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Terceiro executivo a assumir a liderança da Petrobras, Coelho diz entrevista exclusiva ao Estadão que considera injusto culpar a empresa pelo alta dos combustíveis e que vai trabalhar para melhorar a comunicação 

Entrevista com

José Mauro Coelho

Mônica Ciarelli e Denise Luna, O Estado de S.Paulo

RIO – Terceiro executivo a assumir o comando da Petrobras no governo do presidente Jair Bolsonaro, o engenheiro José Mauro Coelho defende a atual política de preços da estatal e nega pressão do governo para alterar essa rota. “O presidente Bolsonaro não me pediu absolutamente nada específico. Só pediu para eu conduzir a companhia.”

Em sua primeira entrevista exclusiva, Coelho deixa claro que enxerga como pacificadas as discussões em torno dos reajustes de combustíveis pela estatal. “Acho que o presidente já entendeu muito bem a questão de preço de mercado”, afirma. Além disso, Coelho ressalta que o cenário para o petróleo é de muita volatilidade por conta da guerra na Ucrânia e da pandemia da covid-19. Ao Estadão/Broadcast, o executivo considera injusto culpar a estatal pela alta dos combustíveis nos postos de abastecimento.

jose mauro coelho
O presidente da Petrobras, José Mauro Ferreira Coelho, na sede da empresa no centro do Rio.  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

No cargo há menos de 20 dias, o executivo já identificou que o seu principal desafio à frente da estatal será melhorar a comunicação da empresa com a sociedade. Entre as medidas que pretende adotar nessa direção está o maior uso das redes sociais. “Quer se comunicar com a população? Tem que estar no LinkedIn, no Instagram, no Twitter”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista. 

Como é chegar à Petrobras neste momento, com o mercado de petróleo bastante volátil e os preços dos combustíveis em alta?

O cenário internacional que estamos vivendo é um cenário bastante desafiador. Nós ainda temos dois fatos que afetam bastante o mercado de energia como um todo, que é a questão da própria pandemia de covid, com a gente vendo lockdown na China que está aumentando. Às vezes a gente tende a dizer que a covid já passou, mas ainda tem uma participação importante da pandemia e, claro, tem outro fator muito importante, que é o conflito no Leste Europeu entre Rússia e Ucrânia.

Como esses fatos atingem o mercado brasileiro?

Esses conflitos para o mercado de energia em geral são muito importantes. A Rússia era um dos principais fornecedores de petróleo, gás natural e também diesel para a Europa, e as sanções que são impostas à Rússia afetam muito o mercado internacional. Afetam, por exemplo, o mercado de diesel.

Como está a situação do mercado de diesel no momento?

Os estoques de diesel nos Estados Unidos estão 20% abaixo do que eram há 5 anos. Isso mostra esse aperto entre oferta e demanda e isso faz com que o preço do diesel aumente muito também. Até recentemente, algum tempo atrás, a gente tinha uma correlação muito forte entre o diesel e o petróleo Brent. De uns meses para cá, a gente vê que o petróleo sobe, mas o diesel sobe muito mais, por causa da escassez de oferta. E claro, como tanto o diesel como o petróleo são commodities, isso acaba impactando o mercado doméstico. Hoje nós importamos 27% da demanda de diesel.

Com essa crise, o discurso de que o petróleo estava no fim do ciclo ficou mais distante? Como o senhor vê isso?

A gente fala muito em transição energética para uma economia de baixo carbono. Essas transições energéticas tendem a ser lentas. Historicamente é lenta, primeiro tivemos a transição da biomassa para o carvão, a primeira revolução industrial. Depois tivemos a segunda, do carvão para o petróleo, que também foi lenta e até hoje o carvão tem importância. Mas nesta, nós temos outra força motriz, que é diferente das outras transições, que eram apenas de substituir uma fonte por outra. Nessa (transição) agora, nós temos a questão das emissões da mudança climática.

O petróleo então não está com os seus dias contados?

Continuo acreditando que ainda por muito tempo vamos continuar precisando do petróleo na matriz energética mundial. Até porque petróleo não é só combustível, petróleo tem uma utilização vastíssima em toda a economia mundial. Ficou muito claro no conflito entre Rússia e Ucrânia que a transição energética deve ser feita com segurança energética.

O senhor chega com o planejamento estratégico já feito. Ele vai ao encontro do que o senhor acredita?

