Tensionamento político
Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília
Processo de Jair Bolsonaro contra o ministro Alexandre de Moraes no STF e pedido de investigação na PGR é tido como uma estratégia eleitoral do presidente.| Foto: Marcos Correa/PR
A tentativa do presidente Jair Bolsonaro (PL) de processar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o pedido de investigação contra o magistrado feito junto à Procuradoria-Geral da República (PGR), é apontado no governo federal como parte de uma estratégia eleitoral do chefe do Executivo. O objetivo é elevar a polarização, descredibilizar adversários e desafetos de Bolsonaro, o que inclui o magistrado, aquecer a base mais “raiz” e resgatar votos e apoiadores perdidos ao longo da gestão, avaliam interlocutores.
A despeito do entendimento de que há uma estagnação de Bolsonaro nas pesquisas eleitorais em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e uma rejeição do eleitorado a pautas defendidas pelo presidente que vão na contramão do STF, interlocutores do governo sustentam que o Palácio do Planalto tem acesso a pesquisas internas encomendadas por partidos e aliados que indicam o contrário.
O “termômetro” político do Planalto mostra que existe uma rejeição do STF e de parte de seus ministros — o que Moraes seria um dos principais alvos — junto à população. Não à toa, interlocutores apontam que Bolsonaro não sai politicamente fragilizado quando insinua, por exemplo, que pode haver fraude nas urnas e associar isso ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que será presidido por Alexandre Moraes durante as eleições de outubro.
A estratégia encampada por Bolsonaro tem sido calibrada com o passar das últimas semanas. Em março, por exemplo, a leitura majoritária no Planalto era de que ele não “esticaria a corda” com ministros do STF sob o risco de comprometer articulações políticas com partidos de centro. Naquele mesmo mês, ele admitiu ser aconselhado a evitar temas polêmicos envolvendo magistrados.
A nova tática de descredibilizar oponentes, apesar de ser vista no Congresso por alguns como um tensionamento na relação entre os poderes, tem, portanto, um cálculo político por trás, a ponto de nem todos no Centrão se oporem. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), defendeu a investida contra Moraes em entrevista à CNN Brasil sob a defesa de que “o ativismo do Judiciário precisa ser combatido de forma enérgica”.
O intuito do governo é agravar a rejeição do STF e de Lula, seu principal adversário nas urnas. Com o consequente efeito que isso gera sobre a polarização e a pressão sobre o centro político, que, para o governo, elimina a possibilidade de fortalecimento da chamada terceira via, interlocutores apontam que ele pode até mesmo resgatar votos.
Como a estratégia de Bolsonaro mira a rejeição de Lula e o que pensam aliados
No momento, o foco de Bolsonaro está mais voltado em consolidar votos de eleitores que tenham se desgarrado do governo. É reconhecido no Planalto que, hoje, ele não conta com o mesmo apoio que tinha até os dois primeiros anos da gestão.
Por isso, ele busca votos entre conservadores e cristãos que flertam com a terceira via, e até mesmo entre eleitores mais ideológicos que, por ventura, tenham se desiludido com o presidente por entender que ele deveria ter adotado alguma postura mais incisiva contra o STF.
A maneira usada por Bolsonaro para buscar esses votos segue diferentes formas, mas todas permeiam uma mesma estratégia: a exposição “gratuita” concedida pela mídia quando ele eleva o tom. Ao adotar um “vale-tudo” político, o presidente segue uma linha que vai desde a tentativa de desacreditar o processo eleitoral, até mesmo a um processo e pedido de investigação contra um ministro do STF. Segundo a CNN Brasil, Bolsonaro cogita até mesmo acionar Moraes em alguma Corte internacional.
Em determinados momentos, Bolsonaro já associou as suspeitas que ele têm em relação ao sistema eleitoral com o PT e o TSE, como na segunda-feira (16), na abertura da feira do setor supermercadista de São Paulo, a Apas Show. Ele comentou uma reunião do senador Jaques Wagner (PT-BA) com embaixadores dos Estados Unidos e da França para discutir uma espécie de “cerco internacional pró-legalidade”, segundo noticiou o jornal O Globo.
