A alta dos combustíveis dá pretexto para que populistas ignorem o histórico desastroso da intervenção em preços e se apresentem como defensores dos consumidores
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
O agravamento da crise dos combustíveis no Brasil por causa da guerra da Ucrânia tem servido de pretexto para que populistas exerçam sua especialidade, que é criar soluções simples, e erradas, para problemas complexos. Contra a alta da gasolina, do gás de cozinha e do diesel, políticos de diferentes credos ideológicos apresentam-se como voluntariosos salvadores do povo, propondo e aprovando medidas que, além de pouco eficazes ou completamente inúteis, podem se provar desastrosas.
O presidente Jair Bolsonaro, o mais destacado desses demagogos, tem insistido obsessivamente em impor alguma forma de controle desses preços, muito antes que o primeiro soldado russo pusesse os pés na Ucrânia. A guerra é, portanto, apenas o pretexto mais recente para que – a título de conter a inflação, que costuma tirar votos – se articule alguma forma de controle de preços, tiro que quase sempre sai pela culatra.
Não é à toa que Bolsonaro tem como associados dessa articulação os demonizados petistas – que, quando estiveram no poder, seguraram o preço dos combustíveis para conter a inflação e reduzir os danos eleitorais, causando estragos na Petrobras, em particular, e na economia, em geral.
Não faltou nem a fingida indignação que tão bem caracteriza o populismo. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi às redes sociais para declarar que o reajuste dos preços dos combustíveis anunciado pela Petrobras “foi um tapa na cara de um país que luta para voltar a crescer”. Ora, há tempos o referido “país que luta para crescer” vem sendo estapeado pelo grupo político que está no poder, que sistematicamente atropela a responsabilidade fiscal.
A questão dos combustíveis é séria. Correções de 18% a 25% de uma só vez impõem ônus imediatos e severos sobre donos de automóveis e caminhoneiros e sobre o orçamento das empresas de transportes.
Há efeitos não tão imediatos, mas de extensão maior. Aumento nos transportes resulta em outras correções de preços, da matéria-prima da indústria ao feijão trazido do campo até a mesa do consumidor. Assim, afeta também os orçamentos dos que não são consumidores diretos de combustíveis, mas precisam consumir para se manter. Estes são, em geral, os consumidores de renda menor e mais vulneráveis às altas de preços. Ademais, variações tão expressivas nos combustíveis afetam a programação orçamentária das empresas e podem prejudicar decisões essenciais. Será inevitável que o aumento dos combustíveis impulsione a inflação, que já alcança 10,54% no acumulado de 12 meses.
Logo, o problema é realmente sério em muitos sentidos e precisa ser enfrentado, mas jamais com as comprovadamente ineficazes e danosas tentativas de controle de preços nem com renúncia fiscal num cenário já desafiador para as contas públicas.
A alta dos combustíveis agora anunciada, das mais expressivas em muitos anos, é apenas parcialmente justificada pela guerra da Ucrânia, pois os preços estavam parados havia quase dois meses, desde bem antes, portanto, do início do conflito. Não estão claras as razões para represamento de preços por período tão longo, e não se pode condenar quem veja nisso o resultado das pressões do presidente Bolsonaro sobre a Petrobras.
Medidas como as aprovadas ou em tramitação no Congresso, como a mudança da regra de cobrança do ICMS sobre combustíveis, a criação de um fundo de amortecimento das oscilações de preços ou ainda a instituição de uma espécie de auxílio-gasolina, terão impacto pouco significativo sobre o preço final dos combustíveis, mas poderão gerar desastres fiscais e sofrer contestação judicial. São bilhões de reais que não chegarão aos cofres públicos ou que deles serão retirados como subsídio, sem que haja compensação suficiente do lado das despesas. O problema não será apenas do Tesouro Nacional. Estados e municípios serão também prejudicados.
Controlar preços sempre foi a tentação dos populistas. Isso nunca funcionou. Mas a turma em Brasília, sobretudo em ano eleitoral, não costuma se preocupar muito com as consequências do que faz.