De janeiro a junho, o número de solicitações à agência de mineração chegou a 50, três vezes mais do que a média anual da última década
André Borges, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – A crise dos fertilizantes deflagrada pela guerra entre Rússia e Ucrânia gerou uma corrida pela extração de potássio no Brasil – processo que tem pressionado municípios em diversas regiões do País, por causa do impacto ambiental envolvido nessas atividades. Os pedidos para pesquisa e exploração do mineral bateram recorde no primeiro semestre de 2022, superando o que se viu nesse setor na última década.
O Estadão fez um levantamento dessas solicitações de exploração de potássio registradas pela Agência Nacional de Mineração (ANM). De janeiro a junho, o órgão responsável pela concessão de pesquisas e lavras minerais recebeu um total de 50 pedidos relacionados à extração de potássio, a maior parte deles concentrada no Amazonas, ao longo da calha do Rio Madeira. Há pedidos também em outros Estados, como Goiás, Bahia, Sergipe, Piauí e Minas Gerais.
O número supera com folga os registrados na última década. No ano passado, por exemplo, quando o governo já se preocupava com a oferta de fertilizantes no País, apenas nove solicitações relacionadas a potássio chegaram à ANM. Desde 2013, a média de requisições enviadas à agência foi de 14 registros por ano. O que se vê apenas neste primeiro semestre, portanto, equivale ao triplo do volume médio anual dos últimos dez anos.
A corrida pelo potássio tem exercido pressão em processos de licenciamento ambiental que, muitas vezes, incluem impactos em unidades de conservação ambiental e, em algumas situações, áreas de preservação paisagística. Um exemplo é o que se vê no interior de Minas Gerais.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=zPaj4y
O movimento para nacionalizar a produção de potássio tem sido puxado pelo Ministério da Agricultura (Mapa), que teve de buscar alternativas para garantir o abastecimento nacional. O Brasil adquire no exterior 85% do volume de fertilizantes aplicado anualmente nas lavouras. A Rússia é uma das principais exportadoras – em janeiro, respondeu por 30,1% do adubo que entrou em território nacional, segundo o Ministério da Economia. No ano passado, os russos foram responsáveis por 23,3% do fertilizante que chegou ao Brasil.
Para garantir o estoque nacional, outros países foram acionados, como Canadá, Irã e Marrocos. “Mesmo com os conflitos, não houve interrupção das importações de fertilizantes russos e, consequentemente, da atividade de produção no campo”, informou o Mapa.
Em março, um decreto instituiu o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), que inclui metas e ações para reduzir a participação atual de 85% da importação de fertilizantes para cerca de 50%, até 2050. Essa redução inclui, além da exploração nacional de potássio, o uso de adubos orgânicos enriquecidos com minerais, entre outros.
Projetos de longo prazo
Não é possível prever, neste momento, quando a exploração nacional de potássio deverá ter resultado efetivo, uma vez que isso depende do processo de licenciamento ambiental em cada região e do ritmo de investimento de cada empresa. O que se sabe, porém, é que se trata de um processo de longo prazo, dadas as características das minas, que dependem de aporte financeiro pesado e infraestrutura logística que viabilize o empreendimento.
Portanto, não será do dia para a noite que a exploração nacional de potássio ajudará a reduzir a dependência internacional do principal insumo usado na produção de fertilizantes. Além de exigir investimentos bilionários, o início da produção é complexo e leva anos para se consolidar.
O presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), Luís Azevedo, que já atuou com projetos de potássio, afirma que a característica das jazidas de potássio encontradas na Amazônia, por exemplo, onde estão as rochas com maior concentração do minério, estão localizadas em profundidades de aproximadamente 800 metros.
“São áreas profundas e de grande complexidade. Um furo de sondagem de 800 metros, por exemplo, leva de dois a três meses para ser feito, e tudo isso só para ver se a área tem sinais de viabilidade. São projetos com custo inicial acima de US$ 1 bilhão”, afirma Azevedo.
Já em áreas de Estados como Goiás e Minas Gerais, ele explica, o potássio é encontrado em rochas na superfície e o teor do minério contido nessas rochas é bem inferior àquele que se encontra na Amazônia. “É uma opção mais barata e rápida, apesar de menor teor. Talvez seja o caminho mais recomendável neste momento, porque os demais projetos levam, pelo menos, cinco anos para se viabilizarem”, diz o executivo.
Estoque em dia
O receio com a falta do insumo levou o Brasil a importar mais fertilizantes do que no ano passado. Entre janeiro e maio de 2022, o produtor nacional importou 15,22 milhões de toneladas de fertilizantes, 16% a mais que os 13,12 milhões comprados no mesmo período de 2021.
“Apesar das sanções impostas contra a Rússia e Belarus no início deste ano, os produtores nacionais, num movimento de antecipação de compras, fizeram fortes aquisições do insumo”, afirmou a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). “Os fertilizantes já estão sendo internalizados e o Brasil provavelmente terá suprimentos adequados para o plantio das safras 2022/23.”
Os dados de comércio exterior compilados pelo Ministério da Economia apontam que as importações brasileiras atingiram 4,06 milhões de toneladas em maio, 25% acima do volume adquirido no mês anterior e 57% superior ao mesmo mês em 2021.