EDUCAÇÃO FINANCEIRA

O debate reaqueceu depois que a deputada Luciana Genro se posicionou contra o tema nas escolas e foi alvo de críticas

DANIEL REIS – Jornal Estadão

As escolas públicas devem ensinar educação financeira?
A OCDE entende que a educação financeira deve começar na escola. (Tiago Queiroz / Estadão)
  • A aprovação do PL 231/2015 no início do mês acendeu o debate sobre a inclusão da educação financeira nas propostas pedagógicas das escolas do Rio Grande do Sul
  • Para OCDE, as pessoas devem ser educadas sobre questões financeiras o mais cedo possível em suas vidas

A aprovação do Projeto de Lei 231/2015 no início do mês acendeu o debate sobre a inclusão da educação financeira nas propostas pedagógicas das escolas públicas e privadas do Rio Grande do Sul. Na votação da matéria, no último dia 7 de junho, a deputada Luciana Genro (Psol) fez críticas à proposta e foi alvo de críticas nas redes sociais.

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No debate do Legislativo gaúcho, a deputada foi contra a justificativa de apoiadores do PL que defendem a educação financeira para combater o endividamento no Brasil. Em abril, o País atingiu o recorde de 77,7% das famílias fechando o mês com alguma dívida.

A deputada Any Ortiz (Cidadania), por sua vez, defendeu o tema como necessário para os jovens pelo fato de melhorar a capacidade de as pessoas fazerem escolhas com mais consciência, especialmente quem está em situação de vulnerabilidade. “O conhecimento ajuda a construir uma sociedade mais crítica e questionadora”, afirmou na ocasião.

A aprovação da PL incentiva as escolas a seguirem o que já está previsto para todo o País. Desde 2017 (na educação infantil e ensino fundamental) e 2018 (no ensino médio), o governo federal entende que a educação financeira deve ser abordada de forma transversal pelas escolas em aulas e projetos de várias disciplinas, como matemática, geografia e língua portuguesa.

Já a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) defende que as lições comecem na escola. “As pessoas devem ser educadas sobre questões financeiras o mais cedo possível em suas vidas”, diz um documento da organização datado de 2005, que define a educação financeira como o processo pelo qual os consumidores e investidores financeiros melhoram a sua compreensão dos produtos, conceitos e riscos financeiros.

Wendy Beatriz, coordenadora do projeto Educação Financeira da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), compartilha do entendimento sobre o ensino transversal do tema. “Podemos trabalhar educação financeira com história, geografia, linguagens… É como ensinar responsabilidade social. Não precisamos chegar para criança e falar: ‘tem que separar o lixo porque isso é responsabilidade’. Nós simplesmente explicamos as consequências positivas de separar o lixo”, afirma a professora de Ciências Contábeis.

Para ela, são as pessoas em situação de vulnerabilidade financeira – parte das que estão nas escolas públicas – as que mais precisam aprender sobre o tema. “Tem a ver com saber fazer as melhores escolhas e ter consciência delas”, diz.

Para a professora da rede pública do RS Cláudia Campos, a disciplina é eficaz quando começa no ensino básico, mostrando para as crianças, de forma lúdica e em pequenas ações, o que é supérfluo e o que é necessário. “É possível mostrar, por exemplo, que ao apontar um lápis indiscriminadamente ou rasgar folhas do caderno sem necessidade, a família terá que deixar de comprar algo em casa”, diz.

Campos desenvolveu um projeto sobre venda de hortaliças com os seus alunos e conquistou o selo Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) por dois anos consecutivos. No País, outras 304 iniciativas possuem esse reconhecimento. Ela utiliza os materiais do site Vida e Dinheiro, que tem o objetivo de oferecer aos professores cursos gratuitos de formação em educação financeira.

A iniciativa é do próprio ENEF, foi instituída em 2010 e era coordenada pela Associação de Educação Financeira do Brasil (AEF-Brasil). A AEF, no entanto, encerrou as suas atividades no ano passado. Em 2021, o governo federal lançou, por meio do Ministério da Educação e em parceria com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Programa Educação Financeira nas Escolas, que deu continuidade ao site.

