Editorial
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Gazeta do Povo
Manifestantes pró-democracia são colocados em caminhão por simpatizantes do governo durante protestos de 11 de julho de 2021 em Havana, Cuba.| Foto: Ernesto Mastrascusa/EFE
A lei nunca foi empecilho para ditaduras estabelecem seus regimes de repressão e perseguição, mas, quando podem, as autocracias sempre acabam adaptando a lei para que se dê um verniz de legalidade às arbitrariedades que cometem. É o que acaba de acontecer em Cuba, cuja Assembleia Nacional aprovou por unanimidade – em sessão extraordinária realizada no domingo, dia 15, na presença do ditador Miguel Díaz-Canel e seu antecessor, Raúl Castro – um novo Código Penal que dificulta ainda mais qualquer manifestação contrária ao governo comunista. O texto é uma resposta às manifestações de 11 de julho do ano passado, consideradas as maiores desde o início do atual regime, em 1959, e que tinham sido respondidas com violência feroz e censura, incentivada pelo próprio Díaz-Canel: além da pancadaria e das prisões, a internet móvel na ilha fora cortada para impedir tanto a convocação de mais manifestantes quanto o compartilhamento das imagens de repressão.
Uma característica dos novos crimes aprovados pelo Legislativo cubano é sua redação intencionalmente vaga, de modo a permitir que qualquer dissidente acabe enquadrado em algum tipo penal, independentemente do que faça. É o caso, por exemplo, do crime de “desordem pública”, que permite punir quem, “mediante atos de violência, intimidação ou provocação, desrespeite os direitos dos demais ou afete a ordem, a paz e a tranquilidade das famílias, da comunidade ou da sociedade”, com pena agravada em caso de bloqueio de via pública. Não falta a criminalização de quem “divulgue notícias falsas ou previsões maliciosas com o objetivo de causar alarmismo, descontentamento ou desinformação entre a população, ou para provocar alterações na ordem pública”. Ainda pode ir preso quem “difame, denigra ou menospreze as instituições da República de Cuba, as organizações políticas, de massas ou sociais do país”, ou quem “promova incitação contra a ordem social, a solidariedade internacional ou o Estado socialista reconhecidos na Constituição da República, mediante propaganda oral, escrita ou em qualquer outra forma”.
Uma característica dos novos crimes aprovados pelo Legislativo cubano é sua redação intencionalmente vaga, de modo a permitir que qualquer dissidente acabe enquadrado em algum tipo penal, independentemente do que faça
Com os tipos penais definidos dessa forma, qualquer autoridade zelosa (até porque aquelas que não forem suficientemente duras no exercício da repressão também ficam sujeitas a punição) encontrará justificativa legal para colocar no banco dos réus o mais inofensivo dos dissidentes, bastando uma simples manifestação de opinião contrária ao regime comunista; pior ainda será a situação daqueles que, numa suprema demonstração de coragem semelhante à do 11 de julho, forem às ruas protestar contra o governo. Também o jornalismo independente está praticamente criminalizado, já que sua independência consiste justamente em expor fatos desagradáveis ao regime, que tem a prerrogativa de classificar como “notícia falsa” qualquer verdade inconveniente.
O presidente do Tribunal Supremo Popular, Rubén Remigio Ferro, esteve presente à sessão para apresentar o projeto do Código Penal, que chamou de “lei moderna, justa e adequada à realidade socioeconômica do país”. Não que houvesse alguma dúvida a respeito da severidade que o Judiciário pretende exibir na aplicação da nova lei, já que ditaduras como a cubana e a venezuelana se caracterizam pela abolição da separação entre poderes – tanto parlamentares quanto juízes são completamente subservientes ao Poder Executivo; quando muito, permite-se uma dissidência mínima para que o regime tenha uma falsa pluralidade para exibir ao mundo. Nas raras ocasiões em que a vontade de liberdade da população consegue abrir uma brecha neste dique, como ocorreu nas eleições parlamentares venezuelanas de 2015, vencidas pela oposição, o regime logo age para restaurar o status quo, como fez Nicolás Maduro ao sacar da cartola uma Assembleia Constituinte e ao transformar as eleições seguintes em farsas sem reconhecimento da comunidade internacional.
O que ocorre em Cuba importa para o Brasil porque uma das principais forças políticas do país é grande admiradora do regime ditatorial implantado por Fidel Castro e continuado por seu irmão Raúl e por Díaz-Canel. No dia seguinte aos protestos de 11 de julho, o PT emitiu nota em que não mencionava nem os protestos, nem a repressão, preferindo atacar o embargo econômico e manifestando “apoio e solidariedade incondicionais ao povo e ao governo da irmã República de Cuba”. Em novembro do ano passado, Lula minimizou a violência policial contra os manifestantes pró-democracia, afirmando que “essas coisas não acontecem só em Cuba, mas no mundo inteiro. A polícia bate em muita gente, é violenta”. O petista não esconde o sonho de colocar um cabresto na imprensa, sob o eufemismo de “regulamentação da mídia”. E ainda há quem considere este bajulador de ditaduras um “moderado” ou mesmo um “democrata” – e, pior ainda, tente impor essa narrativa à opinião pública.
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