Volume de petróleo da Rússia comprado pelos americanos é pequeno, mas recuperação da economia pós-covid deve ser afetada
Renée Pereira e Luciana Dyniewicz , O Estado de S.Paulo
O impacto global da suspensão da importação do petróleo russo vai depender ainda do tempo que perdurar a decisão dos EUA e do Reino Unido e da adesão de outros países à medida. Por enquanto, é certo que a tendência de alta no preço do petróleo seguirá – provocando inflação e segurando a recuperação da economia pós-covid – e a matriz energética do mundo, principalmente da União Europeia, se transformará.
A Rússia hoje exporta pouco menos de 10% do petróleo consumido globalmente. O corte dos EUA deve corresponder a aproximadamente 7% das vendas internacionais russas. É um volume considerado pequeno, que poderia ser enviado a outro mercado, como a China, e substituído pelo Irã. O problema é que mudar o destino do petróleo não é simples e depende, por exemplo, da adaptação de refinarias – e uma alteração como essa levaria meses. Portanto, não há como evitar a alta na cotação do barril, que pode “perfeitamente” chegar a US$ 200, diz Ruy Alves, diretor da Kinea Investimentos.
“Nada é fácil com o petróleo. É difícil mandar da noite para o dia para outro país. Cada petróleo tem uma densidade diferente”, afirma Alves. Ele acrescenta que uma pequena queda na produção (ou a retirada de parte da oferta russa do mercado) pode gerar um aumento “exponencial” no preço, pois é difícil reduzir a procura pelo produto na mesma proporção. “A cotação tem de ser extremamente alta para cortar a demanda. É muito difícil fazer as pessoas pararem de sair de carro ou não viajarem de avião.”
Para Walter de Vitto, da Tendências Consultoria, enquanto a proibição de importação do petróleo russo se restringir a EUA e Reino Unido, a inflação global pode até ser controlada. “Ela terá de ser abatida com aumento de juros e redução de gastos de governos, tudo para segurar a economia e o consumo de petróleo. Mas, se toda a exportação de petróleo da Rússia for cortada, será uma hecatombe.” Nesse caso, não teria como repor o produto, diz Vitto. “Aí você pode imaginar o barril a US$ 300 ou mais.”
O economista não descarta o risco de o mundo viver um cenário semelhante ao dos anos 70, quando os choques de petróleo provocaram uma estagflação. Por enquanto, vê um impacto maior nos preços do que na atividade – hoje, a Tendências projeta que o PIB global avançará 3,8% no ano.
Vitto afirma ainda que, também como ocorreu em choques anteriores de petróleo, é provável que mudanças no setor energético ganhem tração. Nos anos 70, por exemplo, o Brasil começou a desenvolver o etanol para evitar o preço dos derivados do petróleo. Agora, é provável que as energias solar e eólica saiam fortalecidas.
O professor Helder Queiroz, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirma que o mundo vai entrar em uma era em que a geopolítica da energia vai mudar, sobretudo na Europa. O continente será obrigado a pensar alternativas para diminuir a dependência dos combustíveis russos, e isso vai alterar os fluxos energéticos mundo afora. Se houver um aumento da demanda de GNL (gás natural liquefeito), por exemplo, os preços vão subir para todos, incluindo no Brasil, que usa o gás em termoelétricas.00:0001:18Media Quality360PMobile PresetRússia quer suspender exportações de fertilizantes
Para o sócio-diretor da consultoria Roland Berger George Almeida, a guerra altera também as prioridades. Até o início do conflito, o foco dos governos e das empresas era a mudança climática e a sustentabilidade. Agora, será segurança energética e preço, diz Almeida. Ele lembra que, para rever a dependência da Rússia, a Europa já iniciou discussões para aumentar a vida útil das usinas nucleares e reativar unidades a carvão.
Tudo isso tem prós e contras, diz Almeida. Algumas medidas da transição energética serão aceleradas, como a mobilidade elétrica e o desenvolvimento do hidrogênio, ao mesmo tempo que outras fontes mais sujas são reativadas. “Será uma transição acelerada, mas dando passos para trás.”
Dependência
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), é mais pessimista em relação ao avanço da transição energética. Ele avalia que a Europa errou na estratégia de ficar dependente de um único país e de apostar apenas em energias renováveis, que variam conforme as condições da natureza para produzir. Muitos países europeus não têm condições de ficar sem o combustível russo. “Não se pode ter dependência tão grande de um país que sempre teve um histórico como a Rússia.”