Partidos da base
O preço do Centrão: como PP e Republicanos barganham apoio à reeleição de Bolsonaro
Por
Rodolfo Costa – Gazzeta do Povo
Brasília
Presidente Jair Bolsonaro e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, em audiência no Palácio do Planalto: presidente do PP enfrenta resistências internas para selar apoio à reeleição.| Foto: Marcos Correa/PR
O presidente Jair Bolsonaro (PL) pode sair candidato à reeleição sem o apoio formal do PP e do Republicanos. Ambos os partidos enfrentam resistências internas para se coligarem com a chapa presidencial. A hipótese de uma federação partidária com o PL é uma hipótese ainda menos provável.
Integrantes da base governista no Congresso, as duas legendas têm representantes no primeiro escalão do governo federal. O PP com Ciro Nogueira, presidente nacional da sigla, no comando da Casa Civil. Já o Republicanos tem o ministro da Cidadania, João Roma, como representante.
A presença de Nogueira e Roma na Esplanada não é, contudo, garantia de que Bolsonaro contará com PP e Republicanos nas eleições de outubro deste ano. A presença de seus representantes sequer tem evitado o governo de se tornar alvo de lideranças de ambos os partidos nos bastidores.
A ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, deputada licenciada do PL, entrou na mira de lideranças de PP e Republicanos, além de parte do PSL e até de sua própria sigla. Eles cobram a demissão da ministra alegando o descumprimento de acordos. Bolsonaro defendeu Flávia e disse que não pretende demiti-la, mas o discurso interno no PP e no Republicanos é de que a fritura dela é apenas o início de um processo de pressão político-eleitoral.
O que PP e Republicanos querem de Bolsonaro e o governo
Os ruídos na base governista contra Flávia Arruda estão diretamente relacionados a cobranças por recursos não liberados referentes a emendas parlamentares prometidas ao fim de 2021. Contudo, também estão indiretamente associados a demandas políticas e eleitorais deste ano.
Até 2 de abril, 11 ministros podem desembarcar do governo para a disputa das eleições. A legislação eleitoral determina que ministros se desincompatibilizem dos cargos seis meses antes do primeiro turno das eleições, previstas este ano para 2 de outubro. Flávia está entre os ministros que deixarão o cargo.
Com a saída de ministros do governo, PP e Republicanos querem ser ouvidos no processo de definição dos próximos ministros e ter aval na escolha dos sucessores a fim de ampliar sua influência no cenário político nacional. Entretanto, a cessão de ministérios a ambos os partidos não será o suficiente para levá-los a apoiar a reeleição de Bolsonaro.
Além da demanda por emendas parlamentares, cargos e ministérios, lideranças e dirigentes partidários de PP e Republicanos cobram de Bolsonaro apoio para as pré-candidaturas de aliados a disputas, sobretudo no Senado, onde o presidente da República não abre mão de ter a palavra final para a indicação de aliados.
Como resistências internas distanciaram o PP de Bolsonaro
Diferentemente do PL, partido presidido a punhos de ferro por Valdemar Costa Neto, o PP tem seu poder mais descentralizado. É um partido com diversos “caciques” e lideranças políticas com influência. Por isso, mesmo que Ciro Nogueira seja o presidente do partido e ministro da Casa Civil, a possibilidade de não apoiar a reeleição de Bolsonaro é real.
O deputado federal André Fufuca (PP-MA), vice-líder da legenda na Câmara, pensa em entrar com uma ação na Justiça para que o tempo de TV do partido seja usado pelos estados, apurou a Gazeta do Povo. Fufuca submeteu a ideia a diretórios estaduais, que teriam de arcar com as despesas nas emissoras estaduais. A reportagem procurou o posicionamento do parlamentar, mas não obteve resposta.
A defesa capitaneada por Fufuca foi interpretada no PP como uma forma de pressionar a legenda para “liberar” seus diretórios estaduais a fim de que possam construir alianças ao bel-prazer. “O movimento do Fufuca é a maior coerência de que o PP não vai apoiar Bolsonaro”, pondera uma liderança do partido em caráter reservado.
Existe uma divisão interna no PP acerca da ideia de apoiar Bolsonaro, sobretudo na região Nordeste e em São Paulo. Uma parte dos dirigentes e demais lideranças já era contrária à ideia de filiar o presidente da República e se mantém contra uma coligação com a chapa presidencial, principalmente com a possibilidade de adesão em uma federação partidária com PL, Republicanos, PTB e PROS.
“Não vejo o PP indo com Bolsonaro, até porque acho que ele não vai ganhar”, pondera uma liderança da sigla no Congresso. “Muitos estão loucos para ficar mais longe do Bolsonaro”, complementa. Mesmo o acordo para que o partido indique o vice de Bolsonaro pode ser revisto dadas as resistências internas, pondera um segundo influente congressista da legenda.
