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Hoje o máximo da vanguarda modernista é ler um livro inteiro sem ir às redes sociais

Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo

Há cem anos, a ainda pacata vida cultural de São Paulo foi abalada pela Semana de Arte Moderna. Um grupo de intelectuais, vários deles ligados à Academia Paulista de Letras, usou o espaço do Teatro Municipal para indicar vanguardas e criticar modelos antigos, como a poesia Parnasiana. 

Aqueles dias memoráveis viraram tópico de estudo. A Semana aparece nos vestibulares. Vários dos integrantes transformaram-se em “medalhões” da cena artística. A poeira baixou um pouco. Não sei se há uma pesquisa, no entanto, imagino que existam boas tribos citando “ora direis ouvir estrelas” de Bilac como há encantados com o ódio de Bandeira ao “lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo”. O volumoso rio da língua portuguesa admitiu igarapés variados. 

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Esboço da tela ‘Operários’ feito por Tarsila do Amaral em 1933 Foto: James Lisboa Leiloeiro

Sou historiador e não literato. Tenho dúvida se modernos e parnasianos seriam inimigos ou faces distintas de uma mesma moeda. De um lado, uma cara arrojada e arlequinal; de outro, uma coroa de fraque e pince-nez – ambos fundidos de mesmo metal raro e algo elitista. Do ponto de vista da novidade, Carolina de Jesus é um terremoto social mais denso com seu Quarto de Despejo do que os debates de 1922. Se não quisermos entrar na delicada seara social-étnica, tenho a sensação de que, bem antes daquele fevereiro de 1922, O Guesa [de Sousândrade tinha um potencial revolucionário certamente perturbador. 

Volto ao tema: 1922 foi um ano agitado! Em fevereiro, São Paulo gritou ao mundo seu orgulho de vanguarda. Em março, fundava-se o Partido Comunista, em Niterói (RJ). No início de julho, os canhões do Forte de Copacabana anunciavam o começo do fim da República Velha. E, claro, Epitácio Pessoa passaria o poder ao famigerado Arthur Bernardes em meio às celebrações do centenário da Independência. Nos agitados meses de 1922, o mundo ainda veria o choro inicial de um futuro laureado do Nobel: José Saramago. Naquele ano, o prêmio foi para o espanhol Jacinto Benavente. 

No mundo de 2022, quem seria moderno? A primeira e segunda geração de modernistas já viraram nomes de ruas, praças e bibliotecas. No atomismo atual, onde estaria a modernidade? Acho que o máximo da vanguarda modernista hoje é ler um livro inteiro sem consultar redes sociais durante a leitura. Quem faz isso está além de Macunaíma de Mário ou da pedra poética de Drummond. Ler e pensar já é ato de modernidade completamente fora do padrão e de imensa ousadia.

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By valeon