“Quem está dando essa certeza para ele [de que Lula vencerá as eleições]? É o inexpugnável TSE?”, declarou Bolsonaro. “A alma da democracia é o voto. O TSE convida as Forças Armadas a participar do processo. As Forças Armadas levantam mais de 600 vulnerabilidades”, acrescentou. Ele também comentou as recomendações dos militares que foram rejeitadas pela Corte e defendeu que “quanto mais transparente, melhor”.
O discurso de Bolsonaro sobre as eleições segue a mesma de lançar suspeitas ao processo eleitoral em aceno ao eleitorado que desconfia de uma suposta teoria para eleger Lula em 2022. Parte disso tem por objetivo ampliar o índice de rejeição de Lula. A pré-campanha presidencial tem mais o intuito de tentar fragilizar o petista e elevar sua reprovação junto à sociedade do que em aumentar os índices de aprovação do presidente.
Parte dos aliados da base política têm outra compreensão e defendem a adoção mais frequente de discursos econômicos e um tom mais moderado. Já outros apoiam a postura mais combativa e avaliam que ele pode moderar o discurso em julho, a partir do início das convenções. Há um entendimento no governo de que Bolsonaro ainda tem tempo para aquecer sua base mais “raiz” e resgatar votos durante a pré-campanha com a estratégia de polarizar e descredibilizar.
O deputado federal Coronel Tadeu (PL-SP), vice-líder do partido na Câmara, entende que alguns aliados queiram uma postura mais amena e a adoção de outras falas no discurso de Bolsonaro. Mas ele enxerga uma estratégia eleitoral por trás das declarações do presidente e não discorda da decisão de gerar fatos novos diários.
“Tem que chamar a atenção desses canais e sites nem que seja para publicar notícia ruim. É absolutamente igual à estratégia do [Donald] Trump [ex-presidente dos EUA]”, diz. Para Tadeu, Bolsonaro busca exposição em grandes emissoras de rádio e TV para virar votos, mesmo entre o chamado eleitor mediano, que é mais pragmático e menos afeito à agenda ideológica.
“Qual é a forma de alcançar uns 20 ou 30 milhões de eleitores que não estão 100% ‘plugados’ na política e nas redes sociais? É mostrando, por exemplo, que o Bolsonaro esteve em Sergipe entregando título de terra e xingou o Supremo. São duas informações, sendo que uma delas é uma agenda positiva”, avalia. Tadeu entende que a imprensa não costuma ceder muitos espaços sobre as agendas do presidente quando não há polêmica e que esse tipo de estratégia não é recente.
O aliado de Bolsonaro lembra de uma agenda cumprida pelo presidente na inauguração de uma ponte sobre o Rio Madeira, no distrito de Abuanã (RO), em que dirigiu uma motocicleta com o ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, na garupa. Em outro momento, deu carona ao empresário Luciano Hang, dono da Havan.
“Para que a imprensa noticiasse esse episódio, o próprio presidente teve a sacada de fazer o trajeto sem nenhum deles usando o capacete, pois sabia que, assim, seria noticiado”, exemplifica Tadeu. “Ele é estrategista, o duro para alguns é entender o xadrez dele”, complementa.
Já o deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), também vice-líder do partido, não acha que Bolsonaro tenha incorporado alguma estratégia eleitoral em seus discursos, mas analisa que eventuais bônus eleitorais são inerentes às falas. “Todo o ato do presidente se reverte em benefício ou malefício eleitoral. Ele é julgado eleitoralmente por isso. No caso de processar o Alexandre [de Moraes], algo que ele tem todo o direito de fazer como cidadão, acredito que ele ganha muito”, diz.
Quais as chances de o plano de Bolsonaro sair bem sucedido
A despeito de avaliações internas feitas no governo para respaldar a estratégia de Bolsonaro, o cientista político Jonatas Varella, diretor de processamento de dados da Quaest, instituto de pesquisas que apontou em maio Bolsonaro com 29% das intenções de voto e Lula com 46%, analisa ser equivocado acreditar que o plano do presidente surta efeitos sobre a rejeição do adversário.
Os dados da Quaest apontam que Bolsonaro saiu de uma rejeição de 67% em novembro de 2021 para 59% no levantamento mais recente, o mais baixo desde então. No mesmo período, a rejeição de Lula subiu de 39% para 43%, mas oscila nessa faixa desde dezembro do ano passado.
