Ser ou não ser?

Por
Paulo Polzonoff Jr.


Alexandre de Moraes nunca leu “Hamlet”. Sergio Moro, dá para ver, tampouco é chegado à imaginação. Fachin é a alma burocrática por excelência.| Foto: Pixabay

No fim de semana eu estava todo animado para escrever uma versão de “Hamlet” baseada nas recentes e infindáveis estripulias do ministro Alexandre de Moraes. Nessa versão, meu irmão-em-calva faria o papel-título. Bolsonaro seria o rei Cláudio. Ofélia, a imprensa. O fantasma seria o Estado de Direito e Gertrudes, a democracia.

Uma coisa leva a outra e, quando percebi, estava segurando um crânio na mão, olhando para a plateia com minha melhor expressão reflexiva e perguntando: como é possível que o Supremo Tribunal Federal tenha magistrados com uma formação moral e intelectual tão deficiente? Sim, porque duvido que Alexandre de Moraes tenha lido e absorvido a obra-prima shakespeariana. Se tivesse lido e entendido, não estaria promovendo essa carnificina jurídica toda para, instigado pelo fantasma do Estado de Direito, salvar a honra da democracia, agora desposada por um Bolsonaro malvadão.

Como fui de Alexandre de Moraes a Sergio Moro, não sei. Ah, lembrei! É que recebi uma mensagem de um amigo falando da decepção dele com o ex-juiz. Dizia o bom amigo, e tendo a concordar com ele, que estamos em busca de heróis ou vilões absolutos e que por isso é muito difícil aceitar o fato de que o péssimo político, o ministro perdido e o excelente juiz possam conviver numa só pessoa. É a tal coisa: Shakespeare “criou” o humano, em todo o esplendor da ambiguidade, enquanto a Marvel veio e reduziu o humano à condição de herói ou vilão. Que lástima!

De qualquer forma, a gente olha para Moro, ouve Moro, analisa os discursos e as decisões de Moro e constata que ao ex-juiz que pôs Lula numa prisão (de luxo, mas prisão) faltam referências outras que não as notas de rodapé dos códigos jurídicos. Nem tanto por culpa dele, embora um pouco de esforço não faça mal a ninguém. Moro é produto de um sistema educacional nivelado por baixo e que permite que analfabetos do imaginário ocupem postos importantíssimos, como o de juiz.

Até onde vejo, faltam às autoridades que controlam o país um entendimento maior de como todos aqueles conceitos expressos em livros jurídicos cheios de mesóclises e latinórios se relacionam com a vida real. Falta ler o já citado “Hamlet” para entender como os Alexandres de Moraes da vida se tornam escravos de uma obsessão. Falta esmiuçar “Bartleby” para entender a importância de, aqui e ali, se negar a agir – simplesmente porque algo dentro de nós sabe que isso é o certo. Falta mergulhar na “Tabacaria” para compreender os sonhos e os anseios das pessoas comuns.

Veja, por exemplo, essa alma de bigodinho e mentalidade ultraburocrática que atende pelo nome de Edson Fachin. Ops, desculpe. Doutor Fachin. O homem que, depois de três anos, simplesmente mudou de ideia para pôr Lula na rua novamente. Tivesse lido uns poemas, umas peças, uns contos, uns romances (sem falar nas minhas crônicas), talvez Fachin se dispusesse a se perguntar “por que estou fazendo isso?”. E a responder objetivamente, sem mesóclises, latinórios e códigos, a essa pergunta com a qual poucos têm a humildade de se confrontar.

Tivessem a ambição da excelência, quem sabe Alexandre de Moraes, Sergio Moro, Fachin e milhares de outros juízes deixassem de ver as partes e os casos como abstrações teóricas e os enxergassem como seres humanos e recortes complexos da vida. E se percebessem pequenos demais para tentar resolver na marra, na frieza estúpida da lei e no voluntarismo político todos os conflitos humanos.


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