Proposta de emenda planeja estipular pagamento para aluno que tenha condições financeiras; texto deve ser apreciado pela CCJ da Câmara na semana que vem
Leon Ferrari, O Estado de S.Paulo
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 206/2019, que propõe cobrar mensalidade em universidades públicas, deve ser discutida pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados na próxima semana. A inclusão do projeto na pauta desta terça-feira, 23, motivou reações de entidades, intelectuais, políticos e artistas nas redes sociais.
Conforme a Constituição brasileira, as universidades públicas oferecem educação superior gratuita. De um lado, defensores deste formato dizem que frequentar gratuitamente essas instituições de excelência é um direito e eventual cobrança seria excludente. Já os apoiadores da adoção da mensalidade veem injustiça no formato que estudantes com boas condições financeiras vão às universidades sem custo, em cenário de orçamento público restrito.
De autoria do deputado federal General Peternelli (União Brasil-SP), a ideia da PEC é que as instituições usem os recursos captados para despesas de de custeio, como água e luz, e que a gratuidade seja mantida para alunos que não tenham condições socioeconômicas de arcar com os custos. O valor mensal seria definido pelo Ministério da Educação (MEC).
Presidente da Andifes, a associação que reúne os reitores das universidades federais, Marcus Vinicius David diz que a proposta se baseia em uma “tese ultrapassada” de que as universidades públicas são ocupadas apenas por segmentos sociais de maior renda. Pesquisa da Andifes, de 2018, mostra que 70,2% dos alunos estão na faixa de renda mensal familiar de 1,5 salário mínimo per capita.
“A universidade não é uma instituição que forma a pessoa para o seu benefício pessoal, mas formam seus alunos para a sociedade”, afirma ele, reitor da Federal de Juiz de Fora (UFJF). Os estudantes formados, destaca, retornam o investimento como prestação de serviços e construção de conhecimento, que melhoram a qualidade de vida da população.
Professor do Insper, Sergio Firpo é favorável ao pagamento de mensalidade por alunos mais abastados, desde que como “uma política que ajude na distribuição de gastos, voltada para a população dos mais pobres”. Ele destaca que esse modelo de financiamento já tem sido utilizado em outros países, como nos Estados Unidos.
Firpo reconhece que políticas públicas, como as cotas, de fato alteraram o perfil socioeconômico dos alunos de instituições de ensino superior públicas. Porém, avalia que “havendo gente que possa pagar não existe razão para não cobrar, dado que é algo que você se beneficia privadamente também”. “Público não é igual à gratuito”, defende.
Firpo acredita que, como ponto de partida para fazer verificar quem teria direito, por exemplo, poderíamos usar sistemas já existentes, como o Cadastro Único (CadÚnico) – desde que houvesse atualização mais frequente. Ele também não descarta a possibilidade de bolsas e de financiamento, como o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies).
Em relação a problemas orçamentários enfrentados pelas universidades públicas, a cobrança de mensalidade forneceria um alívio, na visão de Firpo, mas não resolveria o problema. “Não existe bala de prata.” Para manter a excelência das instituições, responsáveis pela maior parte da pesquisa nacional, ele defende também uma aproximação mais efetiva com o setor privado. “Os convênios aprovados têm bastante restrição”, diz.
Paulo Meyer Nascimento, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV), discorda. Ele é contrário à mensalidade: acredita que ela afasta o estudante, principalmente o mais pobre, diante do temor de uma dívida futura.
Mayer Nascimento é favorável a um modelo de cobrança sobre a renda futura, como acontece, segundo ele, na Austrália. O valor a ser cobrado seria moldado conforme o desempenho do profissional no mercado de trabalho.
“De um lado você protege o indivíduo, o pagamento só vai acontecer se a Receita Federal souber que a sua renda está compatível com o pagamento. De um outro lado também cria um mecanismo mais seguro de recolhimento”, fala.
Em nota conjunta, a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG) acreditam que a proposta é a “é a porta de entrada para o fim da universidade pública e gratuita”. “Temos convicção que o direito à uma educação pública, gratuita e de qualidade é inalienável.” As entidades defendem que a solução para os problemas das universidades públicas não reside na cobrança de mensalidade nas universidades, mas sim em “um investimento potente do Estado nas mesmas”.