Infanticídio

Por
Bruna Frascolla – Gazeta do Povo

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| Foto: Bigstock

O Brasil permite aborto em caso de estupro, bem como em caso de risco de vida da mãe. É razoável entender o aborto como a interrupção da gravidez num estágio em que o embrião ou feto ainda não tem capacidade de viver fora do útero. Interrupção da gravidez não é a mesma coisa que aborto. A interrupção da gravidez inclusive é proposta pelo médico pró-vida Jacyr Leal como uma opção ao aborto para mulheres com risco de vida: ou seja, mesmo que a lei deixe essas mulheres abortarem, elas devem ter a opção de deixar o embrião se desenvolver e levar a gravidez pelo maior tempo possível, até interrompê-la. Aí tira-se vivo o feto prematuro e coloca-se numa UTI neonatal.

Esta deveria ser uma distinção de senso comum: aborto espontâneo não precisa de parto; morte do feto precisa de parto. Aborto espontâneo não gera um natimorto. Penso que o Congresso deveria dar uma definição legal do aborto, pois, se não o fizer, em breve estaremos falando em aborto pós-parto. Peter Singer, o filósofo do vegetarianismo, defende a ideia há pelo menos 26 anos. Os pró-vida que são contra toda forma de aborto deveriam pensar nisso e se aliar ao CFM provisoriamente, jogando no colo dos carniceiros a defesa do “aborto tardio”.

No caso da menina grávida de sete meses, a discussão não era se ela deveria ser poupada de uma gravidez. Não era se, após a penetração, uma menina fértil de 11 anos não deveria receber uma pílula do dia seguinte, nem se, logo após descobrir que a filha criança foi estuprada (o que deveria acontecer cedo), uma mãe não deveria levar a filha a um hospital para fazer o aborto. O feto ia nascer de qualquer jeito, fosse de cesária ou parto normal. A discussão é se a criança deveria ser natimorta ou não. Para ser natimorta, o Estado precisaria matá-la antes que nascesse. O Intercept, O Globo e um punhado de “operadores do direito” que fazem o que querem mesmo sendo funcionários públicos decidiram que o Estado deveria matar o feto, para que ele fosse um natimorto. Gera-se uma jurisprudência e, se restarem dúvidas, alguém aciona o Supremo.

O Brasil é uma democracia só nominalmente. Quem manda aqui são os ativistas judiciais, e aquilo que chamamos de imprensa é na verdade seu instrumento de propaganda.


História mal contada
A história da menina grávida estava muito mal contada. De fato, nessa idade a relação sexual é estupro aos olhos da lei; e a lei permite aborto em caso de estupro. A mãe da menina levou-a ao hospital com mais de cinco meses de gravidez querendo fazer aborto. Dado o estado avançado da gravidez, o hospital negou, amparado inclusive pelas diretrizes da OMS. Daí a mãe da criança acionou o Ministério Público para resolver o problema.

Quando a mãe de uma garotinha dá as caras no hospital querendo um aborto para a filha grávida de cinco meses, é inevitável concluir que há algo de errado com a mãe. É impossível ela ter percebido só aos cinco meses que uma menina de 10 ou 11 anos estava grávida, e é muito provável que fosse conivente com os abusos. A juíza então tirou a menina da casa e pôs num abrigo. O processo corria em segredo de justiça e veio a público com o Intercept, que divulgou uma seleção de vídeos da audiência da juíza com a menina e sua mãe. Como o Intercept conseguiu esse material? Segundo revelou o jornalista Sílvio Grimaldo, do Brasil Sem Medo, a advogada da mãe é colunista do Catarinas, um portal feminista catarinense que também divulgou dados do processo sigiloso. Não é nenhuma suposição ousada, a de que a advogada ativista tenha passado os dados para o Intercept.

Também é de se supor que o caso tenha sido pro bono, ou então pago por alguma ONG, já que a mãe da menina é pobre. Outro dado importante é que o pai do bebê seria o filho do padrasto da menina, e que o sexo entre ambos era regular tão consensual quanto o possível. Ou seja: ao que parece, os pais deixavam tudo correr e, só quando a menina ficou grávida de um jeito que não dava para esconder a barriga, a mãe resolveu tomar providências. Mas aí descobriu que não dava mais para abortar. De algum jeito, os abutres do ativismo ficaram sabendo do caso e afinal apareceu uma advogada grátis para a mãe da menina.

A mídia pinça o tipo de crime ao qual quer dar cobertura nacional. O Datena sempre mostrou violência doméstica, mas o Jornal Nacional só passou a mostrar violência doméstica quando havia ativismo judicial em prol do conceito de “feminicídio”. Crianças e mais crianças são abusadas Brasil afora; algumas engravidam. Mas, ao que parece, agora havia “operadores do direito” dedicados a encontrar um caso particular, uma advogada pronta para defender judicialmente e uma imprensa pronta para propagandear o infanticídio intrauterino. Vale lembrar que isso ocorre pouco depois de a Colômbia, na canetada, liberar o infanticídio até seis meses de gestação. E é bom notar que a concepção de aborto como direito humano, usada pelos ativistas, segue o mesmo modelo que apareceu na Espanha agora.

