Editorial
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Gazeta do Povo
Paulo Guedes e Bolsonaro durante entrevista coletiva em junho de 2022.| Foto: Edu Andrade/Ascom/ME
Um impasse desnecessário foi definitivamente encerrado nos últimos dias, quando tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmaram que não haverá reajuste para o funcionalismo em 2022. “O governo federal não conseguiu dar aumento de salários, mas reduziu impostos para 200 milhões de brasileiros, ao invés de ajudar só o funcionalismo, que ajudou nessa guerra”, afirmara Guedes no dia 9. Quatro dias depois, Bolsonaro confirmou a decisão: “Lamentavelmente, não tem reajuste para servidor”, disse, acrescentando que ainda considerava um aumento no vale-alimentação, mas que isso dependia de análises da área técnica do governo para não haver violação da lei eleitoral.
Sem combinar com ninguém, Bolsonaro havia falado em usar parte das “sobras” – um conceito em si equivocado, já que o governo não tem dinheiro “sobrando” há muito tempo – geradas pela PEC dos Precatórios para conceder um aumento: “tem de ter um pequeno espaço para dar algum reajuste. Não é o que eles [servidores] merecem, mas é o que nós podemos dar”, disse em novembro de 2021. Logo depois, foi desmentido pelo então ministro da Cidadania, João Roma, pela área técnica do Ministério da Economia e pelo relator do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), que afirmaram não haver espaço para reajuste, pois todo o valor que deixaria de gasto com precatórios em 2022 já tinha destino certo, além do Auxílio Brasil.
Há muitos anos os servidores trabalham para um “patrão” que gasta muito mais do que arrecada e, portanto, coleciona prejuízos significativos, na casa das centenas de bilhões de reais por ano
Mesmo assim, o presidente da República não desistiu, sancionando o Orçamento de 2022 com uma reserva de R$ 1,7 bilhão e afirmando que ela seria destinada a integrantes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e agentes prisionais, o que imediatamente despertou a reação de diversas outras classes do funcionalismo, que se sentiram preteridas e, reivindicando isonomia de tratamento, começaram a se mobilizar. É bem verdade que boa parte dessa mobilização veio da elite dos servidores, categorias cuja remuneração mensal já está na casa das dezenas de milhares de reais e cujos membros estão no topo do topo da pirâmide socioeconômica brasileira, o que fazia do protesto uma demonstração de insensibilidade social, mas a indignação acabou potencializada pelo tratamento seletivo pretendido pelo presidente da República ao beneficiar apenas algumas classes de servidores – aquelas que lhe são mais próximas, desde os tempos em que Bolsonaro era deputado federal.
Não se trata, aqui, de desmerecer o trabalho de inúmeras categorias de funcionários públicos, inclusive os das forças de segurança, nem de retirar-lhes o direito de pretender reajustes ou, ao menos, a recomposição das perdas com a inflação. No entanto, a contabilidade independe de considerações políticas: há muitos anos os servidores trabalham para um “patrão” que gasta muito mais do que arrecada e, portanto, coleciona prejuízos significativos, na casa das centenas de bilhões de reais por ano – mesmo o superávit primário do governo central, quando voltar a ocorrer, ainda não bastará, pois o resultado nominal, aquele que inclui o pagamento de juros da dívida pública, permanecerá negativo por muito mais tempo. Evidentemente, a folha do governo não é o único problema; o Orçamento é extremamente engessado e os parlamentares que o aprovam já deram inúmeras mostras de voracidade sobre o dinheiro do contribuinte, como quando aprovaram o imoral fundão eleitoral. Mas, no momento atual, não há condições de contratar uma despesa que se tornaria permanente e reduziria ainda mais a margem do governo para os investimentos que julgar necessários na implantação do plano de governo vitorioso nas urnas.
“Logo ali na frente, vai ter aumento para todo mundo, vamos fazer reforma administrativa”, prometeu Guedes na mesma ocasião em que descartou o reajuste em 2022. No entanto, os últimos quatro anos mostraram que, em termos de reformas, falar é muito mais fácil que fazer – no caso da reforma administrativa, o próprio governo trabalhou para que a proposta apresentada não fosse adiante, preocupado justamente com a repercussão entre o funcionalismo, ainda que os atuais servidores não fossem afetados pelas mudanças. Mas não há mais como empurrar com a barriga a necessidade de reorganizar e otimizar as carreiras no setor público, eliminando desperdícios e privilégios.
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