Editorial
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Gazeta do Povo

Chuvas recentes elevaram os níveis dos reservatórios de usinas hidrelétricas, mas fim das bandeiras tarifárias mais caras depende das chuvas dos próximos meses.| Foto: Alexandre Marchetti/Itaipu Binacional

Em 2021, a crise hídrica fez o preço da energia elétrica disparar, com o acionamento de usinas termelétricas, mais caras, o que por sua vez levou ao estabelecimento de uma bandeira tarifária extraordinária, que durará pelo menos até abril deste ano. Uma das consequências da energia mais cara foi a inflação muito acima da meta, puxada justamente pela conta de luz e também pelos combustíveis. Por isso, consumidores veem com alívio a elevação dos reservatórios causada pelas recentes chuvas, que vieram acima da média em várias regiões do país – lamentavelmente, também causando catástrofes –, mas ainda é cedo para saber se o Brasil conseguirá deixar definitivamente para trás a crise hídrica e as despesas adicionais causadas por ela.

O subsistema Sudeste/Centro-Oeste, responsável pela geração de 70% da energia hidrelétrica no país, estava com os lagos de suas usinas em 25% de sua capacidade no fim de 2021, mas o índice já subiu para pouco menos de 40%. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) avalia que a recuperação vem em bom ritmo, mas, para que seja possível enfrentar sem sobressaltos os meses mais secos, que começam com o inverno, será preciso que os próximos meses mantenham a escrita das últimas semanas, com chuvas em quantidade suficiente e nos locais certos, como as cabeceiras e as barragens das usinas. Só com reservatórios mais cheios a bandeira tarifária poderá ser reduzida – a consultoria MegaWhat, ouvida pela Gazeta do Povo, estima que em maio poderá vigorar até mesmo a bandeira verde, sem sobretaxa alguma, com bandeira amarela entre junho e agosto e o retorno à bandeira verde entre setembro e dezembro. Ao menos no bolso do consumidor, a diferença seria notável em relação a 2021.

As lições desta mais recente crise hídrica precisam ser aprendidas e aplicadas. O potencial brasileiro em energias renováveis vai muito além das usinas hidrelétricas

Mas, ainda que este cenário se concretize, a crise hídrica e erros passados deixaram uma conta que ainda terá de ser paga mais cedo ou mais tarde. O gasto com o acionamento das termelétricas e a importação de energia de países vizinhos foi de R$ 16,8 bilhões, quase 30% a mais que o previsto pelo governo federal. O custo total, no entanto, deve ser ainda maior: R$ 140 bilhões nos próximos 30 anos, segundo estimativa do Instituto Clima e Sociedade feita ainda em novembro do ano passado e que também inclui o preço dos jabutis inseridos pelo Congresso na MP da privatização da Eletrobrás.

Além disso, o brasileiro ainda não terminou de pagar as consequências da MP 579, a catástrofe intervencionista de Dilma Rousseff que prometeu baratear a energia em 2012, mas desorganizou tanto o setor elétrico que em menos de dois anos as tarifas já haviam voltado aos mesmos patamares de quando a MP entrou em vigor – e seguiram subindo. Em 2017, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu que as empresas de transmissão de energia tinham direito a uma indenização de R$ 62,2 bilhões, que só terminaria de ser paga em 2025; em abril do ano passado, a agência estendeu para 2027 o prazo final para o pagamento com o objetivo de diluir o efeito para o consumidor.


Ao menos parte desses aumentos todos poderia ter sido evitada se sucessivos governos tivessem prestado atenção ao regime hídrico. A queda nos níveis dos reservatórios é um fenômeno observado desde 2012 – em junho daquele ano, os lagos das usinas do sistema Sudeste/Centro-Oeste chegaram a 72%, nível que nunca mais foi alcançado. Três presidentes da República passaram pelo Planalto desde então, e pouco foi feito para que a matriz energética brasileira pudesse ter um “plano B” limpo e barato caso a geração hidrelétrica enfrentasse crises; as termelétricas sempre foram e continuam sendo a grande alternativa nos períodos de estiagem, com as consequências já amplamente conhecidas.

As lições desta mais recente crise hídrica precisam ser aprendidas e aplicadas. O potencial brasileiro em energias renováveis vai muito além das usinas hidrelétricas – espera-se que o marco legal recentemente aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro estimule investimentos em áreas como energia solar, eólica e biomassa. Incentivo à competição no setor e melhoria na infraestrutura de transmissão também são ações muito necessárias. Sem ampliar sua oferta de energia, de preferência a custos menores, o Brasil não conseguirá crescer às taxas necessárias para reverter males socioeconômicos como o desemprego e a pobreza.


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