O professor da faculdade de Educação da UFRGS Juca Gil considera que a temática é importante para todos os cidadãos e cabe, sim, na escola pública. Segundo ele, a justificativa da vulnerabilidade e da pobreza não deve ser central para a discussão. “Todo filho deveria saber quanto paga de aluguel e de mercado. Isso é educação financeira real. Neste caso, os pobres sabem mais do que o jovem da classe média”, pontua Gil.

Para ele, o conteúdo deveria abranger até o sistema tributário – para questionar o atual modelo considerado “regressivo” – e a como não cair em arapucas do sistema financeiro, como altos juros do cartão de crédito. Mas as escolas não podem resolver sozinhas o problema da falta de educação financeira no País. “Por mais bem equipadas e com os melhores profissionais, nenhuma instituição resolve nada por conta. A sociedade tende a jogar isso para escola”, diz o professor da UFRGS.

Ele avalia que o Ministério da Economia deveria promover um grande projeto pedagógico de educação financeira. Apesar de entender que o processo possui suas dificuldades, o professor afirma que as escolas devem abordar o tema, sempre de forma transversal.

Myrian Lund, planejadora financeira CFP pela Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar) e que trabalha com crianças em escolas, explica que, no ensino fundamental, são abordados conceitos como produção e consumo; oferta e demanda; organização; cuidados e planejamento. “Esse panorama ajuda a repensar vidas, seus objetivos, a forma de lidar com o dinheiro e a não cair nas armadilhas do comércio e da nossa própria cabeça”, afirma.

Já Eduardo Reis, educador financeiro da Ágora Investimentos, diz que a maior parte das escolas não está preparada para receber este ensino, pois não possui profissionais habilitados para isso. Ele defende que tenham professores exclusivos para a matéria.

“O cuidado em ensinar corretamente é a maior preocupação. Existem muitas pessoas que não têm a devida especialização na matéria e não são educadas financeiramente, o que pode gerar equívocos de interpretação e prática”, diz Reis.

Precariedade

Ao classificar a obrigatoriedade prevista no PL 231/2015 como “ridícula”, Luciana Genro pontuou que cabe aos professores definirem o que será adicionado no conteúdo.

A parlamentar diz que os educadores financeiros fazem um trabalho importante, mas não serão eles quem irão às escolas públicas ensinar. As falas da deputada viralizaram em um vídeo na internet e foram alvo de críticas de usuários nas redes sociais e influenciadores de finanças, como Nath Finanças e Kid Investor.

“As escolas não têm dinheiro sequer para pagar o deslocamento deles, mesmo que eles queiram trabalhar de graça. Serão os professores da própria rede pública que darão essa aula, então eles próprios devem definir a hierarquia de prioridades de acordo com a comunidade que eles vivem e com as necessidade”, disse Luciana em entrevista ao E-Investidor.

De acordo com a professora de Educação Universidade Estácio de Sá e titular aposentada da UERJ, Inês de Oliveira, neste momento pós-pandemia, há outras prioridades, como uma formação social que contribua para a construção de uma “consciência coletiva”. “A sociedade joga a conta na escola, mas não estão cuidando nem dos conteúdos básicos”, diz Oliveira.

Nova Lei no RS

Há sete anos tramitando na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do RS, o PL 231/2015 foi aprovado com 36 votos favoráveis e seis contrários. O seu texto original previa a obrigatoriedade das escolas de ensino fundamental e de ensino médio de incluir o tema. No entanto, a CCJ ajustou o texto “a fim de prevenir eventual alegação de inconstitucionalidade, ilegalidade ou antijuridicidade”.

Com isso, as escolas “poderão incluir” o tema e não serão obrigadas. A nova Lei, portanto, não altera o que já vem sendo abordado nas escolas do Brasil, tendo em vista que a BNCC já entendia que a Educação financeira deve ser abordada de forma transversal pelas escolas, em aulas e projetos de outras disciplinas.

*Colaborou: Emylly Alves

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