O planejamento estratégico 2022-2026 está em linha com o que acreditamos. Primeiro acreditamos no livre mercado, na livre concorrência. Isso é um ponto importante. Nós acreditamos que o preço de mercado deve ser praticado por vários motivos. Primeiro porque desde 2002 temos preços livres de mercado. Segundo porque entendemos que só a prática de preços de mercado leva à concorrência e essa maior concorrência gera uma serie de benefícios para a população.

Nós estamos há mais de 50 dias sem reajuste de preço, isso inibe a atratividade do refino brasileiro?

Não, essa questão relacionada ao preço dos combustíveis, estamos em um momento de extrema volatilidade. O preço do (petróleo) Brent vai a US$ 130, depois abaixa para US$ 100, fica altamente volátil e o câmbio também está volátil. Então, na Petrobras, acompanhamos a questão do preço dos combustíveis diariamente e, claro, dentro da nossa política de preços. Mas, entendendo também que não podemos ficar passando essas volatilidades, que são conjunturais, então nós acompanhamos tudo isso e, no momento certo, fazemos o reajuste. E quando falo preço de mercado, as pessoas entendem como preço elevado, mas não é isso, pode ser mais baixo e pode ser maior, pode cair ou pode subir.

Mas a volatilidade vai continuar por muito tempo? Como prever quanto tempo vai durar?

A volatilidade depende de muitos fatores que a gente não tem o controle, depende, por exemplo, de como vai evoluir a questão da covid, os lockdowns na China, como vai evoluir o conflito entre Rússia e Ucrânia. Então, são muitas variáveis que estão nessa cesta e acaba que a gente não tem o controle total, a gente vive um momento atípico. Dentro desse momento atípico, você tem que olhar com atenção e não repassar toda a volatilidade para o consumidor brasileiro.

Mas não há necessidade de reajustar o diesel e a gasolina?

A gente está analisando, a gente trabalha internamente diariamente olhando isso. Estamos preocupados com a questão da volatilidade dos preços e, no momento correto da companhia, vamos fazer reajuste sem nenhum tipo de problema, para cima ou para baixo.

Os últimos dois presidentes da Petrobras foram criticados pelo governo exatamente por causa dos preços, por fazerem reajustes. Isso, de alguma maneira, preocupa a sua gestão?

Tenho uma visão muito clara sobre isso. É muito claro para a Petrobras e para o governo que, como uma empresa de capital aberto, listada em bolsa, e por conta de toda legislação existente interna e externamente, a Petrobras deve praticar preços de mercado. A Petrobras hoje é uma empresa extremamente saudável do ponto de vista financeiro, nem sempre foi assim. Em 2014, tinha uma dívida de US$ 160 bilhões por causa de uma política equivocada, uma política relacionada a preços de combustíveis. A empresa foi saneada e hoje é uma empresa robusta e resiliente financeiramente.

Os ex-presidentes da Petrobras receberam mensagens do presidente Bolsonaro reclamando de aumento nos preços dos combustíveis. O senhor já recebeu alguma mensagem relacionada a política de preços?

Eu te digo o seguinte, o presidente Bolsonaro não me pediu absolutamente nada específico. Só pediu para eu conduzir a companhia. É isso que nós estamos fazendo. Não tem uma questão relacionada a preço dos combustíveis, nada disso. A missão é bem conduzir a companhia. Claro que tem uma questão que eu diria que é minha mesmo, de melhorar a comunicação. Acho que isso é fundamental. A população tem que entender que, da mesma maneira que o pãozinho aumenta, o óleo de soja bateu quase 16 reais o litro, o tomate e a cenoura nem se fala, assim é o petróleo.

Entendo, mas eles receberam mensagens de Whatsapp quando reajustavam o preço. A minha pergunta é se o senhor se preocupa em receber esse tipo de mensagem.

O presidente já entendeu muito bem a questão de preço de mercado. Li uma reportagem recente que o presidente fala claramente assim: o governo tem que ter soluções para os preços dos derivados. Acho perfeito. Ele colocou perfeitamente ali. O governo precisa criar os mecanismos e instrumentos para (minimizar os efeitos de) casos de aumento de preço dos combustíveis em momentos atípicos como este que vivemos.

A preocupação do governo com o rumo dos preços dos combustíveis não pode interferir na política da Petrobras?

A Petrobras tem que praticar os preços de mercado e, por outro lado, é legítimo o governo federal se preocupar com os preços elevados de combustíveis. Isso acontece em todo o mundo. Vemos os Estados Unidos preocupados com o preço elevado, a Europa preocupada com os preços elevados. É legítimo. E por quê? Porque o preço elevado dos combustíveis afeta toda a economia e o cidadão brasileiro. Um ponto que quero deixar claro é relacionado ao preço dando o exemplo da gasolina. O preço médio da gasolina hoje é de R$ 7,27 por litro e note que a parte da Petrobras nesse total é de R$ 2,84 ou 39% do preço da gasolina para o consumidor.

Quais os outros fatores que compõem o preço?

Existem várias outras parcelas que compõem a gasolina, no caso o etanol anidro, que é adicionado, os tributos federais, as margens de distribuição e revenda e uma das parcelas muito importantes é do tributo estadual (ICMS), que na média do Brasil significa R$ 1,73 por litro, ou 24% do preço que chega para o consumidor. E isso é uma média, pode chegar a 34%. No caso do imposto federal, está zerado no diesel até 31 de dezembro e no Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), zerado indefinidamente.

Apesar de o governo ter essa visão, seu antecessor fez até vídeos tentando explicar, mas a população não absorvia e o próprio governo também não.

O governo, como o acionista majoritário da empresa, faz as mudanças no momento que ele acha necessário, quando precisa de outro perfil. Mas a minha visão é de que é legítima a preocupação dos preços elevados de combustíveis e eu vejo de forma muito clara isso. A Petrobras vai praticar preço de mercado, o governo está preocupado com isso. E o governo está buscando alternativas para que esses aumentos de preços impactem menos o cidadão brasileiro.

O governo chegou a falar de usar o dividendo da Petrobras para colocar em um fundo para subsidiar os combustíveis. Qual a sua opinião sobre essa possibilidade?

Enxergo que é muito positivo o governo pensar em mecanismos, instrumentos, para minimizar o impacto dos preços para o consumidor final. E aí tem várias formas do governo constituir, se for o caso, pode ser com os dividendos da Petrobras, pode ser parte dos royalties e participação especial, pode ser a comercialização do óleo da União dos contratos de partilha de produção, enfim, tem formas de arrecadação que podem constituir esse fundo, mas depende de avaliação do governo de qual o melhor instrumento e as fontes que vão alimentar esse instrumento.

O senhor foi indicado pelo atual governo e estamos a poucos meses das eleições presidenciais. Se o senhor saísse em 2023, o que gostaria de deixar como legado de sua gestão?

Tem alguns pontos que são importantes. Não é uma crítica a nada, é perfil, cada um tem seu perfil. Em termos de planejamento estratégico, estou muito alinhado (com a antiga gestão). Eu penso muito igual ao que está no planejamento estratégico da Petrobras. Um legado importante que temos que deixar é a questão da comunicação. (…) O povo brasileiro tem que entender esse assunto complexo do petróleo até pela importância que a Petrobras tem. Essa comunicação é fundamental.

O governo reclamava muito da falta de comunicação da última gestão.

Até por isso. Tem duas coisas que se casam: a comunicação e o trabalho de reacender a chama e o orgulho de ser Petrobras, essa grande empresa nacional. Claro que é nacional, por ter como acionista principal a União, mas também tem os demais acionistas. Então tem que entregar resultados também para os acionistas privados. Mas a Petrobras é um grande ativo do País. Acho importante reacender essa chama.

Na população ou nos funcionários?

Acho que em todos, nos próprios colaboradores, que são muito engajados e geram muito valor. Reacender essa chama na própria população brasileira, que vê na Petrobras um grande ativo e realmente a Petrobras é um grande ativo. Olha tudo que ela recolhe de tributos, o que ela gera de emprego, o que ela gera de renda.

O senhor tem usado muito o Instagram para divulgar essas visitas.

É outra coisa importante a gente mostrar. Muitas vezes falam que a Petrobras não entrega, só vê dividendo, só vê lucro. Não, a Petrobras está preocupada com a responsabilidade social, olha quantos projetos legais.

A Petrobras pretende reforçar os investimentos em publicidade para explicar melhor a empresa para a população?

Claro que a grande mídia é importante, claro que a Petrobras acaba tendo recursos limitados também nessa grande mídia, mas tenho incentivado muito o nosso pessoal aqui a trabalhar com redes sociais. O pessoal já falou que estou muito ativo na rede social. Esse é um movimento importante. É onde a população está hoje, ela entende essa mídia. Temos que nos comunicar nessa mídia. Tenho incentivado. Quer se comunicar com a população ? Tem que estar no LinkedIn, no Instagram, no Twitter. 

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By valeon