, estados e municípios terão mais autonomia para administrar seus tributos. Além disso, o modelo é apoiado pelo Ministério da Economia, que não aceitava a ideia de um IVA único para os três níveis da federação.
Alíquotas do IBS
Cada estado e município terá autonomia para fixar as alíquotas do IBS. A legislação do imposto, no entanto, será única, definida em lei complementar nacional. Esse texto geral definirá parâmetros como base de incidência, formas de creditamento e definição de contribuinte, por exemplo, que serão padronizados para todo o país.
A proposta prevê ainda que a alíquota do IBS será uniforme sobre todos os bens e serviços, com possibilidade de exceções e regimes diferenciados, que serão definidos em lei complementar.
Embora não estejam especificados no substitutivo da PEC, o relator diz em seu relatório que o intuito é que haja regimes diferenciados de tributação para:
operações com combustíveis, lubrificantes e produtos do fumo, que poderão ser cobradas em uma única fase;
prestação de serviços financeiros, em razão das dificuldades de se tributar operações remuneradas na forma de margem pelo regime padrão de débito e crédito; e
operações com bens imóveis – a justificativa é que o mercado imobiliário é bastante heterogêneo, envolvendo aluguéis, venda direta, incorporações, aquisições por pessoas físicas e jurídicas, imóveis comerciais e residenciais, etc.
A lei complementar também deve instituir regimes especiais, na avaliação do relator, para setores considerados importantes do ponto de vista social. São citados como exemplos:
atividades agropecuárias, agroindustriais, pesqueiras e florestais;
produtos integrantes da cesta básica de alimentos;
gás de cozinha para uso residencial;
educação básica, superior e profissional;
saúde e medicamentos;
transporte público coletivo e regular de passageiros; e
aquisições realizadas por entidades beneficentes de assistência social.
Apesar da definição da maior parte dos benefícios ficar para lei complementar, algumas situações em que haverá tratamento diferenciado já estão previstas na PEC – caso das compras governamentais, da Zona Franca de Manaus, das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) e do Simples Nacional.
O IBS não incidirá sobre exportações e não integrará sua própria base de cálculo, o que significa que será calculado “por fora”, não mais “por dentro”, visando a transparência das operações.
Princípio do destino
Com o objetivo de evitar a chamada “guerra fiscal”, em que estados e municípios disputam a instalação de grandes empresas por meio da concessão de incentivos fiscais para fins arrecadatórios, o relator adotou em seu substitutivo o chamado princípio de destino. Ou seja, o imposto deixa de pertencer ao local onde ocorre a produção, passando a ser devido ao local de consumo, ou seja, o destino da operação com bem ou da prestação de serviço.
Imposto seletivo
Outra mudança será a criação do Imposto Seletivo (IS), que substituirá o atual Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e terá caráter extrafiscal, ou seja, de regulação. Conforme o substitutivo à PEC, o tributo incidirá sobre a produção, importação ou comercialização de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde, como cigarros e bebidas alcoólicas, ou ao meio ambiente. Estarão isentos do IS os produtos voltados à exportação.
O imposto será de competência da União e terá a arrecadação partilhada com estados, Distrito Federal e municípios, seguindo os mesmos critérios previstos atualmente para a partilha do que é recolhido com o IPI. A alíquota será definida em lei ordinária que regulamentará o novo tributo, mas poderá ser alterada pelo Executivo dentro dos limites previstos no texto legal.
O prazo para transição entre o IPI e o IS também será definido em lei, mas a PEC cria travas para que não haja sobreposição dos tributos e que não haja elevação de carga tributária.
Distribuição entre municípios
Embora o princípio do destino altere a distribuição de recursos entre os estados e entre os municípios, o relator buscou preservar a participação das receitas da União, do conjunto de estados e do Distrito Federal e do conjunto dos municípios e do Distrito Federal sobre o total arrecadado.
No caso da CBS, não haverá alteração, uma vez que PIS e Cofins já pertencem à União. Para o IBS, foram mantidas os porcentuais que já vigoram para a cota-parte do ICMS, e as parcelas do imposto de renda e do IPS que pertencem a estados e municípios, sendo apenas incluído o IS na base de partilha com os entes subnacionais.
