Editorial
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Gazeta do Povo

Profissionais cubanos que atuavam no programa Mais Médicos no Distrito Federal e Entorno, embarcam no Aeroporto Internacional de Brasília rumo a Havana.

Médicos cubanos retornando para Havana, após a vitória de Bolsonaro na eleição de 2018| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Uma ação judicial em curso no Distrito de Columbia, nos Estados Unidos, pode servir para mostrar ao mundo todo o que muitos brasileiros já sabiam sobre o Programa Mais Médicos, que o governo petista de Dilma Rousseff usou para bancar a ditadura cubana sob o manto das boas intenções de enviar médicos a regiões brasileiras desprovidas de profissionais. Quatro médicos cubanos que participaram do Mais Médicos e conseguiram fugir para os Estados Unidos estão processando a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço regional da Organização Mundial de Saúde (OMS), em busca de um dinheiro que deveria lhes ter sido pago, mas em vez disso foi parar nos cofres do regime comunista então comandado por Raúl Castro, o irmão de Fidel.

No fim de 2018, Ramona Matos Rodriguez, Tatiana Carballo Gomez, Fidel Cruz Hernandez e Russella Margarita Rivero Sarabiat processaram a Opas e dirigentes da entidade em um tribunal da Flórida, sob a acusação de tráfico de pessoas e exploração de trabalho forçado; a ação corre agora na capital norte-americana, e os pedidos de arquivamento feitos pela defesa foram rejeitados pelo Tribunal de Apelação. Todos os quatro médicos trabalharam no Brasil – Ramona Matos, que estava no Pará, foi a primeira a conseguir escapar da vigilância cubana no início de 2014, apenas cinco meses depois da chegada da primeira leva de cubanos. Ela se refugiou no gabinete da liderança do partido Democratas na Câmara dos Deputados e levou consigo documentos que mostravam como funcionava o financiamento da ditadura caribenha com dinheiro brasileiro.

O real objetivo do Mais Médicos era enviar dinheiro a Cuba, não atender os brasileiros carentes de cuidados médicos – eles foram apenas um pretexto útil

Os estrangeiros do Mais Médicos tinham contrato assinado diretamente com o governo brasileiro, recebiam integralmente seu salário de R$ 10 mil, tinham liberdade de locomoção e podiam trazer suas famílias – menos os cubanos, que chegaram a ser 80% do total de profissionais do programa. Eles eram submetidos a uma série de restrições; suas famílias eram praticamente feitas reféns, para evitar fugas. Apenas no caso dos cubanos, o Brasil pagava a Opas, que só então repassava parte do dinheiro (10%, segundo Ramona; outros dados falavam em 30%) aos médicos, ficava com uma pequena parte para cobrir custos administrativos, e enviava o restante para Cuba, onde uma outra parte ínfima era paga à família do profissional, e o restante era embolsado pela ditadura. Os documentos mostrados por Ramona indicavam a existência de uma outra entidade, a Sociedade Mercantil Cubana Comercializadora de Serviços Médicos Cubanos (SMC). Tudo isso só veio à luz graças à coragem dos médicos fugitivos e à tenacidade de membros do Ministério Público do Trabalho, pois o governo Dilma fez tudo o que podia para manter os detalhes escondidos da sociedade brasileira.

E o petismo tinha suas razões para proteger o segredo, pois o que se descobriu posteriormente era ainda mais sórdido. O real objetivo do Mais Médicos era, de fato, enviar dinheiro a Cuba, não atender os brasileiros carentes de cuidados médicos – eles foram apenas um pretexto útil. Em 2015, a emissora de televisão Band teve acesso a áudios de uma reunião ocorrida antes do lançamento do programa, com ao menos seis assessores de ministérios. Uma participante disse que era preciso esconder o fato de que o Mais Médicos era, no fim, uma trama entre Brasil e Cuba – daí a necessidade de aceitar uma minoria de profissionais de outros países –, e que o destino dado ao dinheiro por Havana não era problema do governo brasileiro. E, no fim de 2018, o jornal Folha de S.Paulo teve acesso a telegramas da embaixada brasileira em Cuba, cujo sigilo havia expirado, mostrando que a ideia do Mais Médicos partiu de Havana, e a SMC chegou a vir ao Brasil em 2012 para mapear as áreas carentes de profissionais. No fim, a própria ditadura cubana se encarregou de comprovar que só lhe importava o dinheiro, pois, com a vitória de Jair Bolsonaro, Havana imediatamente chamou todos os médicos cubanos de volta.


O que se espera, agora, é que a Justiça norte-americana tenha o bom senso que faltou ao Supremo Tribunal Federal em 2017. Naquela ocasião, o STF considerou válida a triangulação entre Brasil, Opas e Cuba, dando aval a uma quebra de isonomia entre os cubanos e os demais estrangeiros alegando que, tecnicamente, os cubanos não recebiam salário, mas bolsa. Seis ministros se apegaram ao formalismo ignorando que o formato havia sido desenhado exatamente para permitir o envio do dinheiro aos cofres da ditadura dos Castro.

O processo que corre nos Estados Unidos é uma ação coletiva; seu resultado se aplica não apenas aos quatro cubanos, mas a todos os demais ex-integrantes do Mais Médicos que vivam nos EUA. Se a ação prosperar, é altamente improvável que o Brasil seja chamado a pagar algo aos médicos – primeiro, porque os processados são a Opas e seus diretores, não o governo brasileiro; segundo, porque o Brasil já desembolsou as quantias corretas, e foi a Opas que lhes deu o destino errado. Mas a derrota moral do governo petista neste caso é certa. Mesmo que a Opas encontre alguma brecha técnica e escape impune, tudo o que já foi levantado e exposto acerca do Mais Médicos basta para mostrar a todo o mundo o caráter perverso de um acordo no qual Dilma e o PT foram parte ativa.

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