Editorial
Por
Gazeta do Povo


| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A Eletrobras está, finalmente, privatizada. A empresa responsável por quase um terço de toda a energia elétrica gerada no país lançou suas ações no pregão desta segunda-feira da bolsa de valores brasileira, a B3, diluindo a participação da União, que continuará a ser a maior acionista, mas sem a maioria dos papéis. De acordo com as informações do governo federal, a venda de ações – cuja liquidação ocorre nesta terça-feira, sacramentando o processo – deve movimentar entre R$ 29,2 bilhões e R$ 33,7 bilhões, a depender da emissão de lotes suplementares de ações. A demanda pelo uso de recursos do Fundo de Garantia superou o limite máximo; consequentemente, cada trabalhador interessado gastará menos com as ações do que sua pretensão inicial.

A novela da privatização já vinha do governo Fernando Henrique Cardoso, com a inclusão da Eletrobras no Programa Nacional de Desestatização em 1995. Já no governo Lula, em 2004, uma medida provisória aprovada pelo Congresso retirou a estatal do PND, e assim ela permaneceu até que Michel Temer trouxesse de volta a ideia, apresentando um projeto de lei prevendo a venda. Jair Bolsonaro preferiu levar um novo texto ao Congresso e, com a tramitação emperrada, também publicou medida provisória, que os congressistas aprovaram cobrando um alto preço da sociedade, por meio da inclusão de “jabutis” feitos sob medida para atender interesses políticos e criar despesas que, no fim, podem encarecer a conta de energia elétrica.

Privatizada, a companhia tem tudo para recuperar a capacidade de investimento perdida ao longo de décadas

Os jabutis, no entanto, foram o canto do cisne dos políticos que consideravam a Eletrobras e suas subsidiárias como feudos pessoais ou partidários, julgando-se no direito de apontar diretores e gerentes em troca de apoio parlamentar. A privatização coloca a empresa no rumo da gestão profissional, sem as amarras legais que, se por um lado existem para buscar lisura em processos como licitações e contratações, por outro acabam tornando mais lento todo o ritmo de decisões.

Privatizada, a companhia tem tudo para recuperar a capacidade de investimento perdida ao longo de décadas. A Eletrobras foi uma das grandes perdedoras com a MP 579, a canetada de Dilma Rousseff que desorganizou o setor elétrico sob o pretexto de baratear o custo da energia. Foi obrigada – inclusive pelo Supremo Tribunal Federal – a carregar nas costas subsidiárias quebradas das quais pretendia se desfazer. Para os próximos cinco anos, a estatal previa investir apenas R$ 48 bilhões, ou menos de R$ 10 bilhões por ano – a título de comparação, o Plano Decenal de Expansão de Energia, lançado em abril pelo Ministério de Minas e Energia, afirma que, para o setor elétrico dar conta de toda a demanda futura de forma satisfatória, o investimento anual do país em geração e transmissão de energia até 2031 deveria ser, em média, de R$ 53 bilhões.


O governo de Jair Bolsonaro começou com a expectativa de uma força privatizante bem maior. Mesmo quem considerava excessivamente otimistas as estimativas de Paulo Guedes no início do mandato acabou se frustrando com as dificuldades, que levaram o governo a perder nomes como Salim Mattar, que deixou a Secretaria de Desestatização; e Wilson Ferreira Junior, que comandava a Eletrobras desde o governo Temer e saiu descontente com a demora na privatização. Ao longo desses quatro anos, ficou evidente que, como escreveu Mattar ao sair do governo, há muitas forças contrárias à redução do papel do Estado na economia: “o establishment composto diretamente pelos empregados públicos, sindicatos, fornecedores, comunidades, políticos locais, partidos de esquerda e lideranças políticas tem sido uma barreira natural para a privatização”. Que esse establishment tenha sido vencido em um caso tão emblemático quanto o da Eletrobras é algo a se celebrar.


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