O instituto de pesquisas também aponta que 40% do eleitorado confia muito nas urnas eletrônicas, enquanto 35% dizem “confiar um pouco” ou “mais ou menos”. E que apenas 22% dos eleitores não confiam. E quando feito um cruzamento sobre a confiança na urna eletrônica por preferência de quem vence a eleição, 23% dos que apoiam o presidente apontam que confiam muito, enquanto 36% não confiam.
Na faixa do eleitor que não deseja a vitória nem de Bolsonaro, nem de Lula, 45% confiam nas urnas e 18% não confiam, o que sugere a Varella uma dificuldade de Bolsonaro conquistar apoio fora de sua base eleitoral com o discurso de desacreditar as eleições. A mesma percepção de esgotamento da agenda tida como ideológica é apontado em relação ao indulto concedido ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ).
Segundo a Quaest, 30% da população acha que Bolsonaro agiu certo ao conceder a “graça” constitucional a Silveira, enquanto 45% entendem como errado. Quando feito um cruzamento sobre a confiança na urna eletrônica por preferência de quem vence a eleição, 64% dos que desejam sua reeleição apoiam o indulto e 17% discordam. Entre os brasileiros que não torcem nem por Bolsonaro ou Lula, o indulto é rechaçado por 54%.
Os números da Quaest sugerem a Varella que a agenda mais ideológica ajuda Bolsonaro a manter sua base mais engajada, mas pondera que ela não tem a capacidade de virar os votos que ele vai precisar caso queira se tornar eleitoralmente mais viável. “Ele vai precisar buscar o eleitor que perdeu e, para isso, vai ter que se aproximar mais do discurso moderado do que ideológico”, destaca.
O diretor da Quaest pondera, porém, que Bolsonaro se sai melhor quando entra no campo ideológico em relação a Lula. Segundo os dados do instituto, 37% do eleitorado petista afirma que diminui a chance de votar no ex-presidente quando ele fala sobre aborto. Um posicionamento favorável ao aborto diminui em 50% as chances do eleitor votar no candidato.
A aposta na agenda mais ideológica pode, portanto, ser uma estratégia de Bolsonaro para induzir ou provocar Lula a adotar postura semelhante ciente de que ele pode se sair melhor que o adversário, avalia o diretor da Quaest.
“Quando Bolsonaro traz a ideologia para o debate, ele entra num campo mais vantajoso para ele do que para o Lula. As pessoas estão acostumadas ao Bolsonaro ter um discurso ideológico e existe até certa compreensão pelas falas dele, o que é diferente para Lula. Quando o Lula desliza ou faz um posicionamento com uma ideologia mais à esquerda, ele perde muito mais do que quando Bolsonaro faz isso”, justifica.
Como a estratégia é avaliada por profissionais de marketing político
Diferentemente da análise feita no governo, estrategistas políticos e profissionais de marketing eleitoral não entendem que Bolsonaro sai fortalecido ou possa virar votos com o atual planejamento. Há até quem entenda que, mesmo que a construção da comunicação seja inspirada em Trump, não há uma estratégia em curso. Nem entendem ser possível o aumento da rejeição de Lula com tal plano, por entenderem que ela já está absorvida pela sociedade.
Inclusive, é apontado no PT que a campanha de Lula vai apostar todas as “fichas” na agenda econômica e não cair na provocação de Bolsonaro em apostar na agenda ideológica, onde, de fato, entendem que o presidente se sai melhor. A estratégia da comunicação petista é anular ao máximo as chances de fortalecer a campanha presidencial e acusar Bolsonaro de ser incapaz de contornar uma crise econômica com alta da inflação.
O estrategista político Paulo de Tarso da Cunha Santos, responsável pela campanha de Lula nas eleições de 1989 e de 1994 e criador do bordão “Lula lá” e também ex-assessor pessoal de comunicação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), entende que Bolsonaro atua para consolidar a polarização e cravar seu lugar no segundo turno com a fidelização do chamado “voto duro”, o eleitor mais ideológico.
