Segurança eleitoral

Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília

O novo modelo de urna eletrônica que será usada nas eleições de 2022.| Foto: Divulgação/TRE-PR

As respostas fornecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao Centro de Defesa Cibernética do Exército (CDCiber) sobre os processos que envolvem os procedimentos técnicos, a transparência e a segurança das urnas eletrônicas não afastaram as incertezas sobre a lisura das eleições entre militares, o governo e aliados da base governista – sobretudo os mais fiéis ao presidente Jair Bolsonaro (PL).

A identificação pelo TSE de 712 riscos na área de tecnologia da informação da Corte desde as eleições de 2018 é o motivo que alarma e não convence a militares, ao governo e a aliados da base do governo. O dado consta das respostas encaminhadas aos questionamentos feitos pelo CDCiber em dezembro de 2021.

O argumento entre os diferentes atores políticos e nas Forças Armadas é de que as respostas não foram integralmente satisfatórias pelo alto volume de riscos identificados. “As dúvidas [sobre a segurança das urnas eletrônicas] persistem”, sustenta um interlocutor militar de um comandante de força.

A leitura feita nas Forças Armadas não é diferente da feita no governo e por alguns aliados no Congresso, a ponto de tanto no Executivo e no Legislativo não descartarem possíveis questionamentos futuros sobre a lisura das eleições deste ano. Por ora, contudo, a retomada do debate sobre o voto impresso auditável como um movimento político é algo descartado tanto no Palácio do Planalto quanto na base aliada de Bolsonaro.


Como as respostas do TSE foram recebidas entre os militares
A divulgação das respostas pelo TSE foi recebida com ressalvas entre generais e oficiais mais próximos dos comandantes das Forças Armadas. Na cúpula, uma avaliação feita é que, ao tornar público o documento sigiloso encaminhado pelo departamento especializado em segurança cibernética do Exército, a Corte eleitoral procura atestar a segurança e inviolabilidade das urnas eletrônicas.

Contudo, os 712 riscos à tecnologia da informação identificados pelo TSE representam um dado que liga o sinal de alerta entre alguns militares, a ponto de oficiais da cúpula afirmarem à Gazeta do Povo que as Forças Armadas não irão ratificar a segurança das urnas eletrônicas.

O TSE criou em setembro a Comissão de Transparência Eleitoral (CTE), composta por especialistas em tecnologia, órgãos de fiscalização e representantes de entidades civis, inclusive do Exército. Foi no âmbito desse colegiado que o Centro de Defesa Cibernética (CDCiber) foi incluído no grupo.

Em termos práticos, militares dizem que nada muda em relação à presença do Exército no CTE, mas sustentam que o TSE não terá o respaldo das Forças Armadas na defesa das urnas eletrônicas após as respostas divulgadas diante dos mais de 700 riscos encontrados. “O que vai acontecer é que, sem os militares, o TSE perde força no seu argumento sobre a urna eletrônica”, sustenta um interlocutor.

Uma informação que circula nas Forças Armadas é de que a não ratificação da segurança das urnas eletrônicas, que poderia ser feito por um posicionamento formal no âmbito da CTE, seria o motivo pelo qual o general Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, teria desistido de assumir a direção-geral do TSE.

À frente do cargo, Azevedo e Silva cuidaria de questões administrativas e de segurança do tribunal. Segundo o próprio TSE, Azevedo e Silva alegou questões pessoais de saúde e familiares para declinar o posto. “Ele abdicou porque contava que as Forças Armadas iriam ratificar a segurança das urnas e não vão”, afirma um militar.

O que é dito no governo sobre o relatório do TSE
O posicionamento do TSE foi recebido como insatisfatório no governo. Os mais críticos até desdenham do relatório completo, com 636 páginas. “É algo que vai ter que ser analisado com lupa, porque quando se quer enganar alguém ou dificultar as análises, você insere um ‘quarto inteiro’ de documento onde lá no meio tem as respostas. Vai ter que garimpar”, diz um interlocutor governista.

Os 712 riscos constatados no relatório são apontados no Planalto como a principal fonte de incerteza sobre a lisura das eleições. Os mais próximos de Bolsonaro incorporaram o discurso de que os números escancaram o que consideram ser uma vulnerabilidade das urnas eletrônicas e defendem que o presidente se posicione sobre o assunto em “doses homeopáticas”.

Já membros do núcleo político, mais ligado ao Centrão, entendem que as respostas não sejam plenamente satisfatórias, mas pregam uma visão mais sóbria e pragmática, a fim de evitar uma nova tensão nos ânimos com ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa ala de governistas entende que Bolsonaro não ultrapassou o tom em recentes críticas aos ministros do TSE – como havia feito durante parte do ano passado. Mas também veem como prudente não exagerar.

No Planalto, é dito que eventuais respostas de Bolsonaro sobre o tema não ganharão contornos e movimentos políticos além de declarações eventuais nas tradicionais lives, em entrevistas a veículos de imprensa ou declarações a apoiadores nas ruas. “A ideia é não tensionar. Não é hora de brigar. É hora de convencer”, diz um interlocutor do Planalto. “Mas isso não significa que o presidente deixe de dizer o que fez e defende, como a defesa por mais transparência e auditagem do voto”, complementa.

