Características físicas do voo de aves podem, no futuro, vir a ser usadas para aperfeiçoar os aviões
Fernando Reinach*, O Estado de S.Paulo
Pássaros voam de diversas maneiras. Podemos observar patos em longos voos migratórios, urubus planando em círculos sobre uma possível presa, ou gaviões e mergulhões fazendo manobras rápidas no ar para atacar uma presa. Em sua capacidade de manobrar durante o voo os pássaros são muito superiores a qualquer caça militar. O mesmo ocorre em voos de longa duração, onde facilmente competem com aviões comerciais. Essa vantagem decorre do controle que possuem sobre suas asas.
Na maioria dos aviões, a asa é basicamente fixa enquanto nas aves sua posição em relação ao corpo depende de três articulações: o ombro que liga a asa ao corpo, o cotovelo que pode dobrar a asa, e o punho que pode mudar a posição da ponta da asa. Por esse motivo é relativamente fácil construir um modelo matemático que descreve o comportamento da aeronave durante o voo, mas é muito mais complicado fazer o mesmo para um pássaro. Até hoje esses modelos não existem. Mas agora essa situação está mudando.
Os cientistas estudaram 22 espécies de pássaros. Para cada uma, variaram o ângulo do ombro, do cotovelo e do punho. O que eles descobriram é que essas variações de ângulo não afetavam a localização do centro de massa da ave, apesar de modificar muito as características aerodinâmicas das asas e, portanto, o comportamento da ave durante o voo. Com esses dados foi possível construir um modelo matemático, que existe para os aviões faz décadas, capaz de prever as características do voo com diferentes configurações das asas.
A descoberta mais importante é que em todas essas aves a modificação do ângulo do cotovelo e do punho permite que a ave configure suas asas para um voo estável (como aviões comerciais) ou um voo instável, onde manobras radicais ficam mais fáceis de executar (como os aviões de caça). Essa característica não era conhecida e também demonstra que as aves possuem um sistema de controle do voo que é mais complexo e mais sofisticado do que o dos aviões.
Essa investigação é fruto de uma colaboração entre engenheiros aeroespaciais, que projetam aviões, e zoólogos, que estudam o voo das aves. É possível que, no futuro, descobertas feitas estudando as características físicas do voo das aves venham a ser utilizadas para aperfeiçoar nossos aviões.
MAIS EM: BIRDS CAN TRANSITION BETWEEN STABLE AND UNSTABLE STATES VIA WING MORPHING. NATURE HTTPS://DOI.ORG/10.1038/S41586-022-04477-8 2022
* É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS