Editorial
Por
Gazeta do Povo
O presidente russo, Vladimir Putin, chega à Praça Vermelha, em Moscou, para as comemorações do Dia da Vitória, em 9 de maio de 2022.| Foto: Maxim Shipenkov/EFE/EPA
Considerando todas as possibilidades que haviam sido levantadas nos últimos dias por especialistas e analistas militares, o Dia da Vitória, celebrado pelos russos na segunda-feira, deixou um certo alívio. Não houve a declaração formal de guerra à Ucrânia, nem a invasão da Moldávia, muito menos o temido uso de armas nucleares de menor intensidade; em vez disso, Vladimir Putin teve de se contentar com um discurso em que não fez muito mais que repetir todos os chavões que já vinham sendo usados para justificar a agressão unilateral ao país vizinho.
O ataque certamente não vem se desenrolando como Putin gostaria. Apesar de a força militar russa ser muito superior à ucraniana, os invasores avançam muito lentamente, freados por uma resistência que claramente foi subestimada pelos estrategistas russos. Em dois meses e meio, a Rússia ainda não conseguiu nem mesmo consolidar seu domínio sobre a estratégica área do Donbas (onde estão as regiões de Donetsk e Luhansk, controladas por separatistas pró-russos), embora tenham conquistado uma vitória recente em Mariupol, onde as forças ucranianas que restam estão concentradas em uma siderúrgica.
Putin ainda tem uma série de cartas na manga, que não hesitaria em usar caso se sentisse suficientemente acuado a ponto de não ter mais nada a perder
Com isso, Putin ficou desprovido do paralelo que adoraria ter feito neste 9 de maio, pois o Dia da Vitória é a celebração da rendição alemã no fim da Segunda Guerra Mundial, chamada na Rússia de Grande Guerra Patriótica. O autocrata russo, que acusa a Ucrânia de estar sob o domínio de neonazistas, precisava de um resultado substancial para mostrar que, assim como em maio de 1945 os soviéticos haviam subjugado os nazistas de então na Alemanha, em maio de 2022 os russos tinham vencido os nazistas de hoje na Ucrânia. Sem essa vitória decisiva, restou a Putin apenas prometer que “todos os planos estão sendo implementados” e que “o resultado será alcançado” – o que indica a disposição de seguir em frente com a invasão, sem a perspectiva de um cessar-fogo ou um armistício.
A repetição do discurso habitual, com suas alegações falsas de que a Rússia teria sido praticamente forçada a atacar porque o Ocidente e a Otan não teriam lhe dado escolha, tem duas leituras, que não são mutuamente excludentes. Uma é a de que a fala de Putin tinha como alvo especialmente o público interno; a comunidade internacional enxerga com muita clareza (com as exceções de sempre, caso do ex-presidente Lula) que há apenas um único responsável pela invasão, o autocrata russo. A segunda interpretação, feita por autoridades como o ministro da Defesa britânico, Ben Wallace, é a de que as falas requentadas, sem ações mais incisivas que as acompanhem, são sinal de que no longo prazo a guerra estaria perdida para Putin.
No entanto, ainda é precipitado afirmar que “o Kremlin não tem mais nenhum truque guardado”, como fez Wallace. Putin ainda tem uma série de cartas na manga, que não hesitaria em usar caso se sentisse suficientemente acuado a ponto de não ter mais nada a perder. E por isso é necessário que a comunidade internacional seja capaz de calcular muito bem sua reação à agressão russa, mantendo sua condenação firme e usando todos os meios possíveis para auxiliar os ucranianos, mas sem levar a uma escalada no conflito nem deixar Putin com a sensação de que sua única saída será a guerra generalizada. O foco, aqui, é libertar a Ucrânia dos invasores russos e deixar claro que aventuras semelhantes não serão mais toleradas pela comunidade internacional, e não aproveitar uma suposta fraqueza russa – se é possível falar de “fraqueza” no caso do maior arsenal nuclear do mundo – para humilhar o país.
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