Porém, ele entende ser uma estratégia “errática” para ampliar sua base eleitoral. “Qualquer estratégia de comunicação eleitoral passa primeiro pela fidelização do voto duro e, depois, ampliá-lo. Não ganha nem só com voto duro e perde se deixá-lo escapar. O presidente dá a impressão de estar meio errático, não tem a clareza do que fez e fará [em caso de reeleição]. Dá a impressão de que está preso ao rosário ultra direita de convicção e recurso pessoal e que não consegue sair do enfrentamento, como se fosse algo pessoal”, pondera.
O especialista aponta que, para ser eleitoralmente mais viável em relação a Lula, Bolsonaro deveria aproveitar a exposição na mídia para apostar mais em pautas propositivas em seu discurso. “Ele não faz isso. Cria um fato novo a cada dia, mas não tem foco na criação de fatos, e constrói uma narrativa muito negativa e acalorada contra as instituições. A impressão que dá é que há uma limitação, pois ele não consegue usar o poder para além disso. É preciso ser criativo para fazer política”, destaca Cunha Santos.
Sem uma estratégia bem consolidada na economia, o estrategista acredita que a campanha de Bolsonaro possa seguir patinando. “A economia é objetiva. A falta do dinheiro, desemprego, é tudo objetivo, não tem que discutir”, analisa. “Todo mundo acha que o voto é instrumento de melhoria da vida. Na hora de votar, o eleitor quer saber o dia seguinte”, complementa Cunha Santos.
O estrategista político Marcelo Vitorino, professor de Marketing Político da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), concorda que Bolsonaro tem a economia como grande obstáculo e que se prender somente ao discurso ideológico é insuficiente para fortalecer a candidatura.
“Para alguém que falou que, quando tirasse o PT tudo daria certo, hoje temos Lula como candidato, o dólar a R$ 5 e gasolina a R$ 8. O governo não avançou nas reformas que tinha que avançar e está com problema na capacidade de investimentos”, alerta. Vitorino aponta que o eleitor é pragmático e que governo pode ter dificuldades para apresentar a retórica de que o momento atual decorre do pós-pandemia e dos impactos da guerra sobre os insumos na economia.
“O que interessa é o resultado, não é o meio. Em um país que o mínimo já está dado, as pessoas se preocupam com o ‘como’. Agora, em um país que não tem o mínimo, se preocupam com o ‘quando'”, explica. Pesquisa da Quaest em abril informa, por exemplo, que 24% da população aponta Bolsonaro como o principal responsável pelo aumento dos preços dos combustíveis. O governo pressiona a Petrobras a reduzir os preços. A estatal, que mantém a atual política de preços, é apontada por 15% das pessoas como responsável.
O especialista em marketing político avalia, ainda, que a estratégia de Bolsonaro é incapaz de elevar a rejeição de Lula. “A jogada é muito mais individual do que uma estratégia coletiva. O problema é que, desde o momento em que ele assume, ele resolve fazer um governo ideológico”, analisa.
Para Vitorino, o desafio da estratégia de Bolsonaro será construir um discurso pragmático e pautado na agenda econômica sem abandonar o discurso ideológico. Ele entende que há uma tendência do presidente em não abandonar a agenda ideológica e manter a retórica atual. “Bolsonaro é escravo daquilo que ele criou. Vai ter que ir com o discurso ideológico até o fim, se não, ele perde os poucos votos que têm. A chance de ir ao segundo turno é manter o discurso na ideologia. Se abrir mão dela e passar para a racionalidade, acabou.
Metodologias das pesquisas citadas
A pesquisa Genial/Quaest de maio foi realizada pelo instituto Quaest e contratada pelo Banco Genial. Foram ouvidos 2.000 eleitores entre os dias 5 e 8 de maio de 2022 em todas as regiões do país. A margem de erro estimada é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%. O levantamento foi registrado no TSE, sob o protocolo BR-01603/2022.
A pesquisa GenialQuaest de abril foi realizada pelo instituto Quaest e contratada pelo Banco Genial. Foram ouvidos 2.000 eleitores entre 1 e 3 de abril de 2022 em todas as regiões do país. A margem de erro estimada é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%. O levantamento foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral, sob o protocolo BR-00372/2022.
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