Quanto à menina e sua mãe, é provável que tenham de mudar de cidade ou até de estado. Porque a fama deve ter se espalhado pela cidade, e as consequências imediatas podem ser mais graves do que fazer um parto discreto noutra cidade e dar para a adoção.

“A mulher” sempre é vítima

Pela cobertura da ex-imprensa, parece que o estupro é uma coisa perfeitamente normal, uma consequência natural do Patriarcado. Não se pergunta pela punição do estuprador, nem como diabos a mãe esperou cinco meses de gravidez para tomar uma providência. Todo o tom de denúncia, no caso, era voltado contra a juíza e a promotora – retratadas como agentes do Patriarcado, e não como mulheres. As vítimas do Patriarcado eram a mãe e a menina. O algoz, o Patriarcado – não o eventual estuprador.

Na manhã de 23 de junho, o Brasil Sem Medo confirmou os boatos que circulavam pela internet: o pai do bebê era o filho do padrasto da menina, um garoto de 13 anos que morava na mesma casa. Somente no fim da tarde, depois de realizado o infanticídio, O Globo informou que ter ouvido “de fontes ligadas às investigações criminais, que correm em sigilo, que a menina admitiu em depoimento aos policiais ter mantido relações sexuais com um menino de 13 anos. Uma fonte diz que além da vítima, o outro menor confirmou que teria se tratado de uma ‘relação consentida’.” Com esse contexto, entende-se por que a juíza falava do pai da criança na audiência. Duas coisas chamam a atenção aí: primeiro, ter se dado após o infanticídio; depois, a omissão de que a “relação consentida” se dava dentro de casa. Ou seja, dava-se sob os olhos da mãe, que de vítima não tinha nada.

Entende-se que a história teve um final feliz. Mais feliz, só se o hospital tivesse “abortado” um feto de 5 meses. Ninguém se pergunta como uma menina de 10 anos tinha um namorado com o qual fazia mais coisas do que as nossas avós faziam com os noivos. Ela deve ter iniciado a vida erótica sem ter nenhum instinto para isso. Possivelmente o mesmo se deu com o menino – lembremos que o corpo dos meninos costuma amadurecer depois do das meninas. Meu chute é que alguém tenha exposto esses dois a pornografia. A polícia deve investigar se essa pessoa não era pelo menos um dos adultos da casa. E a opinião pública, se ainda existisse, deveria clamar pela responsabilização destes dois.

Utopia abortista
Que tipo de mundo os progressistas querem? Todos os seus esforços são no sentido de dar “educação sexual” a crianças que não deveriam se interessar pelo assunto. A internet está aí, é verdade, mas os pais bem intencionados também estão. Há muitos pais que acham que os filhos estão seguros por estarem dentro de casa, mas deixam-nos soltos na internet. Isso é um perigo, e uma campanha de esclarecimento público nesse sentido seria bem vinda.

A internet deve, sim, estar sob o controle dos Estados nacionais: assim como crimes passados no território físico são objeto da polícia, crimes digitais também deveriam passar pelo mesmo processo. Em vez disso, vemos os ativistas judiciais clamando para que agentes privados – as Big Techs – ajam como soberanas e punam crimes que não existem no ordenamento jurídico brasileiro. Temos visto um enorme cerceamento à internet. Mas esse cerceamento se volta exclusivamente para a atividade política e para críticas a posturas médico-sanitárias ligadas à Covid. É legal defender cloroquina e convocar manifestações antidemocráticas; por isso, pede-se que entidades privada exerçam censura. Por outro lado, o CV e o PCC podem divulgar à vontade seus funks no YouTube e suas promoções no Twitter. Em outras plataformas, meninas aprendem que é perfeitamente normal vender foto pelada, embora posse de fotos de menores peladas seja crime.

Em suma: a internet precisa de limites legais já existentes; ainda assim, toda tentativa de limitá-la se circunscreve à limitação ilegal da liberdade de expressão. Defender o fechamento do Supremo não pode; apologia do PCC, pode. Afirmar que a Covid saiu de laboratório não pode; apologia da pornografia de menores, pode.

Que solução nos oferecem para as drogas? Descriminalização e movimento manicomial – ou seja, impedir o drogado de ser preso ou hospitalizado, garantindo que continue drogado. Qual solução nos oferecem para a sexualização de menores? Falar de sexo pra criança. Aí ela sabe como não engravidar. Mas se engravidar, tem aborto – aos 9 meses, se preciso for. Aos 9 meses depois de nascido, de preferência, já que o mundo está superpovoado e precisamos diminuir a pegada de carbono. Somado a tudo isso há a glorificação da “liberdade sexual feminina” em detrimento do casamento. O mundo vai ser bom quando toda garotinha tiver aula de contracepção na escola antes da menarca e tiver maturidade para conviver com os padrastos rotativos que sua mãe empoderada lhe fornece. Para aguentar essa vida, ou melhor, “desconstruir preconceitos patriarcais”, nada como o uso de substâncias alternativas.

Resta saber se vai ficar por isso mesmo. Se for, paremos logo de chamar isto de democracia. Vivemos uma juristocracia progressista operada por ONGs estranhas ao interesse do Brasil. Alguém vê uma saída institucional para a situação? Se sim, que informe, pois eu não vejo.


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