Corte tem demorado, em média, sete meses para avaliar os projetos, quatro meses a mais do que o previsto em norma do próprio Tribunal; órgão diz que período deve ser contado a partir do momento em que todos os documentos estão disponíveis
Guilherme Pimenta, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – As privatizações não saíram do papel no governo Jair Bolsonaro. Para o governo, um dos culpados desse quadro é o Tribunal de Contas da União (TCU), que estaria demorando mais que o esperado para analisar os projetos de venda de estatais – o que acabaria atrapalhando o processo. Para o TCU, porém, esse é um problema do governo, que enviaria projetos incompletos, prejudicando a análise.
Estudo feito pela advogada Ana Carolina Alhadas Valadares aponta que o TCU leva, em média, 216 dias (7 meses) para analisar processos de privatização, quatro meses mais que o previsto em instrução normativa da própria Corte, que estabelece 90 dias (3 meses).
Ela analisou 26 projetos de desestatização elaborados pelo Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) desde 2015, que posteriormente foram encaminhados para o parecer prévio da Corte. A autora leva em conta em seu estudo a data do protocolo do processo no TCU e seu tempo de conclusão. O tribunal, porém, contesta essa metodologia, pois considera que o tempo só passa a contar quando o órgão tem acesso a todos os documentos que solicitou.
A regra atual determina que a unidade técnica do TCU tem 75 dias para analisar os projetos. Depois, o processo é enviado ao plenário, que tem 15 para avaliação. O governo não é obrigado a aguardar a análise do TCU, mas prefere esperar para dar mais segurança jurídica à operação, tendo em vista que a Corte de Contas pode proferir decisões cautelares a qualquer momento, o que impediria a viabilidade de alguns projetos e reduziria o apetite dos investidores.
“Não há clareza sobre os fatores que acarretam a demora na análise prévia das desestatizações. Isso porque nem a instrução normativa atual nem a unidade técnica indicam o exato momento em que o prazo para conclusão foi deflagrado e, eventualmente, interrompido”, disse Ana Valadares.
Apesar do prazo ser mais longo do que dispõe a regra, a autora pondera, no estudo, que a norma atual que regulamenta as desestatizações acelerou a análise. “Verificou-se que aqueles processos que foram instaurados após a edição da instrução atual são encerrados mais rapidamente, comparativamente àqueles regidos pelas instruções anteriores”, disse a autora. O prazo caiu de 367 dias para 179, na média, com a regra atual, de acordo com o estudo.
No estudo, Ana Valadares conclui também que a área econômica da desestatização é determinante para acelerar ou atrasar a análise do TCU: o setor de óleo e gás, por exemplo, é o que mais demora para ser analisado pelo tribunal, no total de 430 dias. Rodovias, por sua vez, demoram em média 271 dias para serem analisadas. Geração e transmissão de energia, na análise, são as mais céleres: têm levado, em média, 46 e 109 dias, respectivamente.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=Q8a4D2
Já o TCU discorda em relação ao início de quando se começa a contar o tempo de análise pelo órgão dos processos de privatização. Em nota, o tribunal afirmou que é preciso considerar se as propostas já chegam com as informações completas ao órgão e, só a partir daí, começar a contar o prazo de 90 dias.
Segundo o TCU, em áreas em que há mais experiência em privatizações, como transmissão de energia e portos, os prazos, em média, são de 70 dias e 40 dias, respectivamente. Em outros casos mais complexos, como o do 5G, o tribunal levou 61 dias se contados a partir do momento em que todas as informações necessárias tinham chegado ao órgão.
A disputa envolvendo os prazos para analisar as desestatizações fez com que o tribunal reconhecesse que a norma atual pode ser aprimorada. O prazo de 90 dias não deve ser alterado, mas há a intenção de dar mais transparência à análise: os prazos passariam a ser analisados caso a caso pelo ministro-relator do processo, e o cronograma do trabalho da unidade técnica seria apreciado e aprovado em plenário.
Prazo apertado
O governo corre contra o tempo, por exemplo, para vender a Eletrobras até o fim do mandato de Jair Bolsonaro. Até o momento, o TCU não concluiu a análise da primeira etapa – cujo julgamento deve ocorrer em março, quando o ministro Vital do Rêgo devolverá seu pedido de vistas.
Quando levou a análise a julgamento, o ministro-relator, Aroldo Cedraz, apontou “incompletude das informações” prestadas pela União, o que, segundo apontou a unidade instrutiva, inviabilizou a análise conclusiva da venda da Eletrobras “em todos os seus aspectos”. Isso impediu, afirmou o ministro, o início da contagem do prazo.
A análise do edital do 5G também demandou tensões entre o Executivo e o TCU. Os estudos chegaram ao órgão em 18 de janeiro de 2021, mas o edital só ganhou sinal verde em plenário em 25 de agosto do ano passado, após 220 dias. Assim como no processo da Eletrobras, o Tribunal também informou na ocasião que a União deixou de encaminhar documentos básicos para a análise técnica, que atrasaram o início da contagem do prazo e a realização do julgamento em, no mínimo, três meses. À época, ainda houve um esforço da unidade técnica para analisar o processo em período inferior aos 75 dias.
No fim do ano passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ser inadmissível que o governo eleito com um programa liberal que inclui privatizações, esbarre em obstáculos de outros Poderes para vender empresas estatais.
Para o advogado André Rosilho, coordenador do Observatório do TCU da FGV Direito SP, para aumentar a segurança jurídica, seria importante que o TCU “procurasse reforçar padrões e construir critérios robustos para a análise das desestatizações”. “Por que certos processos avançam mais rapidamente do que outros? Por que, às vezes, casos semelhantes recebem tratamento diverso?”.