“Sem ele [filiado] não vão botar o vice se o Lula realmente estiver em primeiro nas pesquisas. Não tenho dúvida que o partido vai ‘ser governo’ de quem ganhar”, sustenta. “O PP não decide nada antes de abril. Vai trabalhar muito na janela partidária [para filiar outros deputados e evitar debandas], então, o cenário de abril que vai permitir saber se apoiará Bolsonaro ou não”, acrescenta.
O veto de Bolsonaro à nomeação do ex-deputado Alexandre Baldy (PP-GO) para ocupar um posto de articulação política no Ministério da Economia é outro motivo que irritou o partido. Aliado de Nogueira, ele é pré-candidato ao Senado por Goiás, mas deseja disputar o posto na mesma chapa do atual governador, Ronaldo Caiado (DEM), que irá à reeleição. Porém, Bolsonaro decidiu apoiar o líder do PSL, deputado Vitor Hugo (GO), que irá se filiar ao PL na janela partidária.
O que está por trás das críticas do Republicanos a Bolsonaro
A mágoa no PP após Bolsonaro vetar o apoio a Baldy no Senado também ecoa no Republicanos, onde a pressão é tão grande quanto ou até maior. Dirigentes e outras lideranças do partido — que tem uma ligação estreita com a Igreja Universal do Reino de Deus — se sentem desprestigiados pelo governo.
Nos bastidores, o partido entende que o governo não se esforçou o suficiente para bancar a nomeação do ex-senador Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), bispo licenciado da Universal, à embaixada do Brasil na África do Sul. O governo sul-africano não deu aval para a indicação e Bolsonaro retirou o pedido de designação.
A expectativa da igreja em Crivella ser embaixador na África do Sul tinha como um dos intuitos ampliar as investidas diplomáticas sobre Angola, onde a Universal é acusada de desviar dinheiro. Crivella é sobrinho de Edir Macedo, fundador e líder da Universal. A igreja afirma ser “vítima de uma trama elaborada por um grupo de ex-oficiais que foram expulsos da Igreja em decorrência de graves desvios de conduta”.
Sem a indicação de Crivella para a embaixada da África do Sul, o Republicanos esperava, ao menos, que Bolsonaro o apoiasse como seu candidato ao Senado. Nos bastidores, o presidente sinalizou, contudo, que apoiará a reeleição do senador Romário (PL-RJ). Em Goiás, como Bolsonaro vetou o apoio a Alexandre Baldy, o partido espera contar com o apoio ao deputado federal João Campos (Republicanos-GO), que disputará o Senado. Entretanto, dirigentes seguem sem sinalizações de que o apoio virá.
Mesmo com João Roma como representante do Republicanos no primeiro escalão do governo e em um ministério politicamente relevante, como o da Cidadania, Bolsonaro é criticado por não ter consultado seus representantes da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) antes da escolha. “Tanto que o nome não é alguém do meio evangélico”, sustenta uma liderança do partido.
Sem apoio de Bolsonaro para alianças nos estados, sem um evangélico indicado pelo partido no ministério e pouco ouvido pelo governo, o Republicanos é um dos partidos que lidera a pressão contra a ministra Flávia Arruda. Seu atual líder, Hugo Motta (PB), tem feito críticas a ela na imprensa e ameaçado romper com o governo.
A recente pressão exercida pelo Republicanos é reconhecida internamente como uma forma de chamar a atenção do governo a, ao menos, ouvir o partido na reforma ministerial que virá até abril, embora lideranças ligadas à Universal não queiram a indicação de um político ligado à igreja. “É mais importante que fiquemos nos bastidores fortalecendo o voto evangélico do que desgastá-lo dentro do processo eleitoral”, destaca uma liderança da legenda.
O líder do partido é quem negocia com o governo. “O Republicanos está conversando, Hugo é uma pessoa em ascensão, mas o segmento do partido que é da Igreja Universal prefere não se colocar na frente para ter cargos no Executivo, queremos evitar desgastes para preservar o voto evangélico. Estamos preferindo não ventilar nomes como o do próprio Marcos Pereira [presidente do partido], ou [os deputados] Vinícius Carvalho, João Campos, Márcio Marinho ou o Aroldo Martins”, diz outra liderança.
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Quais as chances de PP e Republicanos não apoiarem a reeleição
A demanda por emendas, cargos, ministérios e por apoio de Bolsonaro a aliados nos estados é a forma que PP e Republicanos encontraram para oferecer seu capital político em 2022 e evitar que o presidente perca poder de fogo eleitoral na campanha presidencial. Com essas duas legendas, a chapa à reeleição teria mais minutos de tempo de TV e recursos do fundo eleitoral.
