Militância corporativa
Por
Bruna Komarchesqui – Gazeta do Povo
Antes promotora de diversão segura para toda a família, Disney adere integralmente à agenda progressista e vê lucros caírem| Foto: EFE/EPA/CHRISTOPHE PETIT TESSON
Uma queda vertiginosa nas ações da Disney, em um momento em que a companhia vem investindo fortemente em produções militantes, reforça um pressuposto que a esquerda parece ignorar, mas que já vinha incomodando outras grandes do entretenimento – como Paramount e Netflix. O ativismo corporativo tem um preço e, se o consumidor não está disposto a pagá-lo, as empresas fatalmente não poderão arcar com ele – sob pena de morte.
Ao longo do último ano, as ações da Disney registraram uma queda histórica superior a 45%. Além da recessão econômica, o resultado parece denotar uma reação do público consumidor à inserção “nada secreta” de uma forte agenda de gênero na programação infantil, como revelou a produtora executiva da Disney Television Animation, Latoya Raveneau.
“Na minha pequena série Proud Family [Família Orgulhosa], da Disney TVA, os showrunners [espécie de produtor executivo responsável por manter a coesão de um filme ou série] foram superacolhedores à minha agenda gay nada secreta (…) e então, como todo aquele impulso que eu senti, aquela sensação de ‘eu não tenho que ter medo de ter esses dois personagens se beijando no fundo’, eu estava apenas, sempre que podia, acrescentando queerness [apologia à teoria de que o gênero não é inato, mas fruto de um sistema social opressivo]. Ninguém iria me parar, e ninguém estava tentando me impedir”, relata Raveneau.
Os índices de audiência historicamente baixos reforçam a tese. De acordo com o site especializado Bounding Into Comics, o lançamento da Disney+ Ms. Marvel registrou os números mais baixos da plataforma de streaming. Um total de 775 mil famílias viram a série, em seus primeiros cinco dias, índice muito abaixo de outros programas, como Cavaleiro da Lua (1,8 milhão), Gavião Arqueiro (1,5 milhão), Loki (2,5 milhões) e WandaVision (1,6 milhão).
Para além das telas, recentemente, uma queda de braço da militância Disney contra o governo da Flórida terminou mal para a gigante do entretenimento. Em abril, o governador Ron DeSantis assinou um projeto de lei aprovado pelo Legislativo de maioria republicana, revogando a isenção especial de impostos e outros privilégios para o Walt Disney World em Orlando. O benefício existia há mais de meio século, por um entendimento dos legisladores de que o empreendimento criaria empregos, atrairia turistas e geraria impostos sobre as vendas de produtos.
A decisão foi uma resposta aos protestos do CEO da Disney, Bob Chapek, contra a Lei dos Direitos dos Pais na Educação, projeto assinado por DeSantis proibindo o ensino de questões de gênero na educação infantil até a terceira série na Flórida. Ativistas apelidaram a matéria de “Não diga gay” – ainda que a palavra “gay” não seja mencionada na legislação – alegando que o projeto criminalizava o reconhecimento da existência de casais do mesmo sexo.
Desde o ano passado, a mesma Disney proibiu em seus parques “saudações de gênero”, como “meninos”, “meninas”, “senhoras” e “cavalheiros”. O objetivo é tornar a experiência “mágica e memorável para todos”, segundo a gerente de diversidade e inclusão, Vivian Ware. “Nós não queremos apenas supor que alguém pode estar, em nossa interpretação, apresentando-se como mulher, que eles podem não querer ser chamados de ‘princesa’”, disse.
“A Disney, em outras palavras, havia instituído uma política de ‘não diga’ sobre o sexo binário, proibindo o reconhecimento de uma verdade simples”, critica Michael Brendan Dougherty, da revista conservadora norte-americana National Review.
Guerra cultural x lucro
“O que é mais interessante sobre este último conflito de guerra cultural é que a incursão da Disney no progressismo entra em conflito com o lucro da empresa de uma maneira que ainda não vimos. É o primeiro grande exemplo de falha e queima de sinalização de virtude corporativa. Em quase todas as iterações anteriores, as empresas exerceram sua influência sem incorrer em nenhuma perda significativa de imagem pública ou lucro”, analisa Alexandra DeSanctis, pesquisadora do Ethics and Public Policy Center.
O grande erro da Disney, opina DeSanctis, foi ter se apoiado em uma solução contrária ao seu próprio modelo de negócio, que é criar entretenimento para que todos possam desfrutar, “e desfrutar sem temer que seus filhos estejam sendo doutrinados ideologicamente”. “É seguro dizer que praticamente ninguém nos Estados Unidos quer que seus filhos assistam a filmes sexualizados, muito menos aqueles que os apresentam a tópicos controversos, como identidade de gênero, relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e queerness”, completa.
Uma pesquisa recente do Trafalgar Group mostra que, quanto mais a Disney entra na guerra cultural, mais as famílias se distanciam de seus produtos. Mais de 68% dos eleitores das eleições gerais dos EUA, ouvidos em abril de 2022 pelo estudo, se disseram menos propensos a fazer negócios com a companhia após a notícia de que seus planos incluem a inserção de ideologia sexual nos conteúdos para crianças. Quase 70% dos entrevistados afirmaram que provavelmente apoiariam “alternativas familiares” à Disney.
