Editorial
Por
Gazeta do Povo


| Foto: Daniel Reche/Pixabay

Joana Ribeiro Zimmer, juíza da comarca de Tijucas (SC); Mirela Dutra Alberton, promotora do Ministério Público catarinense; e uma menina de 10 anos (agora com 11), grávida após ter sido estuprada, são as três protagonistas de um caso que gerou comoção nacional. Em meio ao sofrimento e à dor causados pela violência sexual e pelo peso de uma gestação em idade tão tenra, todas elas, cada uma à sua maneira, foram capazes de reconhecer o valor de uma vida ainda em formação e se comprometeram a defendê-la, mostrando a um país inteiro que todas as vidas importam.

De acordo com os relatos que vêm sendo publicados na imprensa, a menina foi violentada e engravidou no início deste ano; em maio, dois dias depois de descobrirem a gestão, ela e a mãe foram a um hospital de Florianópolis (SC), que não fez o aborto porque o bebê já tinha 22 semanas e as normas da instituição afirmavam que era preciso haver autorização judicial para interromper gestações com mais de 20 semanas. A audiência cujas imagens foram divulgadas (graças a um vazamento, já que esse tipo de processo corre sempre em segredo de Justiça) ocorreu em 9 de maio.

Naquela audiência, o valor da vida humana ainda por nascer, tão menosprezado por uma cultura de descarte, foi reconhecido e respeitado

O que se vê, nos cerca de dez minutos de vídeo que circulam pela internet (ou seja, longe de mostrar a íntegra da audiência), é que tanto juíza quanto promotora tratam a menina com toda a delicadeza possível; fica evidente que ela não compreende muito bem o que está em jogo, como quando a juíza pergunta se a garota sabe o que significa “interrupção da gravidez”, e ela responde que não. A menina deixa muito claro que não quer ficar com o bebê, que “não quer vê-lo nascer”, que não gostaria de levar a gestação até o fim ainda que um médico atestasse que ela teria saúde para tal; mas não afirma explicitamente desejar a morte do filho. A promotora faz uma explicação – incorreta, é preciso ressaltar; posteriormente, Alberton afirmou que tinha uma compreensão equivocada da maneira como se fazia um aborto – sobre o destino do feto caso a garota se decidisse pela interrupção da gravidez. Juíza e promotora perguntam se a menina aceitaria seguir com a gravidez apenas por mais algumas semanas, para que o bebê tenha mais chances de sobreviver fora do útero – a chamada “viabilidade fetal” é atingida com 21 semanas e seis dias de gestação –, e então seja feita a antecipação do parto, com o bebê sendo entregue em adoção a uma família. Zimmer e Alberton não tentam intimidar, coagir ou induzir a menina, ao contrário do que vem sendo veiculado; elas fazem a proposta em tom de sugestão, demonstrando o mesmo carinho e compreensão que manifestam ao longo de todos os trechos do vídeo. A menina, então, concorda.


Se há uma circunstância por excelência em que uma gestante merece toda a atenção, acolhimento e cuidado – médico, psicológico, financeiro, o que for –, é o de uma pré-adolescente que engravida após ser estuprada. Ninguém jamais deveria ter de carregar um filho no ventre aos 10 anos, por razões de saúde física e mental que a violência sofrida apenas torna mais graves. Se é compreensível que tantas meninas nessa situação, bem como suas famílias, julguem não haver outra opção a não ser o aborto (e mesmo muitos brasileiros contrários ao aborto em geral o admitem neste caso tão sensível), é simplesmente heroico que uma menina concorde em manter a gestação por mais algum tempo para que seu filho tenha mais chances de viver. Igualmente digno de elogios é o fato de promotora e juíza reconhecerem o valor desta vida ainda por nascer e buscarem uma solução que, ao mesmo tempo, reconheça a situação frágil da mãe e preserve as chances de sobrevivência do filho – e deveríamos estar nos perguntando por que essas duas profissionais do Direito estão sendo mais vilipendiadas na opinião pública que o verdadeiro criminoso, o homem que violentou uma pré-adolescente.

A menina é vítima, disso não temos dúvida alguma; mas, sendo vítima, ela escolheu não deixar que a violência sofrida terminasse com uma segunda vítima. É uma escolha feita laconicamente, sem alegria – como estar alegre nesta situação? –, mas exercendo uma autonomia e uma capacidade de decisão que agora são minimizadas por parte da mesma opinião pública que as estaria exaltando caso a menina decidisse seguir adiante com o aborto. Independentemente do que digam a lei penal e as recomendações governamentais para abortos em caso de gestação decorrente de estupro, independentemente do que Mirela Alberton e Joana Zimmer pensem sobre a legalização do aborto, o fato é que naquele momento o valor da vida humana ainda por nascer, tão menosprezado por uma cultura de descarte, foi reconhecido e respeitado. “Salvemos as duas vidas”, diz o felicíssimo slogan popularizado pelos pró-vida argentinos. Pois foi exatamente o que aconteceu naquela audiência.


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