Foi criado, no entanto, um novo critério para distribuição da cota-parte do IBS. Rocha explica que a regra atual, que distribui os recursos proporcionalmente ao valor adicionado no município, perde o sentido, “na medida em que o IBS é um imposto sobre o consumo e não sobre a produção”.
Dessa forma, da parcela do IBS a ser distribuída a municípios, o cálculo seguirá as seguintes proporções:
60% proporcionais à população dos municípios;
5% distribuídos igualmente entre todos os municípios do estado;
35% vinculados ao que dispuser a lei estadual.
Devolução de imposto para famílias de baixa renda
O substitutivo prevê ainda a restituição do IBS para famílias de baixa renda, por meio de mecanismo a ser definido em lei complementar. A identificação do público-alvo seria feita por meio do Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico).
O mecanismo substituirá medidas como a isenção na tributação sobre itens da cesta básica, que o relator considera não ser a maneira mais eficiente de se fazer política distributiva.
“Em primeiro lugar, porque não há garantias de que o menor tributo será repassado para os consumidores na forma de menores preços. Em segundo lugar, porque, ainda que os pobres, proporcionalmente à sua renda, tenham maiores gastos com alimentos e outros itens essenciais à sobrevivência, em valores absolutos, o seu consumo é inferior ao das camadas mais abastadas na população. Assim, os gastos tributários associados à isenção de itens da cesta básica beneficiam mais fortemente as populações mais ricas do que as economicamente menos favorecidas”, explica Rocha.
Fundo de Desenvolvimento Regional
Também a ser instituído por lei complementar, há previsão no substitutivo de um Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), cujos recursos poderão ser utilizados para “projetos de infraestrutura, qualificação de trabalhadores, conservação do meio ambiente, inovação e difusão de tecnologias, bem como fomento a atividades produtivas com elevado potencial de geração de emprego e renda”.
Segundo a proposta de Rocha, o fundo será abastecido com um percentual das receitas do IBS, que será variável em função do aumento real da arrecadação, não podendo exceder 5%. Caso o crescimento real da receita do IBS seja muito baixo, o financiamento do FDR poderá ser complementado por um adicional da alíquota do imposto, não superior a 0,8 ponto porcentual. Ainda conforme o texto, 30% do montante serão destinados aos municípios e 10% a investimentos em infraestrutura nos estados de origem de produtos primários destinados à exportação.
Período de transição
Para o consumidor, o prazo de transição será de sete anos. Nos dois primeiros anos a partir da entrada em vigor das alterações, o IBS terá uma alíquota de 1%. Do terceiro ao sexto ano, as alíquotas do ICMS e do ISS serão reduzidas na proporção de um quinto ao ano – os benefícios fiscais cairão na mesma medida. Ao mesmo tempo, as alíquotas do IBS serão definidas pelo Senado de modo que a arrecadação com o novo tributo seja equivalente à arrecadação do ICMS e do ISS. No início do sétimo ano, ICMS e ISS serão extintos, completando a transição para o novo modelo.
Já para a distribuição federativa da receita, a transição levará 20 anos no total, com retenção decrescente de parte do IBS para distribuição entre estados, Distrito Federal e municípios. Outra parcela será distribuída com base no princípio do destino, até que, ao final do período, toda a arrecadação seja partilhada a partir desse critério.
IPVA para embarcações e aeronaves e atualização do IPTU
O parecer também contém mudanças na tributação sobre patrimônio, a principal delas incidência do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) sobre veículos aquáticos e aéreos, com lanchas, iates, jet skis, jatinhos e helicópteros.
Hoje apenas proprietários de veículos terrestres pagam IPVA. Segundo a proposta, as alíquotas serão fixadas por lei complementar, com possibilidade de isenções, incentivos e benefícios fiscais, além de taxas diferenciadas em função do tipo, valor, utilização e tempo de uso dos bens.
Estarão isentos veículos de uso comercial destinados exclusivamente às empresas que tenham como atividade fim a pesca artesanal, o transporte público de passageiros ou o transporte de cargas, além de veículos aquáticos destinados às populações indígenas e ribeirinhas que os utilizem para atividades de subsistência.
Já para o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o senador propõe que a base de cálculo seja atualizada ao menos uma vez a cada quatro anos, tendo como teto o valor de mercado do imóvel.
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