Editorial
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Gazeta do Povo

(Orlando – EUA, 11/06/2022) Palavras do Presidente da República, Jair Bolsonaro. Foto: Alan Santos/PR


O presidente Jair Bolsonaro.| Foto: Alan Santos/Presidência da República

O termômetro institucional de Brasília voltou a registrar febre alta na última semana, depois de um certo período de normalidade. Antes de ir aos Estados Unidos para a Cúpula das Américas, o presidente Jair Bolsonaro subiu o tom mais uma vez contra o Supremo Tribunal Federal em várias ocasiões, deixando no ar a grave possibilidade de uma ruptura ao afirmar que poderia não cumprir eventuais decisões contrárias da corte. No dia 7, afirmou em solenidade no Planalto: “Eu fui desse tempo [em que ‘decisão do Supremo não se discute, se cumpre’], não sou mais. Certas medidas saltam aos olhos dos leigos, é inacreditável. Querem prejudicar a mim e prejudicam o Brasil”. No dia seguinte, disse a empresários no Rio de Janeiro que “decisão do Supremo se cumpre, não se questiona? Eu sou o capitão. O que eu faço? Não vou cumprir. Isso não é afronta”. Nos dias seguintes, Bolsonaro voltou a criticar tribunais superiores, especialmente o TSE.

A indignação presidencial tem lá suas razões. Pelo menos desde a instauração do inquérito das fake news, em 2019, o Supremo vem atropelando liberdades e promovendo aquilo que já chamamos de “apagão da liberdade de expressão” no Brasil. Não falamos de decisões em que a Constituição e a lei admitem interpretações divergentes, e em que o Supremo acaba escolhendo aquela da qual discordamos; referimo-nos a decisões que claramente violaram o ordenamento jurídico nacional, com instituição de censura, prisões e cassações arbitrárias, desrespeito à imunidade parlamentar, medidas cautelares sem previsão legal, negação do devido processo legal e da ampla defesa, e a promessa feita a quem quiser ouvir que tais procedimentos continuarão ocorrendo. E, ainda que o arbítrio venha revestido de um verniz de legalidade conferido pelo fato de constar em decisão judicial que segue todos os ritos, nem por isso deixa de ser arbítrio. Quem ignora o papel desestabilizador da democracia que o Supremo, o TSE e outros tribunais vêm exercendo no Brasil atual padece de um caso sério de miopia, seja por desconhecer o alcance das liberdades individuais e a necessidade de sua proteção intransigente, seja porque tais decisões vêm atingindo apenas aqueles que certos setores da sociedade e da opinião pública efetivamente gostariam de ver enfraquecidos.

A situação atual é extremamente grave, e nem as atitudes do Supremo, nem as declarações do presidente Bolsonaro ajudam o país a viver o necessário clima de normalidade

A pergunta que surge como consequência dessa constatação, no entanto, não tem resposta simples. Diante de um Supremo que se considera capaz de tudo, e diante de um Senado que claramente não cumpre sua obrigação institucional de servir como freio aos excessos dos ministros do STF, qual é a resposta correta a se dar?

Bolsonaro escolheu subir o tom, como um jogador de pôquer que aumenta a aposta do seu adversário e dá a impressão de que pode partir para o all in, quando se coloca todas as fichas no jogo, deixando apenas duas alternativas: ganhar ou perder absolutamente tudo. De todas as respostas possíveis, no entanto, é a que nos parece a pior, porque é exatamente aquela que coloca a democracia brasileira em perigo sem que haja quem esteja disposto a salvá-la. Se em crises institucionais anteriores, como nas que envolveram Supremo e Senado em torno dos casos de Renan Calheiros e Aécio Neves, houve bombeiros em ambos os lados que se dispuseram a costurar soluções, hoje os ânimos estão muito mais exaltados. Um descumprimento de decisão judicial traria uma ruptura de consequências imprevisíveis – e não se pode descartar que os adversários políticos do presidente (estejam eles no Congresso ou em um tribunal superior) estejam esperando justamente por um passo em falso como este para conseguir um impeachment ou uma cassação do registro de candidatura.


Engana-se – mesmo que de boa fé – quem coloca as chances de pacificação nas Forças Armadas, como se um “Poder Moderador” fossem. O artigo 142 da Constituição não lhes dá essa atribuição. Em um cenário de guerra aberta entre Executivo e Judiciário, não há base legal para que os militares deponham um presidente por ordem do Supremo, nem que dissolvam o STF por ordem do presidente da República. Com ambos os lados elevando as tensões em vez de dissipá-las, o resultado inevitável seria uma desordem institucional que, na pior das hipóteses, acabaria resolvida pela força, não pelas vias legais, trazendo de volta épocas que julgávamos ter ficado para trás.

Hoje, a única forma de desarmar a bomba é que um dos lados assuma o compromisso de reduzir a tensão. O tempo em que “decisão do Supremo se cumpre” não passou; ele permanece, e continuará sendo assim. Mas sim, decisão do Supremo se questiona – de forma serena, com forte embasamento jurídico, apontando os equívocos e, quando possível, com a contestação também por meio de recursos, onde forem possíveis. Não com bravatas, muito menos com ameaças. Bem sabemos que haverá quem considere tal atitude uma demonstração de covardia, e não de grandeza; e admitimos a possibilidade de que alguns ministros do Supremo redobrem a aposta no arbítrio, sabendo que o Planalto não buscará a ruptura. Mas também sabemos que, se um dos lados estiver disposto ao diálogo, há ao menos uma chance de pacificação; se nenhum dos lados o desejar, o caos é o desfecho inevitável. A situação atual é extremamente grave, e nem as atitudes do Supremo, nem as declarações do presidente Bolsonaro ajudam o país a viver o necessário clima de normalidade.


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