Os mesmos parlamentares que agora votam “sim” para retirar receita dos governadores e dos prefeitos serão os primeiros na fila de amanhã na porta do Tesouro Nacional para pedir mais dinheiro da União
Adriana Fernandes*, O Estado de S.Paulo
O Congresso aumentou o custo da conta de luz em 10% com a aprovação recente de leis que exigem contratações de energia mais cara e subsídios pagos pelo consumidor na tarifa. Não faltaram alertas.
Agora, os parlamentares embaralham o jogo, na tentativa de reduzir o ICMS sobre a energia elétrica para baratear a conta de luz e reduzir a inflação. Projeto em tramitação classifica combustíveis, energia elétrica, gás natural, transporte coletivo e telecomunicações como serviços essenciais e, portanto, sujeitos à alíquota mais baixa no ICMS.
É indiscutível que os Estados pesaram a mão nas alíquotas do ICMS. A redução da carga tributária é um imperativo que a sociedade está cobrando cada dia mais. Mas os políticos se negam a corrigir a trajetória do outro lado da conta: o das despesas.
Subsídios, encargos, gastos mal direcionados, além de perda de arrecadação para bancar políticas e setores que não são essenciais, estão aumentando a despeito da melhora no curto prazo das contas públicas. O custo pode não aparecer agora, de imediato, mas ele chega. É menos dinheiro para políticas públicas que importam para mudar a cara do País.
O que espanta é o improviso do movimento político, como boa parte de tudo que tem sido aprovado no Congresso atual. Sem falar da hipocrisia dos parlamentares: impõem o “custo Congresso”, como classificou o professor Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel, que desenhou a “matemática” do que os consumidores vão pagar a mais na conta de luz, seja por meio do preço da energia, seja pelo aumento dos encargos. Um custo de R$ 27 bilhões.
Não há discussão séria que se instale no Congresso às vésperas das eleições e com o presidente de plantão jogando todas as cartas para a reeleição.
Para ser aprovado, o projeto precisaria de uma avaliação de impacto mais apurada até mesmo para evitar que falte receita para os Estados e os municípios financiarem, no futuro, suas políticas obrigatórias. A conta pode voltar para o governo federal após 2023. No afogadilho, é difícil fazer uma avaliação acurada dos seus efeitos, dos prós e contras.
Certeza de que os mesmos parlamentares que agora votam “sim” para retirar receita dos governadores e dos prefeitos serão os primeiros na fila de amanhã na porta do Tesouro Nacional para pedir mais dinheiro da União.
Não há país que aguente esse descaso com o futuro que se renova. Que venham logo as festas juninas para as votações no Congresso cessarem e os parlamentares partirem para os seus redutos políticos!
*REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA
Câmara aprova teto para ICMS de energia e combustíveis com compensação a Estados e municípios
Projeto prevê uma alíquota máxima de 17% para o ICMS sobre energia elétrica, combustíveis, gás natural, querosene de aviação, transporte coletivo e telecomunicações; Estados falam em perdas de quase R$ 70 bilhões na arrecadação
Iander Porcella, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – A Câmara deu aval nesta quarta-feira, 25, ao teto de 17% para o ICMS sobre energia elétrica, combustíveis e gás natural. A proposta passou com amplo apoio – 403 votos favoráveis, 10 contrários e 2 abstenções. Para diminuir resistências à medida, os deputados colocaram um gatilho temporário para compensar Estados e municípios quando a queda na arrecadação total do tributo for superior a 5%. Essa compensação será feita, se necessário, por meio do abatimento da dívida desses entes com a União. O projeto segue agora para análise do Senado.
A estratégia parece a reedição da Lei Kandir, que previa que a União compensasse os Estados pelo ICMS que deixou de ser arrecadado com a desoneração das exportações. O valor dos repasses sempre foi alvo de disputas, chegou a servir de moeda de troca pelo apoio dos governadores à reforma da Previdência, envolveu o Tribunal de Contas da União (TCU) e só foi resolvido depois de um acordo homologado no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Hoje é um dia histórico para o Congresso Nacional. A última vez que essa Casa votou para diminuir impostos foi quando se votou para acabar com a CPMF. De lá para cá, muito se falou em reforma tributária, muito se falou sobre o peso da carestia e da volta da inflação em cima da população mais pobre”, disse, no plenário, o autor da proposta, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), que preside a Frente Parlamentar de Energias Renováveis.
