Lago Walden
Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo
Ele estava em crise. Era uma encruzilhada profunda em uma alma sensível. Havia estudado em Harvard. Seu irmão tinha morrido, ele estava insatisfeito com a vida social e urbana. A escravidão nos EUA atormentava sua consciência. Henry David Thoreau decidiu sair de circulação. Internou-se em uma cabana às margens do lago Walden (Massachusetts).
Era o verão de 1845. O autor era um jovem de 27 anos. Foi um experimento: morar por dois anos em uma cabana com isolamento e autossuficiência. A terra pertencia ao seu mentor: o filósofo Ralph Emerson. Era um lugar ideal para que Thoreau pudesse imergir na natureza e cultivar seus ideais.
O capítulo inicial trata da parte prática da vida nos bosques. Contém uma crítica às preocupações frívolas da cidade, especialmente o vestuário. Marcado pelo anarquismo, também deplora a falta de residências para muitas pessoas da chamada civilização. Come uma erva comum, a beldroega (Portulaca oleracea) e se espanta como é possível viver de forma despojada.
“Fui morar na floresta porque desejava viver deliberadamente, enfrentar os fatos essenciais da vida, e ver se conseguia aprender o que ela tinha a ensinar, em vez de descobrir só na hora da morte que não tinha vivido” (Thoreau, H. D. Walden. Trad. de Alexandre Barbosa de Souza. SP: EdiPro, 2018, p. 81). Talvez seja o trecho mais citado na obra em questão: viver fora da algaravia urbana para ouvir a própria voz e a da natureza.
É provável que seja um exemplo claro dos benefícios da solitude o que o autor desenvolve. Apesar de ter tido visitas e companhia, ele imergiu em uma saudável experiência do isolamento produtivo e feliz (a dita solitude) no capítulo que é o meu preferido (Solidão). E o vento furioso das tormentas lá fora? “Nunca houve tempestade que não fosse música eólica aos ouvidos saudáveis e inocentes. Nada tem o direito de compelir um homem simples e corajoso a uma tristeza vulgar” (p. 117). Sentia-se isolado de outros? “Que tipo de espaço é esse que separa o homem de seus semelhantes e o torna solitário? Descobri que nenhum exercício das pernas pode aproximar duas mentes além de certo ponto” (p. 119). Isolado, ele lança seu veredicto duro: “A sociedade é geralmente banal demais” (p. 121).
Inspirador de ecologistas, de hippies, de anarquistas e de pessoas avessas ao burburinho urbano, Thoreau continua fértil. Penso muito nele sempre que toca o aviso do WhatsApp… Alguém teria uma cabana para me emprestar? Sem sinal de celular? Com esperança de vida?