Apesar das resistências e mágoas a Bolsonaro, não está descartado que ambos os partidos apoiem a reeleição. “O PP não quer ficar muito perto do governo, só que não tem outra alternativa. Doria não tem força e Moro vai bater num teto e não vai empolgar”, pondera uma liderança. “Para o PP, o que vale é a bancada de deputados, por isso o Ciro queria a filiação do Bolsonaro. Ele vai ver a melhor forma de manter a bancada [de deputados], está administrando [o partido] e trabalhando para eleger mais”, complementa.
O cálculo feito por Ciro Nogueira é que o apoio a Bolsonaro pode ajudar o partido a ampliar a bancada na Câmara. Embora o presidente nacional do PP não comande a legenda com mãos de ferro, alguns parlamentares lembram que ele é quem controla os recursos dos fundos partidário e eleitoral e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), comanda a liberação das emendas de relator. Juntos, os dois terão peso determinante na decisão do partido sobre se coligar ou não com Bolsonaro.
O deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS) é um dos parlamentares que não descarta o apoio do partido à reeleição. “Por uma questão de coerência, por estar ajudando o governo, o PP tende a seguir o caminho da aliança com Bolsonaro, pelos espaços que têm e influência que tem”, diz. “Mas não dá para deixar de levar em conta as características regionais que, ao longo das últimas eleições, têm pesado muito e dificultado, inclusive, a unidade dos diretórios estaduais com relação à candidatura nacional”, alerta.
O Republicanos é outro que pode seguir o mesmo caminho do PP em avaliar os prós e contras e optar pelo apoio a Bolsonaro. “Nós não podemos ser oposição, é muito difícil para nós”, analisa uma liderança da Câmara ao ressaltar que a grande maioria do eleitorado evangélico é de direita.
Outro deputado pondera, no entanto, que o partido não pode ser oposição a nenhum candidato. “A gente fica mais na retaguarda, não assume o nome, lideranças da igreja conversam mais nos bastidores, não podemos levantar bandeira A, B, C ou D, porque temos sempre que levantar a da Igreja [Universal] e da Record”, justifica.
O parlamentar acrescenta, ainda, que existe um movimento de esquerda em buscar apoio dentro de outras igrejas evangélicas. “A gente sabe que existe um movimento lulista dentro de outras igrejas, muito voltada para a pauta social, não necessariamente o PT. Mas uma aproximação para Lula está sendo criada em meio a essa polarização”, sustenta o deputado.
O deputado federal Aroldo Martins (Republicanos-PR), vice-líder da legenda na Câmara, evita colocar o partido em um lado ou outro no xadrez eleitoral. “O Republicanos é um partido que tem identidade, prefere não estar na mesa do jogo para dar ou receber cartas e ver quem é que vai ganhar, porque nós não somos assim”, destaca.
“Estamos atentos ao que está acontecendo na atualidade, nas mudanças políticas e naquilo que o Brasil necessita. Estamos abertos para conversar naquilo que for melhor para a sociedade brasileira, mas não somos um partido que tem preço a ponto de comprometer os nossos princípios”, complementa Martins.
O que o governo pensa sobre a pressão de PP e Republicanos
O governo federal encara com sobriedade a pressão exercida pelos partidos da base. Há um entendimento de que PP e Republicanos não deixarão a base e que os movimentos adotados pelas legendas não impedem a construção de uma aliança de apoio à reeleição de Bolsonaro em 2022.
Mesmo a pressão sobre a ministra Flávia Arruda não é exercida com o intuito de desgastar diretamente o governo. “Alguns líderes fizeram questão de dizer que essa repulsa a ela não tem a ver com o governo, mas especificamente com ela”, assegura um interlocutor governista.
Aliados governistas da base ‘raiz’ de Bolsonaro no PSL dizem, contudo, que o presidente não está fechado para negociar eventuais apoios a lideranças do PP ou Republicanos nos estados. “O presidente não está fechado para ouvir os partidos caso a caso. Em Goiás, por exemplo, ele não tem problema em conversar com o João Campos. Agora, o Baldy não tem como, ele se inviabiliza por ele próprio, foi secretário do Doria, foi preso, foi ministro do Temer e parceiro do Maia”, sustenta uma liderança.
Em Goiás, Bolsonaro assegura a aliados, contudo, que pretende manter o apoio à candidatura de Vitor Hugo ao governo estadual. A despeito de Caiado ser considerado favorito à reeleição, o presidente entende que, no passado, outros candidatos conseguiram surpreender nas eleições no estado, a exemplo dos ex-governadores Alcides Rodrigues (Patriota) e Marconi Perillo (PSDB).
O deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP), vice-líder do partido na Câmara, acredita que PP e Republicanos irão compor a coligação de Bolsonaro e não teme em debandada da base. “Tem partidos que não têm pra onde correr. Eles vão ficar reféns do presidente, quais são as candidaturas a presidente que podem vingar? Não tem. É claro que existem brigas internas, mas são atritos por conta de espaços no governo”, pondera.
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