Universidades públicas
Por
Gabriel de Arruda Castro, especial para a Gazeta do Povo

Ativista do Coletivo Juntos discursa a calouros da USP| Foto: Divulgação/Redes Sociais

O primeiro ministro da Educação do governo Bolsonaro, Ricardo Vélez Rodríguez, assumiu o cargo com planos ambiciosos: pretendia fazer com que as universidades voltassem a ser centros de excelência – e chegou até a ser criticado por dizer que o ensino superior tem a função de formar uma “elite”. Ele foi sucedido por Abraham Weintraub, que pregava contra a “balbúrdia” nas universidades federais. Mas, em uma primeira análise, as instituições federais de ensino superior continuam passando por um processo de adesão às pautas progressistas mais radicais.

Recentemente, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) comemorou a admissão de dois “doutorandes” do programa “MatematiQueer” – uma palavra inventada para descrever a adoção da agenda LGBT na matemática. “Confira les membres recém-chegades ao MatematiQueer”, diz o texto. Um dos estudantes vai se debruçar sobre as “matemáticas que escapam das cis-heteronormas”. A colega dele pretende investigar “a questão da transsexualidade e da travestilidade” na matemática.

O caso da UFRJ está longe de ser uma exceção – a Gazeta do Povo tem mostrado diversos exemplos de episódios semelhantes, como o “Manual dos Caloures” da UTFPR, as recepções aos calouros com campanhas contra Bolsonaro, os laboratórios de ativismo de esquerda que funcionam também dentro da UFRJ, entre outros. Sinal de incompetência do Executivo ou prova de que, independentemente de quem esteja no poder, grupos políticos radicais continuam capazes de esconder suas agendas sob o escudo da autonomia universitária?

O artigo 207 da Constituição estabelece que as universidades têm “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. Escrita logo após a vigência do regime militar, a Constituição buscava assegurar que as instituições de ensino superior ficassem imunes a pressões políticas. Por trás dessa ideia, está o princípio de que o ensino e a pesquisa por vezes requerem que estudantes e pesquisadores lidem com ideias politicamente inconvenientes, e que eles precisam de liberdade para experimentar. No modelo atual, o governo federal paga as contas e tem o poder de nomear o reitor a partir de uma lista tríplice enviada pela universidade, mas nada pode fazer para impedir excentricidades como a MatematiQueer. Ou será que pode?

“Descolonizando Pitágoras”: matemática vira refém da militância ideológica na universidade

Conheça os laboratórios de ativismo de esquerda que funcionam dentro da UFRJ
Professor de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) há 13 anos, Caio Lima Firme diz que o uso político da universidade pela esquerda atinge até mesmo os cursos das chamadas Ciências da Natureza. “Não existe tolerância. Você tem que pensar igual. Se você pensa diferente, você é excluído, rechaçado. Você não é chamado para bancas e para outros eventos. É algo recorrente e acontece em todas as universidades”, afirma.

Para Firme, a solução mais viável para o problema é simplesmente abolir a autonomia universitária. “O mais fácil de acontecer em um prazo mais curto é a mudança da situação jurídica da universidade: ela perder a autonomia e passar a ter uma gestão técnica, que venha do governo federal”, opina. “Aí você começa a mudar”.

Professor do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB), Marcelo Hermes-Lima afirma que a autonomia universitária é o que permite um modelo distorcido de ensino, em que a excelência fica em segundo plano. “Se a universidade quiser construir uma estátua de Stalin de 100 metros da altura, ela constrói – desde que o conselho universitário decida e desde que não haja corrupção”.

Ele acrescenta que, nos últimos anos, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) reforçaram esse princípio. Em fevereiro deste ano, por exemplo, a Corte decidiu que o MEC não pode impedir que as universidades federais continuem exigindo comprovante de vacinação de alunos e funcionários. Em 2018, o STF proibiu que a Justiça Eleitoral atue contra o uso de instituições de ensino superior para fins eleitorais.

Hermes-Lima é fundador do Docentes pela Liberdade (DPL), uma associação de professores universitários que, dentre outras coisas, enfrenta o uso político das instituições de ensino pela esquerda. Ele diz que a perseguição a docentes liberais e conservadores existe, mas que o problema é ainda mais profundo: a própria lógica do ensino superior premia a mediocridade em vez da qualidade. Para ele, a saída passa por uma mudança ainda mais radical do que o fim da autonomia universitária. “Pessoalmente, eu defendo a privatização de todas as universidades federais. Eu só deixaria o IME e o ITA. É a única solução. Na maioria dos casos, é dinheiro jogado fora”.

Caminho judicial
Para o advogado Ezequiel Silveira, membro do Grupo de Estudos Constitucionais e Legislativos (GECL) do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), o problema está ligado ao aparelhamento das instituições – e não têm soluções fáceis.

“Ainda que tenhamos um governo federal e um Ministério da Educação com viés político conservador, há um aparelhamento por profissionais concursados, com estabilidade profissional, e que foram formados de acordo com princípios progressistas e anticristãos”, diz ele.

O advogado também explica que o mal uso de recursos públicos e da estrutura das universidades pode, em tese, motivar uma atuação do Ministério Público – mas que esse é um caminho problemático. “O uso político de uma universidade pública, caso comprovado, ensejaria a proposição de uma Ação Civil Pública para apurar a ilegalidade na conduta dos gestores. Entretanto, mesmo uma ação nesse sentido teria que passar pelas mãos de um Ministério Público e um Judiciário igualmente aparelhados”, afirma.

Silveira diz que estudantes e professores discriminados por razões ideológicas ou religiosas têm alguns caminhos a seguir. “Uma das medidas cabíveis é a notificação extrajudicial, na qual o próprio aluno ou representante legal informa à instituição a ocorrência do fato e pede que se tomem providências a respeito”, explica ele, que acrescenta: quando houver dano moral, também é possível propor uma ação de indenização.

O advogado diz que, embora a Constituição assegure a autonomia universitária, isso não significa que as instituições de ensino federais estejam isentas de se submeter à legislação. “Hoje, o que a militância universitária anseia é transformar o território geográfico acadêmico em uma espécie de embaixada estrangeira, onde o poder público não pode ter qualquer ingerência”, afirma.

O professor Marcelo Hermes-Lima acredita que isso já aconteceu: “São 69 países independentes dentro do território nacional”, diz ele, se referindo ao número de universidades federais. Como os “doutorandes” da UFRJ atestam, esses países independentes já adotaram até mesmo um idioma próprio.

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