A ‘política’, no Brasil, é o campo aberto à criação de novas elites e de milionários…
Roberto DaMatta, O Estado de S.Paulo
Quando fui votar pela primeira vez, perguntei a meu pai em quem ele ia votar. A resposta foi curta e grossa: “O voto, meu filho, é secreto!”.
Não perguntei mais, mas guardei a lição que papai me liberava de ser “filho obediente” quando se tratava de política e escolha eleitoral. No papel de “eleitor”, eu era livre e teria que exercer essa liberdade sem sua ajuda.
Tal atitude contrastava com a de alguns amigos, que votavam em conjunto, seguindo o pai e suas simpatias políticas que, naqueles tempos, eram, como ainda são, muito idealizadas, pois os eleitos devidamente empossados cometem todo tipo de traição às promessas feitas quando eram candidatos e estavam em campanha. Uma disputa até hoje vista no Brasil como um combate no terreno do “vale-tudo”.
É parte do nosso “realismo político” que “politicar” não é brincar. A “política”, no Brasil, é o campo aberto à criação de novas elites e de milionários…
Conforme eu tenho chamado atenção, no Brasil não é o cargo público que dirige o eleito, muito pelo contrário: é o eleito que “toma posse” do cargo, usando-o como um instrumento de seus interesses pessoais, que podem ou não coincidir com os ideais de um conjunto desconjuntado de partidos, muitos deles feitos para obter ganhos privados, jamais para promover valores públicos. Daí a raridade de candidatos fiéis aos papéis públicos que conquistaram pelo voto.
Como o voto é obrigatório, vota-se – conforme diria o cientista político Guillermo O’Donnell – delegativamente em fulano ou sicrano e, em seguida, vamos aproveitar o “feriado”. O voto não é discutido como um elemento fundamental de representação do eleitor: de seus interesses e suas necessidades, mas era dado ou delegado como um presente ou em confiança ao candidato.
Em um caso, há uma entrega que faculta a segmentação porque se o candidato tudo promete e, quando é “empossado”, ele vira invisível porque o sistema foi desenhado para dificultar inovações e sua operação superburocrática é feita para promover mediações. Em suma, mesmo quando o candidato eleito quer cumprir o que prometeu, as instâncias de mudança são muito complexas.
Hoje, velho, eu sei que as marcas registradas da espécie humana são a incompletude e a transitoriedade. E, justo por isso, os hábitos têm força. No Brasil, a força da tradição afirma que, da porta de casa para fora, quem deve “cuidar” é o “governo”. E o “governo” é feito justamente por esses eleitos nos quais votamos que, empossados, se divorciam de nós.