Preocupação número um dos parlamentares às vésperas das eleições, a explosão na conta de luz foi provocada também pelo “custo Congresso”, aprovação de leis que exigem contratações de energia de fontes específicas e dão subsídios ao setor elétrico, responsável por aumentar em 10% a tarifa nos próximos anos, como mostrou o Estadão.
A fixação de um teto para o ICMS com compensação para os cofres regionais recebeu o aval do Ministério da Economia, com a condição de que o gatilho de compensação durasse seis meses, em uma espécie de “período de transição”. A iniciativa de fixar um teto de 17% para o ICMS faz parte de um “levante” do Congresso contra aumentos de preços e teve o apoio do governo, num momento em que o efeito da alta da inflação nas chances de reeleição de Jair Bolsonaro preocupa o comitê de campanha do presidente. O ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, também participou das negociações.
Os governadores, no entanto, já montam uma força-tarefa para barrar o teto no Senado ou até mesmo no STF e estimam uma perda de quase R$ 70 bilhões na arrecadação de Estados e municípios por ano.
Segundo o relator da proposta, deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), contudo, a avaliação da equipe econômica é de que nem será preciso acionar o gatilho. Ou seja, o governo aposta que, se houver perda de receitas, será inferior a 5%, o que não exigiria a compensação. Por isso, de acordo com ele, não há cálculos sobre quanto custaria à União compensar a perda arrecadatória, o que poderia esbarrar no teto de gastos, a regra que atrela o crescimento das despesas à inflação.
“A equipe econômica do governo acredita que não vai ter perda nenhuma, porque esse dinheiro não deixa de existir. Se você gasta menos dinheiro com combustível, porque baixou o preço com a redução na alíquota, você vai gastar com outra coisa. Essa é a aposta do governo”, afirmou Elmar, em referência a eventual aumento do consumo.
O projeto classifica energia elétrica, combustíveis, gás natural, querosene de aviação, transporte coletivo e telecomunicações como essenciais. Dessa forma, esses bens e serviços entram no teto do ICMS. O relator disse que o projeto não fere o pacto federativo, ou seja, a autonomia dos Estados e municípios. Ele afirmou que a medida apenas cumpre uma decisão do STF que proibiu cobrança de ICMS superior a 17% sobre bens e serviços essenciais.
Petrobras
Elmar afirmou ainda que a aprovação da proposta é um passo para aliviar a inflação, mas que outras medidas ainda precisam ser tomadas. O parlamentar chamou de “inadmissível” o total de dividendos pagos pela Petrobras a seus acionistas, mas indicou que mudanças na estatal não cabiam no projeto do ICMS.
“A Petrobras está tendo uma partilha de dividendos que supera o PIB de alguns países, e isso é inadmissível, porque recai numa cadeia que leva a que o pobre sempre pague a conta”, disse Elmar, em entrevista coletiva.
A Petrobras está sob pressão do governo e do Congresso diante da alta nos preços dos combustíveis. Nesta segunda-feira, 23, o presidente Jair Bolsonaro, que tenta a reeleição neste ano, demitiu o terceiro presidente da estatal em seu mandato, José Mauro Coelho, dias após trocar Bento Albuquerque por Adolfo Sachsida no comando do Ministério de Minas e Energia.
A oposição tentou adiar a votação, mas não conseguiu. Partidos de esquerda, como PT e PSB, queriam mais tempo para discutir a proposta e disseram que defendem, na verdade, a mudança na política de preços da Petrobras, com o fim da paridade internacional. No modelo atual, o preço dos combustíveis acompanha a variação do dólar e do barril de petróleo no exterior. No fim, todos os partidos orientaram pela aprovação do projeto.