Invasão russa
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Fábio Galão – Gazeta do Povo
Moradores de Kiev se concentram em estação do metrô para se proteger do bombardeio das forças russas| Foto: EFE/EPA/MIKHAIL PALINCHAK
Ao fim do primeiro dia da invasão russa na Ucrânia, o presidente do país, Volodymyr Zelensky, reclamou da falta de ajuda internacional e disse que os ucranianos estavam sendo obrigados a se defender “sozinhos” da agressão de Moscou, que ostenta um poderio militar muito superior ao da ex-república soviética.
Curiosamente, há 30 anos, a Ucrânia era a terceira maior potência nuclear do planeta, com cerca de 5 mil armas nucleares que haviam sido deixadas no país pela recém-extinta União Soviética.
Em dezembro de 1994, Rússia, Ucrânia, Reino Unido e Estados Unidos assinaram o Memorando de Budapeste, por meio do qual Kiev se comprometeu a se desfazer desse arsenal e os outros signatários, a não usar força militar contra os ucranianos e a respeitar a soberania e as fronteiras do país.
Pelo documento, qualquer agressão à Ucrânia seria respondida com a busca por uma ação de ajuda imediata junto ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Como se vê, apenas a Ucrânia respeitou sua parte no acordo, destruindo ou transferindo para a Rússia as armas nucleares que estavam no seu território.
“É difícil em história falar, com as informações que temos hoje, se a decisão foi certa ou errada. Entendo que a decisão naquele momento foi acertada, porque havia o contexto do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, então fazia todo o sentido para a Ucrânia e para diversos países entregar seu arsenal nuclear, como aconteceu nesse caso. Se isso não tivesse acontecido, talvez nem teríamos mais planeta, porque havia uma corrida em curso pela bomba atômica”, afirmou o advogado e professor Renato Ribeiro de Almeida, doutor em direito do Estado e mestre em direito político e econômico, que citou ainda o contexto do fim da União Soviética, quando “ninguém sabia quais seriam os países que ficariam com o espólio dela”.
A Rússia, é claro, desrespeita flagrantemente o acordo, porque antes da invasão iniciada na quinta-feira (24), já havia atentado em 2014 contra a soberania ucraniana ao anexar a Crimeia e apoiar separatistas na região de Donbass. Quanto à ajuda militar, o Conselho de Segurança das Nações Unidas ironicamente é presidido no momento pela Rússia, mas mesmo em outras instâncias o Ocidente não tem seguido o espírito de solidariedade à Ucrânia do memorando de 1994.
“Sabemos que, por mais que haja discordância com a Rússia e suas decisões, ninguém vai entrar em conflito direto com os russos porque teríamos um conflito de ordem nuclear. Os países europeus e principalmente os Estados Unidos estão repudiando [a invasão], impondo sanções econômicas, mas para além disso, eu tenho convicção de que não será feito nenhum tipo de escalada militar, a não ser que a Rússia entre em guerra com algum país da Otan, o que não deve ser o caso”, afirmou Almeida.
Em entrevista à NPR, a pesquisadora Mariana Budjeryn, da Universidade de Harvard, lembrou que um mecanismo de consulta previsto no Memorando de Budapeste foi acionado pela primeira vez em 2014, quando o presidente russo, Vladimir Putin, deflagrou as primeiras ações contra a Ucrânia. O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, sequer compareceu a uma reunião em Paris para discutir o assunto.
“A Rússia argumenta que assinou [o memorando] com um governo diferente, não com este ‘ilegítimo’. Mas isso, é claro, não atende a nenhum tipo de critério legal internacional. Você não assina acordos com o governo, você assina com o país”, ponderou Budjeryn.
A pesquisadora argumentou que em 1994 teria custado muito à Ucrânia “tanto economicamente quanto em termos de repercussões políticas internacionais” manter o arsenal nuclear que estava no seu território.
“Mas na esfera pública, essas narrativas mais simplórias se firmam, a narrativa na Ucrânia, entre a população, é: ‘Tínhamos o terceiro maior arsenal nuclear do mundo, desistimos dele por este pedaço de papel e veja o que aconteceu’”, disse Budjeryn, que alertou que a agressão a um país que aceitou se desnuclearizar “envia um sinal muito errado para outros países, que podem querer buscar armas nucleares”.
Para Andriy Zahorodniuk, ex-ministro da Defesa da Ucrânia, o país desistiu da sua capacidade nuclear “por nada”. “Agora, toda vez que alguém nos oferece para assinar um pedaço de papel, a resposta é: ‘Muito obrigado. Nós já assinamos um desses faz algum tempo’”, ironizou, em entrevista ao New York Times.
O governo de Putin alega, sem apresentar provas, que a Ucrânia tem planos de voltar a ter armas nucleares.
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