Cal Thomas, escritor e colunista do site conservador de notícias Daily Signal, endossa a previsibilidade das consequências enfrentadas por uma Disney que preferiu não dar ouvidos ao seu fundador. “Ele deliberadamente manteve a política fora de seus filmes e parques temáticos. Como escreve [o biógrafo Neal] Gabler: ‘Na verdade, apesar de seu republicanismo, Walt Disney pertencia a todos’”, comenta. “A organização Disney deve seguir a visão e o exemplo de seu fundador e não se envolver em declarações e ações que só possam prejudicar sua visão e o sucesso da empresa. Se não reverter o curso, pode levar a uma mancha irreparável da marca Disney e do que há muito é considerado um ‘reino mágico’”, alerta Thomas.
Aborto e transição de genêro
Na última semana, com a derrubada pela Suprema Corte da jurisprudência Roe vs. Wade, que legalizava o aborto em todos os Estados Unidos, a Disney figurava na lista de gigantes norte-americanas dispostas a custear abortos de funcionárias residentes em estados com leis restritivas.
Em abril, um vídeo de uma reunião interna da Disney, publicado no Twitter por Christopher Rufo, membro sênior do Manhattan Institute, mostra que a companhia está auxiliando funcionários e seus filhos com procedimentos de mudança de sexo e “afirmação de gênero”, por meio do programa de benefícios.
Segundo um documento de perguntas e respostas, compartilhado pela Fidelity Investments, que administra o programa de benefícios da Disney, a cobertura inclui hormônios supressores da puberdade para menores sob a direção de um endocrinologista. Já para maiores, o seguro saúde cobre implantes ou próteses genitais, depilação, transplante de cabelo, aumento ou redução de mamas, raspagem de traqueia, além de cirurgias vocais, fonoaudiológicas e de feminização facial.
Executivos em alerta
O exemplo da Disney tem servido de alerta a executivos americanos, que perceberam os riscos de tomar partido em questões culturais delicadas. De acordo com o Wall Street Journal, a disputa entre a Disney e o governador da Flórida alarmou os grandes líderes empresariais do país e os reflexos puderam ser sentidos na timidez de opiniões após o vazamento da Suprema Corte sobre Roe vs. Wade. “Mais de uma dúzia de marcas que já se posicionaram sobre outras questões se recusaram a comentar sobre o projeto de opinião [sobre aborto] da [Suprema Corte] ou não responderam aos pedidos de comentários”, relata o veículo.
“Quando o governador da Flórida, Ron DeSantis, mostrou sua força política contra o CEO da Disney, Bob Chapek, por ultrapassar os limites do projeto de lei ‘Direitos dos Pais na Educação’, uma mensagem inconfundível foi enviada: Desafie-nos em valores fundamentais e você pagará”, reforça Suzanne Bowdey, diretora editorial do Washington Stand.
“Essa é uma grande mudança em relação a apenas alguns meses atrás, quando as empresas woke estavam entrando na briga em tudo, desde identidade de gênero e currículo escolar até teoria crítica de raça. Agora, tímidos com o drama que aconteceu entre Orlando [cidade que abriga os famosos parques da Disney] e Tallahassee [capital do estado da Flórida], mais empresas estão pensando duas vezes antes de atacar Roe”, completa Bowdey.
Paramount e Netflix
Se, há exatos dois anos, a Netflix estava entre as empresas de entretenimento que apoiavam a justiça racial, de uns tempos para cá a Big Tech recuou em projetos sobre a temática, incluindo a série “Bebê antirracista”. Em outubro do ano passado, funcionários da plataforma de streaming organizaram uma paralisação para protestar contra o especial de Dave Chappelle, cujo conteúdo consideraram “nocivo”. “Se você achar difícil suportar nossa amplitude de conteúdo, a Netflix pode não ser o melhor lugar para você”, afirmou a Netflix, por meio de um memorando cultural.
“Isso é exatamente o que deveria ter sido esperado. A Netflix é um negócio, não uma instituição de caridade”, defende Megan McArdle, colunista do Washington Post. “A Netflix presumivelmente se recusou a cancelar Dave Chappelle em parte porque a administração acha que o serviço ganhará mais assinantes por manter seus programas do que perderá – e cancelou ‘Bebê antirracista’, porque não acredita que o projeto gerará assinantes suficientes para justificar o custo”, completa.
“Claro, não era loucura pensar que a Netflix e seus pares poderiam exercer seu poder de mudar a mente de parte desse público. Mas esse poder sempre seria fortemente limitado pelas necessidades econômicas do negócio, que a esquerda parece estar esquecendo ao pressionar as empresas a tomarem a posição mais forte possível em tudo. Não há atalho corporativo para a mudança social que evite a necessidade de política e persuasão, porque, diante da escolha, as empresas sempre escolherão ganhar dinheiro em vez de fazer história”, argumenta McArdle.
Na contramão de plataformas de streaming que removem conteúdo considerado “inapropriado”, para atender às expectativas culturais modernas, a companhia americana Paramount descartou retirar programas históricos de seu novo serviço de streaming. “Por definição, você tem algumas coisas que foram feitas em uma época diferente e refletem diferentes sensibilidades”, afirma Bob Bakish, CEO da Paramount. “Eu não acredito em censurar a arte que foi feita historicamente, isso provavelmente é um erro. É tudo sob demanda, você não precisa assistir a nada que não queira.”
A Paramount é dona das redes de televisão americanas CBS, MTV e Nickelodeon, além da Paramount Pictures, que recentemente alcançou sucesso global com o filme Top Gun: Maverick, alvo de críticas progressistas pela suposta apologia à “masculinidade tóxica”.
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