Editorial
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Gazeta do Povo


O presidente eleito da Colômbia, Gustavo Petro, comemora com sua esposa, Verónica Alcocer.| Foto: EFE/Mauricio Dueñas Castañeda

Em um segundo turno no qual 16 milhões de eleitores não quiseram ir às urnas, uma diferença de meros 700 mil votos decidiu o novo presidente da Colômbia no último dia 19. Gustavo Petro, do Pacto Histórico, senador e ex-prefeito da capital Bogotá, é o primeiro candidato de esquerda a se tornar presidente do país, dando continuidade a uma série de vitórias eleitorais na América do Sul, sendo a mais recente a do chileno Gabriel Boric.

Petro é um ex-guerrilheiro; durante sua juventude, fez parte do grupo armado urbano Movimento 19 de Abril (M-19), que depôs as armas em 1990 em uma negociação da qual Petro fez parte; a antiga guerrilha, então, incorporou-se à política colombiana por meio da constituição de um partido que Petro deixou em 1997, saltando de legenda em legenda até participar da criação do Pacto Histórico, em 2021. Essa coalizão inclui desde entidades de centro-esquerda como a Colômbia Humana, de Petro, até o Partido Comunista Colombiano e outros grupos marxistas.

A esta altura, a maior chance de conter eventuais arroubos mais extremistas de Petro e seus apoiadores de primeira hora está na busca por uma maioria no Legislativo

Seu programa de governo está repleto de iniciativas que combinam o populismo gastador de esquerda com a militância ambientalista, e cujas consequências para as contas nacionais podem ser desastrosas. Petro considera que a geração de empregos compete primariamente ao Estado, e não tanto à iniciativa privada; ele propõe inchar a folha de pagamento do governo para absorver parte dos desempregados colombianos, dando a boa parte deles empregos no campo. Já o seu plano de “desescalada gradual da dependência econômica de petróleo e carvão”, como diz o texto do plano de governo, pode fazer da Colômbia um importador de gás e petróleo em 2026 e 2028, respectivamente – hoje, o país é o terceiro maior produtor de petróleo da América do Sul e a commodity representa metade das exportações colombianas –, privando o governo de recursos que poderiam ser usados no combate à pobreza.

Apesar dessas e de outras propostas do candidato de esquerda, a verdade é que o segundo turno da eleição deixou muitos conservadores sem escolha aceitável. O adversário de Petro, o engenheiro Rodolfo Hernández, chegou a ser apelidado de “Trump colombiano”, mas sua plataforma, especialmente em temas morais, estava bem distante do conservadorismo. Contrário às leis restritivas sobre porte e uso de drogas, o candidato pretendia distribui-las aos dependentes, o que, segundo ele, quebraria o narcotráfico (como se os cartéis atuassem vendendo drogas apenas dentro da Colômbia); além disso, ele defendeu a atual lei colombiana que permite o aborto até o fim do segundo trimestre de gestação. Hernández chegou a ampliar consideravelmente sua votação do primeiro para o segundo turno, mas não foi capaz de ser escolhido como o “mal menor” por todos os eleitores do direitista Federico “Fico” Gutiérrez, nem por uma parcela dos ausentes do primeiro turno suficiente para lhe dar a vitória.


A esta altura, a maior chance de conter eventuais arroubos mais extremistas de Petro e seus apoiadores de primeira hora está na busca por uma maioria no Legislativo. O Pacto Histórico conquistou 20 de 108 senadores e 28 de 188 deputados nas eleições parlamentares de março deste ano, um desempenho que fez da coalizão uma das principais forças políticas nas duas casas do Congresso, mas longe de ter maioria absoluta ou mesmo de uma situação confortável que permitisse buscar apenas aliados menores mais à esquerda. Sem fazer alianças com partidos mais ao centro, e até à centro-direita, Petro não conseguirá governar, e para isso terá de fazer concessões que amenizem os aspectos mais radicais de sua plataforma.

Mesmo com décadas de luta contra guerrilhas de esquerda e narcoterroristas, a Colômbia registra um período longo de estabilidade política – o último golpe de Estado ocorreu em 1953 e a democracia foi restabelecida em 1958 – no qual liberais e conservadores se alternaram no poder. A economia de mercado trouxe crescimento, mas há parcelas da população que não se beneficiaram desta prosperidade. Assim como no Chile agora governado por Boric, o desafio de Petro é aprimorar o sistema econômico, e não subvertê-lo.


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