Relações internacionais
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Fábio Galão – Gazeta do Povo
Videoconferência dos Brics, em novembro de 2020: outros países da aliança têm evitado uma condenação enfática da invasão russa à Ucrânia| Foto: EFE/EPA/ALEXEI NIKOLSKY/SPUTNIK/KREMLIN
Com as sanções do Ocidente devido à invasão da Ucrânia estrangulando a economia da Rússia, o futuro dos Brics, a aliança de países que inclui também Brasil, Índia, China e África do Sul, está em xeque.
A condenação da comunidade internacional ao governo de Vladimir Putin pode levar ao estreitamento dos laços entre os componentes do grupo ou levar a aliança, que não esteve muito ativa recentemente, ao esfacelamento?
Ricardo Bruno Boff, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), citou que antes da invasão da Rússia à Ucrânia, os Brics, criados com o objetivo de construir alternativas de cooperação ao sistema ocidental de regras e instituições estabelecido depois da Segunda Guerra Mundial, já vinham perdendo fôlego, devido ao alinhamento do Brasil ao governo Trump nos dois primeiros anos da gestão de Jair Bolsonaro e a problemas econômicos da África do Sul.
“Agora, nesse momento, do jeito que as coisas estão, é claro que os Brics deixam de ser prioridade, inclusive para a Rússia. A instituição em si fica adiada, até mesmo encontros, certamente o Putin tem outras coisas na cabeça no momento”, explicou Boff, em entrevista à Gazeta do Povo.
Os companheiros da Rússia nos Brics têm evitado uma condenação enfática da invasão da Ucrânia. No dia seguinte ao início da guerra, Índia e China se abstiveram numa votação no Conselho de Segurança das Nações Unidas que condenou a operação (a resolução foi derrubada com o veto russo) – a África do Sul não faz parte do conselho, e o Brasil votou contra os russos.
Posição que manteve dias depois numa votação na Assembleia-Geral da ONU, quando sul-africanos, indianos e chineses se abstiveram.
Entretanto, apesar dessas condenações, Bolsonaro não impôs sanções à Rússia e tem defendido uma posição pragmática, devido aos interesses do Brasil no comércio exterior com Moscou, como a importação de fertilizantes.
A China, considerada a grande parceira geopolítica de Putin, criticou as sanções impostas pelo Ocidente e tem se oferecido para mediar uma solução para o conflito, mas nesta semana a imprensa americana noticiou que o país planeja ajudar financeiramente e com armas a ação russa na Ucrânia – o que o Kremlin e Pequim negaram.
Relações desde a União Soviética
O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, disse que foi convidado a intermediar negociações. Seu partido, o Congresso Nacional Africano, é simpático a Moscou, pelo apoio da União Soviética à legenda durante o apartheid.
“A Rússia é nossa amiga por completo”, declarou recentemente Lindiwe Zulu, ministra do Desenvolvimento Social da África do Sul, que, segundo o New York Times, estudou em Moscou na época do apartheid. “Não vamos criticar essa relação que sempre tivemos.”
Sem dar maiores detalhes, a Embaixada da Rússia na África do Sul agradeceu recentemente no Twitter pela solidariedade da população do país africano.
“Caros seguidores, recebemos um grande número de cartas de solidariedade de sul-africanos, tanto de indivíduos quanto de organizações. Agradecemos seu apoio e estamos felizes por vocês terem decidido ficar conosco neste momento, quando a Rússia, como há 80 anos, está lutando contra o nazismo na Ucrânia!”, publicou.
No caso da Índia, o histórico de relações com a União Soviética também pesa, segundo Somdeep Sem, professor associado de estudos de desenvolvimento internacional na Universidade de Roskilde (Dinamarca).
Os comunistas assinaram um acordo de cooperação com os indianos em 1971 e ficaram ao seu lado nas disputas com o Paquistão sobre a Caxemira, posição que foi mantida pela Rússia.
“Em 1955, declarando apoio à soberania indiana sobre a Caxemira, o líder soviético Nikita Khrushchov disse: ‘Estamos tão perto que, se vocês nos chamarem do topo das montanhas, apareceremos ao seu lado’”, lembrou Sem, em artigo publicado no site da Al Jazeera.
Questões militares e comerciais também contribuem para essa parceria: de acordo com Sem, armas russas corresponderiam a de 60 a 85% do armamento das forças indianas hoje, e a Índia informou nesta semana que está conversando com Moscou para importar mais petróleo da Rússia – num momento em que Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia anunciam que vão deixar de comprar o produto russo.
Dependência da China pode desequilibrar aliança
Ricardo Bruno Boff destacou que, por questões militares e territoriais, a Rússia talvez seja o segundo membro mais poderoso dos Brics, e consequentemente seu isolamento pode fazer o grupo perder força. Entretanto, mesmo com as parcerias com a Rússia, individualmente os outros países não devem ser penalizados, acredita o professor – isso, é claro, se não colaborarem na guerra.
“Eu acredito que não devem ocorrer represálias abertas, como embargos econômicos, sanções, até porque não teria justificativa. O que os outros países podem sofrer é algum tipo de isolamento diplomático, de afastamento, por exemplo, deixar de receber visitas, críticas abertas, na imprensa, mas não acredito que devam temer alguma coisa mais concreta”, justificou Boff.
Internamente, porém, a correlação de forças dos Brics pode mudar, já que a Rússia aposta principalmente nas relações comerciais com a China para amenizar as perdas que vem sofrendo com as sanções ocidentais.
“Com uma China mais poderosa, acaba ficando um Brics em que o ‘c’ adquire um tamanho maior que as outras letras”, afirmou Boff. “A China já é o país mais poderoso dentro dos Brics, o mais significativo, eu diria que sem a China os Brics não andam, e acredito que o desequilíbrio [dentro da aliança] aumenta, sim, com o enfraquecimento da Rússia.”
A respeito do Brasil, o professor não acredita que o país sofrerá grandes consequências dentro dos Brics, por ter sido o único país do grupo a ter votado contra os russos na ONU.
“Acho que tem que ser por aí: condena em termos humanitários, de direito internacional, mas olhando para seus interesses comerciais. Eu acredito que essa posição brasileira, se bem explicada, bem trabalhada pelo Itamaraty, se o Brasil não aderir a sanções e a questões mais concretas contra a Rússia, dá para manejar no meio termo”, projetou o professor.
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