O presidente da República expressou sua opinião acerca das eleições pelas urnas eletrônicas em entrevista à Jovem Pan na quarta-feira (16). Bolsonaro pregou lisura nas eleições e pediu que sejam “limpas”, “transparentes” e auditáveis por contagem pública de votos, em uma referência ao modelo de urnas do voto impresso votado no ano passado pelo relatório do deputado federal Filipe Barros (PSL-PR).

“O que eu quero – e o que eu entendo que a grande maioria dos eleitores brasileiros querem – é eleições limpas sem qualquer dúvida de possível fraude”, comentou Bolsonaro na entrevista. No trecho seguinte, ele rebateu uma declaração do ministro Edson Fachin, do STF e e do TSE, de que a Rússia “têm relutado em sancionar os cibercriminosos que buscam destruir a reputação da Justiça Eleitoral e aniquilar com a democracia”. A declaração de Fachin ocorreu em meio à visita de Bolsonaro à Rússia.

Bolsonaro disse que declaração de Fachin sobre os russos criou constrangimento em sua recente viagem ao país. O presidente ainda provocou Fachin ao dizer que a fala demonstra “claramente” o “medo” do ministro de um ataque hacker. “De onde vem esse ataque hacker? Eu não sei, mas ele demonstra claramente que o TSE não está preparado para suportar um ataque hacker”, disse.

Qual é a avaliação sobre as respostas na base do governo
As incertezas acerca do relatório do TSE são partilhadas pela base governista mais ideológica. O deputado federal Coronel Armando (PSL-SC), militar reformado do Exército e vice-líder do PSL na Câmara, prega uma visão comedida acerca do relatório e entende que é prudente maturar e dissecar as respostas. Mas mantém uma posição de desconfiança sobre a segurança da urna eletrônica.

“Eu trabalhei com consultoria. Então, sobre esses 712 riscos, primeiro tem que ver a gravidade dos riscos. Um risco pode decorrer da queda de energia, por exemplo, e pode ser minimizado com ações. Mas, se tiver alguma ação que não possa minimizar, o risco se torna potencialmente grave”, diz Armando. “De toda a forma, minha posição é de que as urnas não são invioláveis. Concordo com o presidente [Bolsonaro] de que, se o ministro Fachin acha que os russos podem [invadir], ela nunca foi impenetrável.”

O deputado, que integra a base mais “fiel” de Bolsonaro no PSL, não descarta questionamentos por parte da sociedade e de atores políticos sobre as urnas ao longo do ano, mas avalia que o debate sobre o voto impresso não será retomado. “Voto impresso não vai ter. O próprio presidente sabe que não tem mais tempo hábil. Não há mais condições para colocar nas urnas o voto auditável impresso”, diz.

O deputado federal Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), vice-líder do bloco formado por seu partido com o PTB na Câmara, também não descarta questionamentos acerca da lisura das eleições e entende que apenas fatos muito graves poderiam levar o Congresso a rediscutir o voto impresso.

“Se porventura surgirem questionamentos não do resultado, mas do método, com evidências e fatos que possam vir a contaminar uma parcela significativa da sociedade e gerar uma desconfiança predominante, aí, entendo que possam haver questionamentos [sobre a lisura] e problemas sérios de instabilidade”, diz. “O Congresso só vai voltar a discutir [o voto impresso] se ocorrer algum problema muito evidente. Se não, duvido que essa discussão vai se repetir”, acrescenta.

Sobre o relatório do TSE, o parlamentar, que presidiu a comissão especial que discutiu a PEC do Voto Impresso em 2021, diz que os 712 riscos identificados apenas reforçam sua convicção de que o sistema tem hipótese conceitual de falha. “Do contrário, o TSE teria resolvido o problema mundial de invasões e hackeamento, que, ao contrário do que alguns falam, não se dá só pela internet, pode se dar muito antes da conexão, segundo os especialistas.”

O especialista em sistemas eleitorais Mário Gazziro, professor de engenharia e computação forense, participou do debate sobre o voto impresso na comissão especial e atesta que a possibilidade de um hackeamento pode se dar em etapas anteriores à conexão das urnas na internet. Sobre o relatório do TSE, ele avalia que as respostas são satisfatórias para as perguntas feitas pelo Exército, mas sustenta que elas não garantem a idoneidade do resultado de uma eleição no caso de uma adulteração dos softwares dentro da urna.

“Não foi feita a pergunta básica, sobre o princípio da independência do software em sistemas eleitorais, cunhado pelo pesquisador Ronald Rivest, que seria: ‘de que forma você vai garantir que não terá adulteração no resultado final uma vez que exista, supostamente, uma adulteração não detectada no software?’. É possível descrever diferentes situações sobre como o software pode ser adulterado. O argumento técnico para evitar isso é o voto impresso”, afirma Gazziro.

O especialista alerta ainda que a maioria dos protocolos de segurança que o TSE se refere em suas respostas ao Exército como aprimoramento nas urnas foram criadas por portarias em 2021, como as políticas de: auditoria e registro de logs (registros de atividade); de backup; de gestão de ativos da segurança da informação; de gestão de identidade de acesso; de gestão de vulnerabilidade; e de uso aceitável de tecnologia da informação. “Não existiam essas políticas antes”, diz.


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